sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Competência disciplinar do CNJ – Nota AJD



Na cultura política brasileira há longa e nefasta tradição de impunidade dos agentes políticos do estado, dentre os quais estão metidos a rol os membros do Poder Judiciário, notadamente os desembargadores dos tribunais estaduais e federais, e ministros dos superiores.


A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, a propósito da tramitação da ADIN n.º 4.638 perante o Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a Resolução n.º 135 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vem a público manifestar o seguinte:
A competência disciplinar do CNJ, relativamente aos membros do Poder Judiciário, está prevista no art. 103-B, § 4.º, incisos III e V da Constituição Federal, e constitui uma salutar conquista da sociedade civil para efetivar o Princípio Republicano.
Os mecanismos de controle da moralidade administrativa e da exação funcional dos magistrados em geral garantem legitimidade social ao Poder Judiciário e a independência judicial.
Na cultura política brasileira há longa e nefasta tradição de impunidade dos agentes políticos do estado, dentre os quais estão metidos a rol os membros do Poder Judiciário, notadamente os desembargadores dos tribunais estaduais e federais, e ministros dos superiores.
Reações coorporativas, animadas por interesses particulares, e manifestações das cúpulas dos tribunais, que a pretexto da preservação de suas atribuições, objetivam garantir seus poderes arbitrários, não podem prevalecer sobre o relevante papel desempenhado pelo CNJ na apuração de desvios de conduta funcional e responsabilização dos magistrados faltosos com seus deveres de probidade.
Toda e qualquer alegação de falta de lei para dispor sobre matéria disciplinar deve ser encarada sob a ótica da omissão do próprio STF em encaminhar ao Congresso Nacional o projeto do Estatuto da Magistratura, providência atrasada, injustificadamente, por mais de vinte e dois anos, e que obriga a sociedade a conviver com uma lei de regência do Poder Judiciário promulgada pela ditadura militar.
Por tais razões, a AJD espera que o STF pondere sobre os interesses em questão e coloque-se à altura dos desafios que a realidade lhe impõe e das expectativas sociais em torno de tão relevante tema, valendo-se da oportunidade para romper com posições conservadoras e anacrônicas em relação à estrutura e funcionamento do Poder Judiciário, que tanto tem concorrido para o mau funcionamento e descrédito do serviço público judicial.


Associação dos Juízes pela Democracia– 28.09.2011
(“NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES PELA DEMOCRACIA/AJD SOBRE A COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DO CNJ”)
IN “Consultor Jurídico” – http://www.conjur.com.br/2011-set-28/bandidos-toga-eles-sejam-apontados-apamagi

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Analfabetismo cai 7% no país; nordeste e norte apresentam maiores reduções, diz Ipea



A renda é fator de desigualdade em relação à alfabetização. Dos mais de 14 milhões de brasileiros analfabetos, 93% ganham até dois salários mínimos --segundo o Ipea.

Folha de São Paulo
O número absoluto de analfabetos com 15 anos ou mais no país caiu 7% entre 2004 e 2009, segundo estudo divulgado nesta quinta-feira pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A queda representa, aproximadamente, 1 milhão de analfabetos a menos no Brasil --que ainda tem 14.104.984 de pessoas nessa situação. Desse total, 93% ganham até dois salários mínimos.
O estudo foi realizado a partir de dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009 e todas as regiões acompanharam a tendência de queda do país.
No período analisado, as maiores variações da taxa de analfabetismo foram registradas no nordeste --que passou de 22,4% para 18,7%-- e norte, cuja taxa diminuiu de 12,7 para 10,6. Com uma redução de 66%, o Amapá passou a ter a menor taxa de analfabetismo do Brasil: 2,8%.
Apesar da queda geral, cinco Estados brasileiros tiveram crescimento no número de analfabetos: Rondônia, Acre, Mato do Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina.
No sudeste, a redução na quantidade de analfabetos foi de 6,6% no período. Com exceção do Rio de Janeiro, cuja queda foi de 12,3%, todos os demais estados tiveram índices de redução do analfabetismo abaixo da média nacional.
Em São Paulo, por exemplo, a redução foi de 6,5% no número total de analfabetos com 15 anos ou mais. Em 2004, o Estado tinha 1.638.288 pessoas que não sabiam ler ou escrever enunciados curtos --definição de analfabetismo da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Já em 2009, esse número caiu para 1.532.577.
Desigualdade
O estudo do Ipea mostra também que o nível de analfabetismo entre pretos/pardos e brancos ainda apresenta desigualdades. Entre analfabetos brancos, a variação foi de 7,2% em 2004 para 5,9% em 2009. Enquanto a taxa registrada por pretos e pardos caiu de 16,3% para 13,4% no período.
A renda também é outro fator de desigualdade em relação à alfabetização. Dos mais de 14 milhões de brasileiros analfabetos, 93% ganham até dois salários mínimos --segundo o Ipea.
Além disso, o analfabetismo é 20 vezes menor se comparada a população que declara ganhar entre três e cinco salários mínimos com àquela que ganha até 1/4 de salário mínimo.
Na população idosa, com 65 anos ou mais, também houve redução no número de analfabetos nos últimos cinco anos. O percentual passou de 38,4 em 2004 para 30,8% em 2009. Apesar disso, das faixas etárias analisadas pelo estudo do Ipea, essa ainda é a com maiores índices de analfabetismo no Brasil.


Folha de São Paulo – 09.12.2010
IN Folha UOL – http://www1.folha.uol.com.br/saber/843228-analfabetismo-cai-7-no-pais-nordeste-e-norte-apresentam-maiores-reducoes-diz-ipea.shtml


domingo, 25 de setembro de 2011

Segurança pública e direitos humanos


O debate sobre a questão criminal é distorcido quando se antagoniza os imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública


Oscar Vilhena Vieira, Renato Sérgio de Lima e Theo Dias 
Em coluna na Folha ("A miséria da sociologia", de 29/8), Vinicius Mota interpreta a manifestação de leitores a favor de ações policiais violentas como decorrência do fracasso do "pensamento acadêmico-ongueiro dos direitos humanos", que relativizaria a importância da responsabilidade individual pelo delito, desconsiderando a importância da repressão penal.
O diagnóstico nos parece equivocado. Conforme pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, cresce o apoio aos direitos humanos, especialmente entre a população jovem e mais bem-educada. Por outro lado, os avanços, ainda que tímidos, na contenção da violência policial em São Paulo decorrem, em boa parte, do trabalho de organizações da sociedade civil na denúncia de abusos e no fortalecimento de uma cultura dos direitos, dentro e fora da polícia.
Polícia é instituição fundamental numa democracia. Submetê-la a controle e transparência é fator central para alcançarmos novo patamar civilizatório. A alternativa aos direitos humanos na segurança pública é o modelo "Rota na rua", da polícia que atira antes de perguntar, em inocentes e culpados.
As experiências bem-sucedidas de redução da criminalidade têm sido as capazes de mobilizar a participação efetiva das diversas instituições e dos cidadãos no processo de identificação e gestão dos problemas. Observa-se, em diversos Estados, produtiva aproximação entre integrantes do mundo "acadêmico-ongueiro" e policiais comprometidos com o respeito à lei.
Mas política de segurança participativa não se sustenta com polícia corrupta e violenta. Sem honestidade, profissionalismo e transparência, a polícia não adquire o respeito e a confiança da população. Sem confiança, não há eficiência.
Consolida-se, no Brasil e no mundo, uma nova cultura progressista de prevenção criminal, caracterizada pela diversificação das respostas sociais e governamentais aos problemas do crime e da insegurança. Não há ator social que não possua responsabilidade na gestão da segurança do espaço urbano.
A eficácia da resposta repressiva depende de sua capacidade de articulação com outros espaços de intervenção, nas áreas de educação, planejamento urbano, saúde, regulação bancária, etc. Quando se avalia o êxito das experiências de Bogotá ou Medellín, medidas como implantação de ciclovias e bibliotecas, educação no trânsito e aprimoramento da repressão penal são colocadas no mesmo patamar.
O debate público sobre a questão criminal é distorcido quando se antagoniza os imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública. A responsabilidade do Estado é produzir políticas públicas de segurança dentro da legalidade. As organizações de direitos humanos têm por missão contribuir para a ampliação do respeito aos direitos, e uma de suas estratégias é denunciar aqueles que os violam.
Elas não podem ser recriminadas por fazê-lo. Pelo contrário, devem aumentar os seus esforços para demonstrar a falácia de discursos que, em nome do medo e da insegurança, concedem "permissões para matar". Polícia violenta é fator de insegurança social.


Oscar Vilhena Vieira – Professor e diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, é membro do Conselho da Conectas Direitos Humanos; Renato Sérgio de Lima - Sociólogo, é secretário executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Theo Dias – Advogado criminal, é professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – 14.09.2011
IN “Folha de São Paulo” –  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1409201108.htm

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Quando o arbítrio não é manchete



Qualquer discussão dessa natureza costuma servir como um prato cheio para o voraz apetite da grande mídia contra governos ligados à esquerda política. O que facilmente estamparia as manchetes principais dos periódicos e seria destaque nos telejornais, porém, quando é proveniente de um governo conservador identificado com a direita política, é relegado a pequenas notas de rodapé ou nem sequer aparece.

Otávio D. S. Ferreira
Poucas críticas foram desferidas pela imprensa brasileira contra a severa repressão imposta pelo governo de David Cameron aos manifestantes envolvidos nos recentes movimentos que eclodiram no Reino Unido, postura endossada por várias autoridades britânicas. Além de prender e julgar sumariamente centenas de pessoas acusadas pelo envolvimento direto nos conflitos, o governo chegou a punir até familiares de acusados e o próprio premiê teria afirmado pretender controlar o Facebook, o Twitter e o serviço de mensagens do Blackberry para que não fossem usados para organizar manifestações.
Não se viu indignação na cobertura jornalística dos grandes veículos. No rádio, na televisão e em grandes periódicos, o foco foi a prévia condenação dos manifestantes como meros ladrões, salvo, neste ponto, o artigo do cineasta Henrique Goldman na Folha de S.Paulo (“A Europa se abrasileira, e Londres tem até arrastão”). Por outro lado, fora do circuito das grandes redes, a tônica foi de ojeriza à repressão inglesa, como em Gianni Carta (“Tolerância Zero leva à cadeia os primeiros `ladrões de galinhas´”, CartaCapital), Marcelo Justo (“Justiça britânica endurece e criminaliza protestos”, Carta Maior) e Sílvio Mieli (“Londres Chamando”, Brasil de Fato).
A grande imprensa, desde o princípio dos distúrbios, divulgou a visão de que os protestos e saques ocorridos na Inglaterra seriam fruto de um bando de jovens desordeiros alienados. Não faltaram aqueles que os chamassem de terroristas ou criminosos comuns, abordagem que justificaria, na mentalidade conservadora, qualquer natureza de repressão (pelo menos até a vítima ser seu ente querido). Tony Wood, entretanto, em artigo para o jornal Le Monde (“O movimento social britânico sai da letargia”), mostra o quanto a sociedade civil do Reino Unido já vinha se articulando nos últimos tempos em torno da insatisfação com o desmantelamento do Estado de bem-estar social, processo iniciado com as políticas liberalizantes de Thatcher, continuadas em Blair e sacramentadas com as medidas de austeridade em Cameron.
Com o nítido fracasso do modelo liberalizante de Estado mínimo ameaçando preciosas conquistas sociais, afetando diretamente a vida de milhões de ingleses, aliado ao momento internacional virtuoso em movimentações de massa onde predominam bandeiras políticas democráticas, há motivos de sobra para manifestações. Parece que houve, sim, desorganização nos protestos, falta de unidade de propósitos, abusos, saques, vandalismo e tudo dirigido contra as próprias comunidades pobres dos manifestantes. Mas um Estado de direito não pode perder as estribeiras da racionalidade. A natureza violenta e autoritária da repressão governamental é um sintoma grave de crise das instituições democráticas. Como Gianni Carta adverte, o programa de “Tolerância Zero” de Cameron não resolverá a conjuntura atual, de modo que manifestações como essas serão “inelutáveis e cíclicas”.
A punição de familiares de acusados com a retirada de benefícios sociais, como o direito à moradia, segue coerentemente a linha política de descaso com os programas sociais para os mais pobres. Mas vai muito além; parece constituir um crime contra a dignidade humana tão grave que, ao menos em tese, essas autoridades inglesas poderiam responder perante organismos internacionais de direitos humanos, como o Tribunal Penal de Haia. Isso, se entendermos que o caso se enquadra na descrição típica de “delito contra a humanidade”, do Estatuto de Roma, na medida em que se vislumbra um ataque sistemático de perseguição a um grupo identificado por motivo político e com privação intencional e grave de direitos fundamentais, em violação do direito internacional (art. 7º, alínea h).
Chama atenção o fato de isso ocorrer em pleno século 21, na Europa Ocidental, em um Estado “democrático” com uma rica história política, como a Inglaterra. Nas últimas décadas, só se tem notícia de penas dessa natureza em países extremamente autoritários, como o caso da Coreia do Norte ou alguns países da África. Principalmente por se tratarem economias de pequena significância, não costumam atrair a devida atenção da imprensa e reprovação da comunidade internacional.
Atos dessa natureza violam alguns dos mais caros princípios liberais conquistados historicamente na luta contra regimes autoritários. Se na esfera econômica o liberalismo beneficia sobretudo interesses dos poderosos, nas esferas política e civil há algumas contribuições liberais importantíssimas para a garantia das instituições democráticas. Mais especificamente na esfera penal, há conquistas fundamentais que deveriam servir para a defesa de todas as pessoas, inclusive aquelas economicamente desfavorecidas, ante o arbítrio do onipotente Estado-Leviatã. Um dos princípios frontalmente violados nesse episódio é o da personalidade da pena ou da imputação pessoal, o qual preconiza que a pena não pode passar nunca da pessoa acusada de praticar o ato ilícito. Somente a autora, e mais ninguém, pode responder por seus delitos. Outro é o da responsabilidade pelo ato, que impõe que a pessoa só pode responder penalmente por alguma conduta criminosa que tenha efetivamente praticado; mas nunca pelo fato de ela ter determinada orientação política ou por ser de alguma minoria cultural, racial ou étnica, o que poderia representar alguma periculosidade social. Pois os familiares daqueles acusados estão sendo punidos não apenas por atos de outras pessoas, mas também por motivos políticos, ao servirem instrumentalmente como símbolos contra atividades de contestação e oposição.
O fato de centenas de julgamentos terem ocorrido de maneira sumária, a toque de caixa, de uma forma a praticamente inviabilizar a oportunidade de ampla defesa aos acusados, atenta contra o “devido processo legal”.
E o que dizer da vontade manifesta das lideranças inglesas de censurar as redes sociais? Qualquer discussão dessa natureza costuma servir como um prato cheio para o voraz apetite da grande mídia contra governos ligados à esquerda política. O que facilmente estamparia as manchetes principais dos periódicos e seria destaque nos telejornais, porém, quando é proveniente de um governo conservador identificado com a direita política, é relegado a pequenas notas de rodapé ou nem sequer aparece.
Longe de apoiar medidas autoritárias deste ou daquele lado, o intuito aqui é a denúncia ao tratamento desigual e tendencioso na cobertura dos mesmos fatos, a depender de onde ocorram e de quem os pratica, ou, mais precisamente, de quais bandeiras políticas essa liderança hasteia. Porque se quem protagonizasse tais medidas fosse Correa, Dilma, Morales ou mesmo Kirchner, a repercussão na grande imprensa conservadora seria, sem dúvida, muito diferente.


Otávio D. S. Ferreira – 12.09.2011
IN “Observatório de Imprensa” – edição 659 - http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/-quando-o-arbitrio-nao-e-manchete

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tortura Ampla, Geral e Irrestrita


Após a promulgação da Lei da Anistia, ideólogos, simples funcionários da ditadura militar e oportunistas de outros matizes lançaram a idéia de que a tortura estaria anistiada com a inclusão, na Lei, da anistia a “crimes políticos e conexos”. A alegação é simplesmente ridícula, dado que a tortura não é, juridicamente, em parte nenhuma deste planeta, considerada crime político

Sergio Silva
O movimento pela anistia lutou por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Essa anistia não saiu. A Lei da Anistia, de 1979, foi o resultado de muita luta e também de negociações, no quadro definido pela chamada “democracia relativa” do governo do General Geisel e prosseguida pelo seu herdeiro, General Figueiredo. Foi uma anistia restrita: por exemplo, ela não concedeu vários de seus benefícios a militares que se opuseram ao golpe de 1964 e, depois, à ditadura militar.
O caráter restrito da Anistia de 1979 evidentemente nada tem a ver com a não anistia da tortura, mas a tortura não foi anistiada. A tortura era amplamente (não tanto quanto hoje, mas amplamente também) praticada nas delegacias e prisões do Estado; ou em outros locais, sob o comando de agentes do Estado, mesmo quando financiada por recursos privados. Os que se opunham à ditadura militar, os que lutavam pela anistia ampla, geral e irrestrita denunciavam (como hoje denunciamos) a prática da tortura.
A Lei de 1979 foi adotada ainda sob regime militar, mas não anistiou a tortura. O governo e o congresso, ainda em tempo de ditadura militar, não fizeram isso por respeito às normas internacionais? Por algum resquício de sentimento ético ou moral? Por puro oportunismo? Pela ilusão de que seriam necessários alguns séculos para que a prática da tortura durante a ditadura militar fosse diretamente questionada? Podemos discutir isso, mas impossível discutir seriamente, com argumentos jurídicos ou políticos, se a Lei da Anistia anistiou ou não a tortura.
Após a promulgação da Lei da Anistia, ideólogos, simples funcionários da ditadura militar e oportunistas de outros matizes lançaram a idéia de que a tortura estaria anistiada com a inclusão, na Lei, da anistia a “crimes políticos e conexos”. A alegação é simplesmente ridícula, dado que a tortura não é, juridicamente, em parte nenhuma deste planeta, considerada crime político; e, nem por brincadeira, seria aceitável que a tortura estivesse indicada numa lei como “crime conexo”.
Além disso, se por um milagre do demônio, aparecesse na Lei da Anistia de 1979 um artigo que anistiasse a tortura, esta lei seria ilegal, não teria valor. Não teria valor, inclusive, para o período sobre o qual esta lei se refere, porque, segundo as normas internacionais (acordos assinados pelo governo brasileiro) e a própria constituição do Brasil (ou o que é assim chamado) a tortura é um crime de caráter imprescritível e que não pode ser anistiado.
Do ponto de vista estritamente jurídico, parece tudo uma horrorosa brincadeira, um trote cruel. Infelizmente, isso combina com o atual governo. Um dos atuais ministros conta em seu imbatível currículo ter sido o “líder da bancada do governo” no Supremo Tribunal Federal (o título lhe foi atribuído pelo ilustre jornalista e Medalha Chico Mendes Jânio de Freitas). Ao mesmo tempo, outros ministros resolveram perguntar ao Supremo se a Lei de 1979 anistiou os torturadores. O Supremo? E se o Supremo responder como respondeu à argüição de inconstitucionalidade do Plano Collor: a Lei de 1979 pode não ter anistiado a tortura, mas esse entendimento é indispensável à governabilidade.
E tem o famoso parecer da Advocacia Geral da União sobre a defesa, pela União, do Coronel Brilhante Ustra. O coronel foi declarado torturador, na Justiça, por uma Ação Declaratória. E o presidente da República? Inacreditável! Ele diz que não tem parecer sobre a questão porque a questão está na Justiça. E está mesmo, mas a Justiça lhe pediu – na forma devida – o seu parecer, o parecer do presidente da República: isto é, pediu o parecer da Advocacia Geral da União. E este parecer foi dado: defesa ampla, geral e irrestrita dos torturadores, sob o argumento de que eles eram (como são os de agora) funcionários da União, agindo em defesa do Estado. Um detalhe: de acordo com o parecer do advogado do presidente, abrir arquivos que possam comprometer estes funcionários estaria fora de questão.
Em conclusão, considerando a prática atual nas delegacias, prisões, quartéis e cantos escuros em todos os cantos, as conclusões dos relatórios das Nações Unidas e da Anistia Internacional sobre maus tratos, tortura e execuções sumárias no Brasil, as posições e pareceres governamentais recentemente proferidos sobre estas questões e a não abertura dos arquivos (e levantamento dos arquivos destruídos) que podem esclarecer estas questões, não há como negar: o atual governo não toma nenhuma providência eficaz contra a tortura hoje e não tem nem respeito pelos que foram torturados durante a ditadura militar.


Sergio Silva – Professor da UNICAMP – Dezembro 2008
IN Jornal do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ - ANO 22 - N° 66 – http://www.torturanuncamais-rj.org.br/Jornal/gtnm_66/pg04.html

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Grecia hace frente al neocolonialismo de la UE


       Las condiciones de usura del rescate griego revelan la mentalidad colonial de la UE, pero el ejemplo de Atenas demuestra que sus ciudadanos pueden resistir.

 Costas Douzinas · Petros Papaconstantinu
 Tras meses en los que se han sucedido los ataques contra esos griegos supuestamente irresponsable, los medios de comunicación occidentales, intelectuales como Amartya Sen [1] y Jürgen Habermas, [2] y las propias Naciones Unidas [3] han despertado finalmente al hecho de que la catastrófica austeridad impuesta a Grecia es insostenible. Ya era hora. Se trata de un tipo de castigo colectivo sin precedentes y moralmente odioso impuesto a la mayoría de los griegos, que no vieron un céntimo del derroche de sus gobernantes y que viven cerca del umbral de pobreza.
El reconocimiento parcial de la injusticia y la inoperancia de las medidas de austeridad se produjo sólo después de que la resistencia popular y la revolución pacífica de los indignados se anotara su primera victoria importante en la campaña contra la austeridad y en favor de la democracia. Síntagma le ha puesto una clara fecha de caducidad a Yorgos Papandreu y las élites que han gobernado Grecia en los últimos 37 años. El voto de confianza al gobierno remodelado ha conseguido un plazo limitado de tiempo, postergando su inevitable colapso. Al ofrecerse a dimitir el miércoles por la mañana y, tras ver rechazada su oferta, ofrecer por la tarde el liderazgo de facto del partido y el gobierno a Evangelos Venizelos, su enconado enemigo dentro el partido, Papandreu se ha convertido en un "muerto andante". Aunque la mayoría de los comentaristas creen que el país, prácticamente en bancarrota, debe declarar suspensión de pagos y negociar una reducción substancial de la deuda, el gobierno sigue insistiendo en que se pagará hasta el último céntimo.
 Síntagma se ha convertido en la plaza Tahrir a cámara lenta. Se trata de una revuelta pacífica, democrática, que era más fácil de iniciar puesto que es menor el miedo a una represión brutal, pero será más difícil de completar, ya que se enfrenta al enorme poderío de la Unión Europea y del capital financiero global. Ahora que los indignados han cambiado las reglas del juego político, tal vez sea hora de revisar algunos hechos básicos que se han visto gravemente tergiversados.
 1. El rescate de Grecia no es un regalo ni una subvención sino un préstamo a un alto interés. Una cosa crucial es que los fondos de rescate no se utilizan para pagar sueldos de los funcionarios ni las pensiones sino para pagar la deuda en manos de los bancos alemanes y franceses. Según estimaciones del FMI, Grecia pagará 131.000 millones de euros en pagos de refinanciación e intereses entre 2009 y 2014, mucho más de lo que supone el préstamo de rescate inicial de 110.000 millones de euros. Como por arte de magia, los trabajadores alemanes y franceses se ven obligados a rescatar a sus bancos nacionales, no directamente como en los rescates bancarios de 2008-2009, sino por mediación de Grecia, que inevitablemente se convierte en blanco de ataques populistas. Al gobierno griego, por otro lado, se le ordenó provocar una crisis económica y social inimaginable en Europa Occidental en tiempos de paz para poder de recibir los préstamos.
  2. Este castigo sin precedentes llevó al aumento de la deuda y a una depresión económica permanente. Los gobiernos europeos proponen ahora que se ofrezca un segundo préstamo, si Grecia acepta un conjunto aún más odiosos de medidas y vende las joyas de la familia. La aceptación de estas medidas ha sido una condición previa para el pago de la quinta entrega del rescate inicial.
 Esto supone un chantaje digno de un usurero clandestino. El plan de privatización incluye la venta del 17% de la empresa pública de electricidad, la sala de máquinas del crecimiento, lo que eliminará la participación mayoritaria del Estado. De acuerdo con el nuevo plan, se asignarán emisarios extranjeros a los principales ministerios, así como a la sociedad creada para privatizar la riqueza pública. El valor de mercado de esta participación es sólo de 400 millones de euros, debido a la caída bursátil. Sin embargo, la corporación es dueña de quince centrales de energía y el presupuesto para una nueva central a punto de construirse es de 1.300 millones de euros. Esta privatización de estilo post-soviético transferirá valiosos recursos públicos a manos privadas.
3. La pérdida de soberanía económica va acompañada de ataques sin precedentes contra la integridad política y legal del país. Los inspectores del FMI y la Unión Europea visitan el país de forma base regular, examinan los registros y dictan la política. De acuerdo con el nuevo plan, los emisarios extranjeros serán asignados a los ministerios principales y administrarán las empresas que privatizarán la riqueza pública. La capitulación del gobierno no es suficiente. Las autoridades europeas exigen que todos los partidos políticos acepten las nuevas medidas de austeridad antes de pagar la próxima cuota del préstamo. Surge a hurtadillas un nuevo tipo de colonialismo en el que las élites de Bruselas tratan al sur de Europa como  pobres indignos o súbditos coloniales que han de ser reformados y civilizados.
 A pesar de ser un pequeño país periférico, Grecia tuvo desde el principio un valor simbólico especial para el proyecto europeo. El término "Europa" es griego, mientras que la clásica polis o ciudad-estado dio lugar a la democracia, la ciencia y la filosofía, y le dio su nombre a la política. La significación simbólica fue una consideración importante en la decisión de admitir a Grecia en la UE en 1981, pese a la brecha existente entre su economía y las economías de su núcleo central en el norte. Pero esos eran los días en que la visión de una unión de solidaridad social y prosperidad todavía estaba viva. La visión de hoy promueve un disciplinamiento neocolonial de la población.
 El pueblo griego y la democracia se han convertido en víctimas sacrificiales semejantes a la heroína de Eurípides en Ifigenia en Áulide. Ifigenia debe ser sacrificada por su padre Agamenón para aplacar a los dioses iracundos y enviar viento a las velas de la flota griega en su ruta hacia Troya. En el entorno contemporáneo, los dioses codiciosos son los mercados de bonos con las agencias calificadoras de crédito como sus obscuros sacerdotes. Salvar a los bancos a expensas de la gente es el objeto del sacrificio, y las ganancias sin límites del capitalismo, la Troya contemporánea. Ifigenia sobrevivió finalmente, milagrosamente rescatada por una misteriosa nube, que la substituyó por un ciervo.
 En la moderna tragedia griega, la salvación sólo puede provenir de la mágica "nube" del demos que protesta ocupando Síntagma y muchas otras plazas desde hace un mes. Situados justo debajo del parlamento, la multitud de Síntagma se ha convertido en la cámara baja o  parlamento de la gente común, enfrentada a una cámara alta paralizada y añadiendo la participación popular al desfalleciente principio de representación.
 Las leyes de Atenas iban precedidas de la frase Edoxe te bule kai de demo, "Es la considerada opinión del parlamento y el pueblo". El martes y el miércoles, los dos se verán enfrentados, conforme el demos, con la ayuda  de una huelga general de dos días, trate de convencer al Parlamento de que no promulgue el nuevo tramo de medidas. Cualquiera que sea el resultado, la democracia directa ha vuelto a su lugar de nacimiento y está cambiando el significado de la política. Los últimos días han demostrado que una multitud de ciudadanos libres y decididos pueden resistir con éxito a fortísimos poderes. Esta es la promesa y la esperanza que Atenas ofrece a Dublín, Lisboa y Londres.


[1] Amartya Sen, "It isn´t just the euro. Europe´s democracy itself is at stake", The Guardian, 22 de junio de 2011
[2] Jürgen Habermas y dieciocho firmas más, “The EU needs leadership, not repeated doses of austerity”, carta en The Guardian, 22 de junio de 2011
[3] The Global Social Crisis – Report on the World Social Situation 2011, estudio de Naciones Unidas coordinado por Jomo Kwame Sundaram, Vicesecretario General.  


Costas Douzinas - Profesor de Derecho en el Birkbeck College de la Universidad de Londres. Entre sus libros están “The End of Human Rights” y “Human Rights and Empire”. Petros Papaconstantinu – Columnista del diario “Kazimerini – 03.07.2011
Traducción para www.sinpermiso.info: Lucas Antón
IN “Sin Permiso” – http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=4276

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Tv pública?


Cai a participação de dinheiro do governo no orçamento da TV Cultura


Lúcia Valentim Rodrigues


A participação da verba do governo de São Paulo na TV Cultura caiu quase pela metade nos últimos anos. Em 2003, o dinheiro estatal correspondia a 81,53% do total de recursos obtidos pela Fundação Padre Anchieta, que administra a emissora pública e que captou 18,47% do orçamento daquele ano junto à iniciativa privada.
Desde 2008, a situação se inverteu. Os recursos próprios superaram o valor destinado pelo Estado: do total de mais de R$ 192 milhões, foram 51,78% da fundação contra 48,22% do Estado.
Em 2009, essa diferença se intensificou, com a porcentagem da fundação chegando a 56,89%.
Houve um pequeno retrocesso em 2010 (52,8%) em virtude do repasse de R$ 13 milhões do governo para suprir gastos com demissões.
Em valores absolutos, houve redução de recursos em 2004 e em 2006. A previsão de verba estatal para este ano é de R$ 84 milhões -35% a menos que em 2010. A diminuição de repasses foi adotada em 2008 como política do governo para controlar os gastos da fundação. Esses dados fazem parte de um estudo feito pelo deputado Simão Pedro (PT), que preside a Comissão de Educação e Cultura e ocupa uma das 40 vagas no Conselho Curador.
Para ele, a baixa audiência é fruto desse processo. "A TV se sente pressionada a buscar recursos no mercado, que é instável. Diminui a qualidade dos programas e, com isso, o interesse do público."
Hoje, na reunião mensal da fundação, será apresentado um relatório sobre a audiência, que sofreu uma redução de 27% em um ano. O presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, pediu pesquisa ao Ibope para avaliar a perda de público. O levantamento, no entanto, ainda não ficou pronto.
Com menos dinheiro do governo, a emissora busca recursos com venda de publicidade e enxuga gastos. Novas produções ficam comprometidas. Nesse período, uma das poucas estreias foi o "Quintal da Cultura". O foco fica naquilo que já faz sucesso, caso de "Cocoricó", que teve nova temporada encomendada.
Os números ainda mostram redução dos investimentos do canal. De 5,45% em 2004 passaram para 2,89% em 2010, que foram destinados a ampliar a rede de transmissão e implantar a TV digital.


Lúcia Valentim Rodrigues – 08.08.2011



Análise: britânica BBC é o principal modelo de TV pública no mundo


Em tese, TV pública é aquela que vive de recursos públicos -mantendo, ainda assim, independência do governo- e que, sendo livre de obrigações comerciais, pode ousar na programação.

Ana Paula Sousa
 A definição de uma televisão como pública ou comercial depende do modelo de financiamento.
Em tese, TV pública é aquela que vive de recursos públicos -mantendo, ainda assim, independência do governo- e que, sendo livre de obrigações comerciais, pode ousar na programação.
Já a TV comercial é aquela que vai buscar recursos no mercado, por meio de publicidade, que tem, como moeda de negociação, a audiência. Daí sua preocupação constante com o Ibope.
O principal exemplo de TV pública no mundo é a britânica BBC, que é mantida por uma taxa paga por toda a população do país e, cabe lembrar, também está passando por uma crise.
As pressões pela privatização dessa rede já duram três décadas.
Há também a norte-americana PBS, que, simplesmente, não permite anúncios publicitários.
No fundo, trata-se de uma questão conceitual. Uma TV só é pública se não tiver de submeter a programação às regras do mercado.
Fornecedora de conteúdo para as emissoras educativas de todo o país, a TV Cultura durante muitos anos, apesar dos tropeços, foi o paradigma de TV pública do Brasil. Mas, neste momento, essa definição está xeque.
E a próxima pergunta que os envolvidos nesse debate talvez façam é: uma TV que não é pública de fato deve receber recursos do governo?


Ana Paula Sousa – 08.08.2011