O
debate sobre a questão criminal é distorcido quando se antagoniza os
imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública
Oscar Vilhena Vieira, Renato Sérgio de Lima e Theo Dias
Em coluna na Folha ("A miséria da sociologia", de 29/8), Vinicius
Mota interpreta a manifestação de leitores a favor de ações policiais violentas
como decorrência do fracasso do "pensamento acadêmico-ongueiro dos
direitos humanos", que relativizaria a importância da responsabilidade
individual pelo delito, desconsiderando a importância da repressão penal.
O diagnóstico nos parece equivocado. Conforme pesquisa da Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, cresce o apoio aos direitos humanos,
especialmente entre a população jovem e mais bem-educada. Por outro lado, os avanços,
ainda que tímidos, na contenção da violência policial em São Paulo decorrem, em
boa parte, do trabalho de organizações da sociedade civil na denúncia de abusos
e no fortalecimento de uma cultura dos direitos, dentro e fora da polícia.
Polícia é instituição fundamental numa democracia. Submetê-la a controle
e transparência é fator central para alcançarmos novo patamar civilizatório. A
alternativa aos direitos humanos na segurança pública é o modelo "Rota na
rua", da polícia que atira antes de perguntar, em inocentes e culpados.
As experiências bem-sucedidas de redução da criminalidade têm sido as
capazes de mobilizar a participação efetiva das diversas instituições e dos
cidadãos no processo de identificação e gestão dos problemas. Observa-se, em
diversos Estados, produtiva aproximação entre integrantes do mundo
"acadêmico-ongueiro" e policiais comprometidos com o respeito à lei.
Mas política de segurança participativa não se sustenta com polícia
corrupta e violenta. Sem honestidade, profissionalismo e transparência, a
polícia não adquire o respeito e a confiança da população. Sem confiança, não
há eficiência.
Consolida-se, no Brasil e no mundo, uma nova cultura progressista de
prevenção criminal, caracterizada pela diversificação das respostas sociais e
governamentais aos problemas do crime e da insegurança. Não há ator social que
não possua responsabilidade na gestão da segurança do espaço urbano.
A eficácia da resposta repressiva depende de sua capacidade de
articulação com outros espaços de intervenção, nas áreas de educação,
planejamento urbano, saúde, regulação bancária, etc. Quando se avalia o êxito
das experiências de Bogotá ou Medellín, medidas como implantação de ciclovias e
bibliotecas, educação no trânsito e aprimoramento da repressão penal são
colocadas no mesmo patamar.
O debate público sobre a questão criminal é distorcido quando se
antagoniza os imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública. A
responsabilidade do Estado é produzir políticas públicas de segurança dentro da
legalidade. As organizações de direitos humanos têm por missão contribuir para
a ampliação do respeito aos direitos, e uma de suas estratégias é denunciar
aqueles que os violam.
Elas não podem ser recriminadas por fazê-lo. Pelo contrário, devem
aumentar os seus esforços para demonstrar a falácia de discursos que, em nome
do medo e da insegurança, concedem "permissões para matar". Polícia
violenta é fator de insegurança social.
Oscar
Vilhena Vieira – Professor e diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, é
membro do Conselho da Conectas Direitos Humanos; Renato Sérgio de Lima - Sociólogo, é secretário executivo do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública; Theo Dias – Advogado criminal, é professor da
Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – 14.09.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1409201108.htm