segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Pela primeira vez, bancos lideram reclamações no Procon-SP


Setor foi o que registrou mais queixas no primeiro semestre e assumiu o posto ocupado nos últimos anos pela telefonia

Agência Estado
Os bancos foram as empresas que mais problemas causaram aos consumidores no primeiro semestre de 2011. Dados da Fundação Procon-SP, mostram que só contra os serviços bancários foram registradas 12.890 reclamações - 14% do total de 91.925 registradas no órgão no período. Se forem somadas as 12.501 queixas contra cartões de crédito (13,6%), as instituições financeiras totalizam 25.391 ocorrências (27,6% do total).
"Os principais problemas são cobrança de tarifas, movimentações (saques, compras, empréstimos, transferências) não reconhecidas ou cobranças de serviços que o consumidor não contratou, como seguros", diz Renata Reis, supervisora da Área de Assuntos Financeiros e Habitação do Procon-SP, sobre os questionamentos mais comuns.
Para se ter uma ideia do alto volume as reclamações contra sistema financeiro, outra fonte do Procon-SP informou que, pela primeira vez, um banco está (e deve terminar o ano) na liderança do ranking de reclamações da entidade - ultrapassando a Telefônica, que aparecia na primeira posição por cinco anos consecutivos (informação que o Procon-SP não divulgou). Além disso, cresce o número de bancos na lista das dez empresas mais reclamadas - hoje são quatro, enquanto em 2010 eram três.
No Banco Central (BC), as queixas contra os principais bancos do País aumentaram 40%, em relação ao primeiro semestre de 2010. Nos primeiros seis meses deste ano, a média mensal de reclamações foi de 790 ante 564 de janeiro a junho de 2010. A quantidade de clientes avançou 7% no período.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informa que o aumento no número de reclamações no primeiro semestre de 2011 reflete a elevação da base de clientes e o maior grau de exigência deles, os esforços de fusão dos bancos e, principalmente, a elevação no consumo de produtos tais como crédito, inclusive cartões, que estão crescendo a taxas de 20% ao ano.
A Febraban diz ainda que os bancos constantes do ranking do BC busca medidas conjuntas que possam reduzir o volume de reclamações no órgão. "As instituições não estão satisfeitas com os resultados do ranking. Embora o volume de reclamações represente um porcentual muito baixo (menos de 1 reclamação a cada 100 mil clientes) considerando o tamanho da operação dos bancos, os dados mostram que sistema bancário deve trabalhar redobrado para a satisfação dos nossos clientes", ressalta Francisco Calazans, diretor setorial de ouvidorias e relações com clientes da entidade.
A professora Ana Cláudia Ferreira de Paula, 44 anos, é uma das pessoas que tiveram de recorrer ao Procon-SP. Tudo porque ela passou um cheque de R$ 14 para um taxista, mas o banco descontou R$ 6.600 da sua conta. "Só no dia seguinte que o banco devolveu o valor", diz. Apesar do banco afirmar que o problema foi resolvido, ela ficou insatisfeita. "Tirei um extrato e eles registraram a devolução do meu dinheiro como ‘cheque devolvido sem fundos’. Tentei reclamar , mas dizem que não vão corrigir essa informação. Isso é um absurdo. O motivo tem que ser fraude ou erro do banco e não falta de fundos. Eu não sou caloteira. O banco só me ressarciu no dia seguinte e ainda quer me acusar de passar cheque sem fundos? Isso prejudica minha imagem e meu histórico", reclama.


Agência Estado – 19.08.2011
IN “Jornal A Cidade” – http://www.consumidorrs.com.br/rs2/inicial.php?case=2&idnot=17627              

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O controle avança mais que a gestão pública e o Judiciário



AS FAXINAS EM FOCOS DE CORRUPÇÃO SÓ TERÃO UM DIA SEGUINTE MENOS FRUSTRANTE QUANDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SE MODERNIZAR


Fernando Luiz Abrucio
O combate à corrupção melhorou muito nos últimos anos, especialmente no plano federal. À primeira vista, este diagnóstico só pode ser feito por alguém que não está acompanhando o noticiário recente, com escândalos pipocando por vários ministérios, por um governista inveterado, que não quer ver nada a sua frente, ou, pior, por um sujeito que se beneficia de atos ilícitos.
Pesquisas atuais, porém, revelam que, de fato, o sistema de controles se aperfeiçoou e se tornou mais sofisticado na busca por irregularidades e outros malfeitos.
Esse processo se iniciou com a Constituição de 1988, quando os órgãos de fiscalização ganharam maior autonomia, em particular o Ministério Público.
No decorrer da década de 1990, o clamor social por maior transparência, impulsionado pela campanha do impeachment e por várias CPIs, obrigou os governos e congressistas a melhorar o arcabouço legal.
No início do século 21, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal criou maiores obstáculos a ações perdulárias ao estilo "quebrei o Estado, mas elegi meu sucessor". Finalizando essa trajetória de mudança, o governo Lula fortaleceu a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal, bem como, em paralelo, o TCU tornou-se mais ativo e poderoso.

Sísifo
Os alarmes de incêndio contra a corrupção foram ampliados de um modo inédito em nossa história. Não há mais atos corruptos hoje do que havia no passado, mas uma maior capacidade de mostrá-los para a opinião pública. Então, por que prevalece a sensação de que os escândalos são cada vez mais frequentes?
Aparentemente, os órgãos de controle estão fazendo um trabalho de Sísifo, levando a denúncia até o "cume da montanha", para que essa pedra volte ao mesmo lugar no dia seguinte.
Para sair dessa armadilha, é preciso enfrentar dois grandes problemas. O primeiro é a questão da impunidade. Enquanto o sistema de Justiça não julgar rapidamente os acusados de corrupção, a impressão será a de que a "roubalheira só aumenta".
As faxinas em focos de corrupção, impulsionadas pelos órgãos de controle ou pela mídia, apenas terão um dia seguinte menos frustrante se a gestão pública passar por um processo de grande mudança. Nesse ponto, três temas são essenciais.
Em primeiro lugar, é fundamental espraiar por toda a Esplanada dos Ministérios um modelo profissional e meritocrático de burocracia.
Embora haja nichos burocráticos de alta qualificação no Executivo (como o Itamaraty ou a Fazenda), muitas áreas não têm pessoal adequado para suas funções. Não basta tirar os corruptos da ocasião e mudar o ministro. É preciso estruturar os ministérios, como o dos Transportes ou do Turismo.

Mérito
Além disso, é preciso criar mecanismos para selecionar melhor os cargos comissionados. Sabe-se que, na comparação internacional, esses postos são verdadeiramente numerosos. Mesmo assim, se o Executivo federal estabelecesse limites institucionais mais claros ao preenchimento do alto escalão, em termos de mérito e transparência na seleção, os próprios partidos seriam obrigados a profissionalizar suas indicações.
A modernização da administração pública depende, ainda, da criação de capacidades institucionais vinculadas ao mérito e à "accountability" (prestação de contas) nos Estados e, sobretudo, municípios.
Todos os escândalos parecem começar em Brasília, mas terminam sempre no mesmo lugar: nas bases locais dos parlamentares. Esse é o elo mais complicado do sistema político. Por enquanto, o controle avançou mais do que a gestão no Brasil. Somente quando houver mudanças estruturais na administração pública é que as denúncias, tais quais pedras de Sísifo, deixarão de cair tanto em nossas cabeças.


Fernando Luiz Abrucio – Cientista político, coordenador do curso de graduação em administração pública da FGV-SP e pesquisador – 04.09.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj0409201110.htm

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cheio de contradições, governo Kirchner caminha para o 3° mandato


       Com a metade dos votos – e uma vantagem de 40% sobre seus adversários –, Cristina Kirchner, presidente da Argentina, venceu com sobras a primária de 14 de agosto. A menos que ocorra uma grande surpresa, ela deve ser eleita para um segundo mandato no dia 23 de outubro. Sua política, entretanto, não é uma unanimidade

Cécile Raimbeau
Sejamos francos! Néstor e Cristina tomaram medidas que nem mesmo os governos socialistas tomaram!”, lança Valdemar, advogado de meia-idade que adora provocar. Sua reflexão surpreende o bando de amigos, reunidos em um modesto galpão em Florencio Varela, na periferia de Buenos Aires. Nesse dia de julho, a algumas semanas das prévias das eleições presidenciais (que acontece no dia 23 de outubro), a conversa esquenta com o tema dos Kirchner: os “K”, como dizem os argentinos para evocar o casal na Presidência do país desde 2003. Ele, que assumiu o cargo com a promessa de “consolidar a burguesia nacional”,1 depois, desde 2007, ela, comprometida com as mudanças na continuidade e, atualmente, candidata à reeleição.
Assim como Neka e seu companheiro Alberto, os anfitriões, Valdemar fez parte de uma organização de extrema esquerda que rejeitava o conjunto da “classe política”. Seu objetivo era “mudar o mundo sem tomar o poder”. Portanto, nada predispõe esse militante a estar de acordo com os “K” ou apoiá-los. Mas os mais “antigos” da organização – que nunca contou com mais de quatrocentos membros – terão o mesmo discurso de Valdemar hoje em dia? “Todos!”, afirma ele, talvez com um pouco de exagero: “A sociedade é tão polarizada que, se você não se opõe aos K, todo mundo considera que você os apoia”.
Vinte anos atrás, a Argentina era como a menina dos olhos do FMI. Desde sua chegada à Presidência, em 1989, Carlos Menem optou pelo neoliberalismo, agradando milhares no setor financeiro. Durante seu governo, vendeu uma grande parte das empresas públicas para investidores estrangeiros e, decidido a acabar com a inflação, instaurou uma paridade fixa entre o dólar e o peso. A inflação caiu, assim como as exportações: pressionada pela moeda supervalorizada, a produção nacional deixou de ser competitiva. A dívida explodiu: de US$ 7,6 bilhões no início dos anos 1970, passou a US$ 132 bilhões em 2001 − uma alta de 1.700%. O desemprego logo chegou a oficiais 18%.2 Quando, no dia 5 de dezembro de 2001, o FMI se recusou a fazer um acordo com o governo argentino para um empréstimo, o país já não podia mais honrar com suas obrigações. Crise da dívida, pânico bancário: a economia estava paralisada. Os argentinos não demoraram a sair para as ruas. O Movimento dos Trabalhadores Desocupados de Solano (MTD), do qual participavam Neka, Alberto e Valdemar, fazia parte de uma miríade de organizações de piqueteiros (desempregados militantes), unidos em torno das palavras de ordem: “¡Que se vayan todos!” [Que saiam todos!].
“Nos enganamos em 2001. Não deveríamos ter esperado que fossem embora. Não, deveríamos ter expulsado todos!”, intervém Alberto. No país, e nesse grupo de velhos amigos, o debate permanece vivo: a “classe política” contra a qual os cidadãos se revoltaram ao som de panelaços realmente se renovou? Em outras palavras, os Kirchner representam uma ruptura ou a continuidade?
Após dois anos de instabilidade política, Néstor Kirchner ascendeu ao poder em 2003. Pouco conhecido (governava o estado de Santa Cruz, na Patagônia), encarnou a ideia de mudança graças a um discurso de tradição peronista,3 que clamava pela defesa dos interesses nacionais. Desde os primeiros meses de seu mandato, obteve na Corte Suprema a anulação das leis de anistia e a reabertura dos processos de militares suspeitos de crime de Estado na época da ditadura (1976-1983): sua popularidade estava garantida. Em 2011, sua esposa está no topo das pesquisas de opinião e pode assumir um terceiro mandato “K”.
“Se o MTD Solano se dissolveu em 2005, isso se deve, em parte, à repressão e à política contrainsurreição de Néstor Kirchner”, afirma Alberto, antigo padre que passou à militância política, sugerindo que os piqueteiros que não se dissolveram foram cooptados. Neka modera: “Sim, os K vampirizaram algumas organizações populares, dividiram outras, mas sua política teve origem em nossa rebelião”. E Valdemar lembra as medidas tomadas pelos “K”. Como bom advogado, começa pelos direitos trabalhistas, em particular pela assinatura de mais de mil convenções coletivas, principalmente no setor industrial. Para conter os protestos sociais, o governo reatou relações com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), herdeira de um sindicalismo burocrático, verdadeira coluna vertebral do governo na história peronista. As reuniões paritárias levadas adiante pelo governo, esse poderoso sindicato e o patronato permitiram a negociação de melhores condições de trabalho nos setores de couro, alimentação, transporte e comunicações.

Experiências progressistas
Valdemar cita também as reformas da lei de falência de empresas (junho de 2011), mais favoráveis à autogestão e às cooperativas: ela permite que os assalariados utilizem suas indenizações de demissão para adquirir as máquinas e os edifícios das empresas falidas onde trabalhavam. “É certo, mas poderíamos ter ido mais longe!”: a lei de falência não responde às demandas de expropriação a favor dos trabalhadores que recuperaram as empresas nos anos de crise.4
É possível citar também a nova lei de meios de comunicação (outubro de 2009), que atravanca a formação de monopólios e atribui um terço do espectro eletromagnético às organizações sem fins lucrativos; a lei do casamento de homossexuais (julho de 2010); e a renacionalização das aposentadorias privatizadas por Menem (novembro de 2008).5 Sem mencionar os novos programas sociais.
 Em 2002, nas periferias os piqueteiros sobreviviam graças aos restaurantes populares que impulsionavam coletivamente. “Hoje, com a Pensão Universal por Filho e o programa Argentina Trabalha, não falamos em abundância, mas a fome está erradicada”, testemunha Neka. Criado há dois anos, o auxílio por filho (Asignación Universal por Hijo, em espanhol) é a medida mais aplaudida: essa realocação de recursos públicos equivale a 230 pesos (R$ 97) por filho e é concedida a 1,8 milhão de lares. Contrariamente aos planos sociais anteriores, em geral considerados “favores” a um número restrito de pobres, esse se tornou um direito. Quanto ao programa Argentina Trabalha, trata-se de incentivo financeiro a empregos dentro do espectro da economia social e do cooperativismo. Mais de 200 mil postos de trabalho foram abertos na Região Metropolitana de Buenos Aires. Contudo, apesar das remunerações inferiores ao salário mínimo (cerca de 2.300 pesos, ou R$ 970), algumas organizações de desocupados se queixam do clientelismo na atribuição do incentivo.
A Argentina, contudo, despertou o sonho europeu com o crescimento superior a 9% de 2010. Esse sucesso tem origem em uma medida tomada antes da chegada de Kirchner ao poder: o abandono da paridade dólar-peso no fim de 2001. Subitamente liberada, a moeda nacional afundou. O valor real médio dos salários caiu 30%, e a desvalorização reaqueceu o comércio exterior. Ao mesmo tempo, a decolagem do preço mundial das matérias-primas beneficiou o setor primário, cada vez mais dedicado à exportação de soja transgênica. O PIB, que havia caído mais de 10% em 2002, subiu 8% no ano seguinte. Com essa onda positiva, os “K” financiaram uma política de redistribuição de renda. Os gastos públicos alimentam um “círculo virtuoso” econômico. Até quando?
Desde 2002, os “especialistas” estão alarmados. De 2005 a 2008, observa o economista Pierre Salama, “não houve um ano sequer em que as previsões [sobre o crescimento argentino] não fossem extremamente pessimistas”.6 Ainda hoje, esses “ortodoxos” aliados à oposição liberal preveem graves dificuldades e o retorno da hiperinflação. Aplaudem, contudo, e à sua maneira, a reestruturação das dívidas levada adiante pelo casal Kirchner, o que permitiu a redução dos gastos públicos.
Em 2005, a equipe de Kirchner conseguiu convencer seus credores privados a trocar seus títulos, em queda, por um abatimento de 60%. Em 2006, com o apoio da Venezuela – que emprestou US$ 2,5 bilhões ao país –, o governo reembolsou de maneira antecipada a totalidade de sua dívida, de US$ 9,8 bilhões, com o FMI, economizando, assim, US$ 900 milhões em juros. A instituição que até então ditava as políticas no país viu sua influência consideravelmente reduzida. De qualquer forma, a política econômica “K” não é desprovida de ambiguidades. Cinco anos depois, a presidente propõe uma nova troca aos detentores de títulos que recusaram a oferta de 2005 – investidores esses que haviam sido alertados por Néstor de que não seriam reembolsados... “À exceção de alguns empréstimos novos, a dívida atual é a mesma que a contraída na ditadura, declarada ilegítima por um tribunal federal em 2000. Foi reciclada e refinanciada por um mecanismo absurdo, cheio de contratos ilegais, do qual participa o sistema financeiro internacional”, revolta-se Olmos, partidário de uma auditoria da dívida argentina, como o exemplo lançado pelo equatoriano Rafael Correa.
Entre 2002 e 2009, a pobreza despencou de 45% para 11% da população, segundo a Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal).7 Mas a desigualdade segue gritante. Ademais, 36% da população ativa ainda trabalha no setor informal. “Uma melhora substancial foi registrada em todas as dimensões do desenvolvimento humano, mas, a partir de 2008, a criação de empregos estagnou, e essas melhoras chegaram ao teto”, expõe Dan Adaszko, pesquisador do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA). A causa: alta dos preços. O governo minimizou essa realidade antes de reconhecer a inflação, estimada por organismos independentes em cerca de 25% ao ano.

Nem Menem, nem Perón
Para combater a alta de preços, Cristina busca conter as reivindicações salariais por meio do diálogo social, com apoio da CGT. “O controle da alta dos salários beneficia principalmente as empresas”, sublinha Eduardo Lucita, da organização Economistas de Esquerda. Apesar da alta dos salários, o custo da mão de obra praticamente estagnou desde 2001, em razão do aumento de 25% da produtividade por trabalhador. De acordo com Lucita, a inflação decorre, em grande parte, das taxas de benefícios absurdas de um punhado de corporações dominantes. Esse assunto também revolta Julio Gambina, professor de Economia Política e membro da Associação pela Taxação das Transações Financeiras para Auxílio dos Cidadãos (Attac) na Argentina: “Desde 2003, a economia continua a se concentrar nas mãos de algumas grandes empresas, das quais grande parte é estrangeira e cujos lucros são repatriados!”.
Inúmeros coletivos denunciam também a extensão crescente da cultura de soja transgênica, que já cobre mais da metade da superfície cultivada do país (ou seja, 18 milhões de hectares) e avança expulsando camponeses e indígenas para bairros precários nas cidades. Da mesma forma, a luta contra as minas a céu aberto que utilizam mercúrio e cianetos enfrenta muitos obstáculos: uma lei de proteção aos glaciares foi votada no Congresso, mas foi bloqueada por um veto da presidente. Suspeita-se da intervenção da empresa canadense Barrik Gold, que pretende extrair cerca de 500 toneladas de metal precioso da cordilheira, sem muita preocupação com o derretimento desse patrimônio natural.
À esquerda, muitos militantes gostariam de ver o Estado impor “mais força” diante dos interesses transnacionais. Os “K” sempre tentaram manter a imagem de capitalismo “sério” e “produtivo”. “Os correios e a companhia aérea Aerolineas Argentinas, duas entidades com a saúde debilitada, foram renacionalizadas, mas não os grandes serviços públicos privatizados nos anos 1990”, lamenta Gambina. Ele evoca as subvenções que o governo concede às empresas privadas de transporte e do setor energético para baixar os custos do consumidor. “Mas a exploração de riquezas – gás, petróleo, minas – continua nas mãos de grandes empresas europeias ou norte-americanas!”, insiste o professor, sublinhando que a presidente Kirchner passa longe dos intervencionismos realizados por Juan Domingo Perón, o modelo evocado pelos “K”. Perón, pelo menos em seu primeiro mandato, criou um Banco de Crédito Industrial, uma Frota Mercante do Estado e a Aerolineas Argentinas. Também nacionalizou o Banco Central, as estradas de ferro, a telefonia, a eletricidade, o gás...




1 Citado por Raúl Zibechi, “Globalización o burguesía nacional” [Globalização ou burguesia nacional], Alai.net, 9 out. 2003.
2 Ler Carlos Gabetta, “Crise totale en Argentine”, Le Monde diplomatique, jan. 2002.
3 Do nome de Juan Domingo Perón, presidente argentino de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974. Seu primeiro mandato encarnou uma forma de nacionalismo político, caracterizado por uma forte intervenção do Estado na economia.
4 Ler “En Argentine, occuper, résister, produire!” [Na Argentina, ocupar, resistir, produzir!], Le Monde diplomatique, set. 2005.
5 Ler Manuel Riesco, “Séisme sur les retraites en Argentine et au Chili” [Terremoto nas aposentadorias  na Argentina e no Chile], Le Monde diplomatique,dez. 2008.
6 Artigo a ser publicado, cujo título é “Croissance et inflation en Argentine sous les mandatures Kirchner” [Crescimento e inflação na Argentina sob os mandatos Kirchner], em Problèmes d’Amérique Latine, Paris, n.82, out. 2011.
7 Segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA), a pobreza  atingiria cerca de 30% da população.

Cécile Raimbeau – Jornalista, autora de Argentine rebelle, un laboratoire de contre-puvoirs, Paris, Éditions Alternatives, 2006 – 30.09.2011
IN “Le Monde Diplomatique Brasil” – http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=1027

sábado, 22 de outubro de 2011

Padrão de trabalho pós-neoliberal


 No primeiro decênio do século XXI houve forte dinamismo nas ocupações geradas e no perfil remuneratório. Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração (por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, aprendiz, estagiário, entre outras) houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, houve avanço das ocupações na base da pirâmide social.
                                                  
Márcio Pochmann
Na passagem para o século XXI, o Brasil alterou profundamente o padrão de trabalho da totalidade de sua mão de obra. Por padrão de trabalho entende-se a dinâmica de geração dos empregos segundo faixa de remuneração, isto é, o sentido geral de evolução do nível ocupacional e do rendimento recebido pelo conjunto dos trabalhadores.
No capitalismo, o nível geral de emprego da mão de obra termina sendo determinado por diversas variáveis, especialmente pela dinâmica macroeconômica, que estabelece as condições gerais de uso e remuneração do trabalho. Em síntese, o perfil dos rendimentos e a dinâmica da ocupação definem o padrão de trabalho da mão de obra.
No caso brasileiro, percebe-se , entre as décadas de 1990 e 2000, o padrão de trabalho pelo diferencial de geração quantitativa e qualitativa do emprego da mão de obra. Na década de 1990, não somente prevaleceu o menor ritmo na geração de postos de trabalhos como o diferencial perfil de remuneração paga aos ocupados. Isso porque foram abertos 11 milhões de novos postos de trabalho nos anos 1990, sendo 53,6% do total sem remuneração. Na faixa de renda de até 1,5 salário mínimo, houve a redução líquida de 300 mil postos de trabalho. Esse padrão de emprego da mão de obra diferenciou-se significativamente do verificado na década de 2010.
No primeiro decênio do século XXI houve forte dinamismo nas ocupações geradas e no perfil remuneratório. Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração (por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, aprendiz, estagiário, entre outras) houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, houve avanço das ocupações na base da pirâmide social.
O registro de dois diferentes padrões de trabalho verificados na virada do século XX implicou conformar diferenciadamente o perfil remuneratório da mão de obra ocupada no Brasil. Nos anos de 1990, por exemplo, 34,3% do ocupados possuíam remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal, enquanto na década de 2000 eram 47,8% na mesma faixa de remuneração. Os trabalhadores sem remuneração mantiveram-se estabilizados na faixa abaixo de 12% nos dois anos selecionados, embora os postos de trabalho com rendimento acima de cinco salários mínimos mensais tenham passado de 16,7% para 7,5% do total das ocupações.
Na década de 2000, o sentido das ocupações segundo remuneração alterou-se profundamente. De um lado, a forte expansão dos postos de trabalho com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal, acompanhado da redução das vagas tanto sem remuneração como de maior rendimento. Assim, os ocupados de até 1,5 salário mínimo mensal aproximaram-se da metade do total das ocupações existentes em 2009, o que contribuiu para a redução da desigualdade entre as diferentes faixas de rendimento do trabalho.
Em virtude desse movimento mais recente de modificação na dinâmica remuneratória das ocupações, percebe-se a concentração dos postos de trabalho abertas na base da pirâmide social. A força do conjunto dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros. Em 2009, por exemplo, os ocupados com até 1,5 salário mínimo absorviam 24,5% do total da remuneração do trabalho no país, enquanto em 1989 recebiam 22,3% do conjunto dos rendimentos.
Para os ocupados que recebem mais de cinco salários mínimos, a participação no total das remunerações do País era de 35,3% em 2009 ante 45,2% em 1989. Em 1999, a composição dos rendimentos do trabalho registrou menor peso para os ocupados com até 1,5 salário mínimo mensal e mais participação daqueles com cinco salários mínimos e mais, quando comparada à do ano de 2009.
Tendo em vista a importância do emprego de baixa remuneração, que constitui a base da pirâmide distributiva do conjunto dos rendimentos do trabalho, ou seja, 47,8% do total da força de trabalho ocupada e 24,5% das remunerações do País, nota-se que a sua evolução recente encontra-se diretamente relacionada às transformações mais gerais da economia e da sociedade brasileira. Esse segmento social em especial não poderia estar associado ao conceito de classe média ascendente, tendo em vista as peculiaridades das ocupações e remuneração, conforme a literatura recente parece fazer crer. O debate a respeito da definição de classe social no capitalismo, em particular classe média, assume maior complexidade, para o qual pressupõe maior profundidade e investigação.
Em conformidade com a literatura internacional, esse segmento social deveria ser mais bem considerado na categoria analítica de trabalhadores de baixa renda, pois se trata fundamentalmente de ocupados de salário de base. A sua presença, em maior ou menor expressão, revela o padrão de trabalho existente e, por consequência, o modelo de expansão macroeconômica do País. Na maior parte dos casos, a categoria dos trabalhadores de baixa renda trata das ocupações que se encontram no entorno do salário mínimo oficial, cujo valor real determina a presença – em maior ou menor medida – de trabalhadores pobres e sua relação com o nível de consumo.
Após a regressão neoliberal, o Brasil passou a conviver com outro padrão de trabalho. Ainda que mais positivo, o sentido geral da ocupação e remuneração pós-neoliberal pressupõe avanços maiores a serem constituídos por um projeto nacional de desenvolvimento superior.

                       

Márcio Pochmann – Economista e professor – Setembro 2011
IN “Revista Forum” No. 102 –http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9312/Padr%C3%A3o%20de%20trabalho%20p%C3%B3s-neoliberal

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Estudo revela atraso de nove meses na rede pública do país


O Brasil apresenta a maior desigualdade entre escolas públicas e particulares, Mas foi o país que mais aumentou (em 116%) o gasto por aluno na rede pública na década passada.

Antonio Gois

Relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), divulgado ontem, mostra que o Brasil, entre 33 países comparados, apresenta a maior desigualdade entre escolas públicas e particulares -que têm desempenho melhor de seus alunos.
Diferentemente do resultado do Enem, divulgado anteontem, o relatório da OCDE incorpora à avaliação o perfil socioeconômico das famílias dos estudantes.
Escolas que recebem alunos com pais mais ricos e escolarizados têm uma vantagem que independe do esforço do colégio para melhorar o ensino -mais da metade do desempenho é explicada por estas características, segundo estudos. Sem considerar riqueza e escolarização dos pais, o aluno da rede privada estaria três anos à frente do da escola pública, segundo o Pisa (exame internacional que compara desempenho de alunos).
Quando a comparação é feita considerando o nível socioeconômico, a distância entre os estudantes da rede privada para os do sistema público cai para nove meses, segundo o relatório.
A conta simula como seriam as notas se os alunos tivessem as mesmas características familiares. Para a pesquisadora Paula Louzano, o dado reflete a desigualdade do país e o fato de poucas famílias de elite colocarem o filho em escolas públicas. Além disso, afirma, a cobertura do currículo nas públicas é menor.
Segundo o ministro Fernando Haddad (Educação), esta diferença em favor da rede privada tende a diminuir por causa do aumento do gasto público por aluno.
O relatório da OCDE diz que o Brasil foi o país que mais aumentou (em 116%) o gasto por aluno na rede pública na década passada.


Antonio Gois – 14.09.2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A defesa da Bolsa da Viúva


Judiciário pede R$ 7,7 bi e uma juíza federal expõe a tensão existente entre o direito e o Orçamento

Elio Gaspari
Está no Congresso uma proposta orçamentária que prevê um aumento de 14,7% para o Judiciário. Ela concede reajustes gerais que, no topo da pirâmide, elevam para R$ 30,6 mil mensais os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Chegando à base dos servidores, custará cerca de R$ 7,7 bilhões. (Com o reajuste, os ministros do STF ganhariam mais que seus similares da Corte Suprema dos Estados Unidos.)
Como em todas as reivindicações salariais, há argumentos em sua defesa, sobretudo para o pessoal do andar de baixo.
Caberá aos deputados e senadores fixar o percentual que julgam adequado. Infelizmente, um em cada dez parlamentares estão espetados em processos que aguardam julgamento no Supremo. Para enriquecer o debate, aqui vão trechos de uma recente decisão da juíza Juliana Montenegro Calado, da 1ª Vara Federal de Colatina (ES), envolvendo uma causa que acarretaria despesas para o erário:
"Há muito debatem os especialistas acerca da relação entre o direito e a economia, além do problema em como compatibilizá-los, uma vez que diferentes são as abordagens para a tomada das decisões: enquanto que o raciocínio econômico leva em questão os custos e a eficiência, o raciocínio jurídico observa a legalidade.
Essa relação entre direito e economia encontra-se intrinsecamente ligada quando se trata da implementação de políticas públicas pela administração, na medida em que as necessidades públicas são infinitas, mas limitados são os recursos materiais que poderão propiciá-las.
(...) O administrador terá que conviver fundamentalmente com a escassez de recursos e a impossibilidade prática de implementar todas as necessidades da população. É justamente essa situação que conduz às escolhas dramáticas do administrador, pois, no momento em que investe recursos numa determinada área, deixa de atender outras necessidades em áreas diferentes.
(...) A questão do custo dos direitos está intimamente ligada à ideia da reserva do possível, porquanto essa última expressão identifica o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis frente às necessidades a serem supridas. Não se diga com isso que o administrador está autorizado a invocar a reserva do materialmente possível sempre que deixar de observar a implantação de algum direito social, mas não se pode desconsiderar por completo a existência desta tensão no equacionamento entre limitação de orçamento e demandas sociais."
A juíza negou um pedido do Ministério Publico Federal para que o governo do Espírito Santo se abstivesse de mandar presos para a Penitenciária de Barra de São Francisco, onde 364 pessoas ocupam um espaço projetado para guardar 106, cabendo a cada uma delas uma área de 1,09 metro quadrado. Pedia-se também uma fiscalização do estabelecimento, um plano para descongestioná-lo e a construção de outras unidades.
A juíza entendeu que não compete ao Judiciário "imiscuir-se na análise dos elementos de oportunidade e conveniência" que são prerrogativas do Executivo.
Uma perícia da Polícia Federal verificou que o presídio "não possuía, em suas unidades celulares, condições mínimas de salubridade para a existência humana".


Elio Gaspari – Jornalista – 07.09.2011

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Repórter não é polícia; imprensa não é justiça


É um bom momento para a sociedade brasileira debater o papel da nossa imprensa – uma imprensa que não admite qualquer limite ou regra, e se coloca acima das demais instituições para investigar, denunciar, acusar e julgar quem bem lhe convier.

Ricardo Kotscho
Ao voltar de Barretos, o meu correio eletrônico já estava entupido de mensagens de amigos e leitores comentando e me pedindo para comentar a reportagem da revista Veja sobre as “atividades clandestinas” do ex-ministro José Dirceu, um dos denunciados no processo do “mensalão”, que tramita no Supremo Tribunal Federal e ainda não tem data para ser julgado.
Só agora, no começo da tarde de segunda-feira [29/8], consegui ler a matéria. Em resumo, como está escrito na capa, sob o título “O Poderoso Chefão”, ao lado de uma foto em que Dirceu aparece de óculos escuros e sorridente, a revista afirma:
“O ex-ministro José Dirceu mantém um “gabinete” num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma”.
A sustentar a grave “denúncia”, a revista publica dez reproduções de um vídeo em que, além de Dirceu, aparecem ministros, parlamentares e um presidente de estatal entrando ou saindo do “bunker instalado na área vip de um hotel cinco estrelas de Brasília, num andar onde o acesso é restrito a hóspedes e pessoas autorizadas”.
Nas oito páginas da “reportagem” – na verdade, um editorial da primeira à última linha, com mais adjetivos do que substantivos – não há uma única informação de terceiros que não seja guardada pelo anonimato do off ou declaração dos “acusados” de visitar o bunker de Dirceu confirmando a tese da Veja.
Perguntas sem respostas
Fiel a uma prática cada vez mais disseminada na grande mídia impressa, a tese da conspiração de Dirceu contra o governo Dilma vem antes da apuração, que é feita geralmente para confirmar a manchete, ainda que os fatos narrados não a comprovem.
Para dar conta da encomenda, o repórter se hospedou num apartamento no mesmo andar do ex-ministro. Alegando ter perdido a chave do seu apartamento, pediu à camareira que abrisse o quarto de Dirceu e acabou sendo por ela denunciado ao segurança do hotel Naoum Plaza, que registrou um boletim de ocorrência no 5º Distrito Policial de Brasília, por tentativa de invasão de domicílio.
Li e reli a matéria duas vezes e não encontrei nenhuma referência à origem das imagens publicadas como “prova do crime”, o primeiro dos mistérios suscitados pela publicação da matéria. O leitor pode imaginar que as cenas foram captadas pelas câmeras de segurança do hotel, mas neste caso surgem outras perguntas:
** Se o próprio hotel denunciou o repórter à polícia, segundo O Globo de domingo, quem foi que lhe teria cedido estas imagens sem autorização da direção do Naoum?
** Se foi o próprio repórter quem instalou as câmeras, isto não é um crime que lembra os métodos empregados pela Gestapo e pelo império midiático dos Murdoch?
** As andanças pelo hotel deste repórter, que se hospedou com o nome e telefone celular verdadeiros, saiu sem fazer check-out e voltou dando outro nome, para supostamente entregar ao ex-ministro documentos da prefeitura de Varginha, são procedimentos habituais do chamado “jornalismo investigativo”?
As dúvidas se tornam ainda mais intrigantes quando se lê o que vai escrito na página 75 da revista:
“Foram 45 horas de reuniões que sacramentaram a derrocada de Antonio Palocci e durante as quais foi articulada uma frustrada tentativa do grupo do ex-ministro de ocupar os espaços que se abririam com a demissão. Articulação minuciosamente monitorada pelo Palácio do Planalto, que já havia captado sinais de uma conspiração de Dirceu e de seu grupo para influir nos acontecimentos que ocorriam naquela semana [6,7 e 8 de junho, segundo as legendas das fotos] – acontecimentos que, descobre-se agora, contavam com a participação de pessoas do próprio governo”.
A afirmações contidas neste trecho suscitam outras perguntas.
** Como assim? Quem do governo estava conspirado contra quem do governo?
** Por acaso a revista insinua que foi o próprio governo quem capturou as imagens e as entregou ao repórter da Veja?
** Por que a reportagem/editorial só publica agora, no final de agosto, fatos ocorridos e imagens registradas no começo de junho, no momento em que o diretor de Redação da revista está de férias?
Boa lembrança
Só uma coisa posso afirmar com certeza, depois de 47 anos de trabalho como jornalista: matéria de tal gravidade não é publicada sem o aval expresso dos donos ou dos acionistas majoritários. Não é coisa de repórter trapalhão ou editor descuidado.
Ao final da matéria, a revista admite que “o jornalista esteve mesmo no hotel, investigando, tentando descobrir que atração é essa que um homem acusado de chefiar uma quadrilha de vigaristas ainda exerce sobre tantas autoridades (...) E conseguiu. Mas a máfia não perdoa”.
Conseguiu? Há controvérsias... No elenco de nomes apresentados pela revista como frequentadores do “aparelho clandestino” de Dirceu, no entanto, não encontrei nenhum personagem que seja publicamente conhecido como inimigo do ex-ministro Antonio Palocci.
O texto todo foi construído a partir de ilações e suposições para confirmar a tese – não de informações concretas sobre o que se discutiu nestes encontros e quais as consequências efetivas para a queda de Palocci.
Não tenho procuração para defender o ex-ministro José Dirceu, nem ele precisa disso. Escrevo para defender a minha profissão, tão aviltada ultimamente pela falta de ética de veículos e profissionais dedicados ao vale-tudo de verdadeiras gincanas para destruir reputações e enfraquecer as instituições democráticas.
É um bom momento para a sociedade brasileira debater o papel da nossa imprensa – uma imprensa que não admite qualquer limite ou regra, e se coloca acima das demais instituições para investigar, denunciar, acusar e julgar quem bem lhe convier.
Diante de qualquer questionamento sobre as responsabilidades de quem controla os meios de comunicação, logo surgem seus porta-vozes para denunciar ameaças à liberdade de imprensa.
Calma, pessoal. De vez em quando, convém lembrar que repórter não é polícia e a imprensa não é justiça, e também não deveria se considerar inimputável como as crianças e os índios. Vejam o que aconteceu com Murdoch, o ex-todo-poderoso imperador. Numa democracia, ninguém pode tudo.


Ricardo Kotscho – Jornalista – 29.08.2011

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Ricos pagam pouco


A Ascensão da nova classe média seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.

Vladimir Safatle
Há alguns dias, uma pesquisa veio mostrar o que todos aqueles que realmente se preocupam com reforma tributária no Brasil sabem: os ricos pagam pouco imposto.
Quem recebe R$ 3.300 por mês, leva para casa, descontados Imposto de Renda e Previdência, 84% do seu salário. Já alguém que ganha R$ 26.600 por mês, leva 74%.
Um profissional holandês, por exemplo, pode contar apenas com 55% de seu salário, e mesmo um norte-americano traz para casa menos que um brasileiro: 70%.
Ao mesmo tempo em que descobríamos a vida tranquila dos ricos brasileiros, chega a notícia de que a quantidade de milionários no Brasil aumentou 5,9% em 2010, atingindo a marca de 115,4 mil pessoas com fortuna de, ao menos, US$ 1 milhão.
O que não deveria nos surpreender. Afinal, vivemos em um país onde o processo de concentração de renda está tão institucionalizado que as classes mais abastadas têm um sistema de defesa de seus rendimentos sem par em outros países industrializados.
Dentro de alguns anos, a chamada nova classe média descobrirá que não conseguirá mais continuar sua ascensão social. Entre outras coisas, ela tomará consciência de como seu orçamento é brutalmente corroído por despesas com educação e saúde.
Um Estado preocupado com seu povo taxaria os ricos e as grandes fortunas a fim de ter dinheiro suficiente para criar um verdadeiro sistema público de educação e saúde.
Por que não criar, por exemplo, um imposto sobre grandes fortunas vinculado exclusivamente à educação? Isto permitiria que essa nova classe média continuasse sua ascensão social.
Tal ascensão seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.
Há pouco, um estudo mostrou como o 0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.
Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%.
Costuma-se dizer que uma das maiores astúcias do Diabo é nos convencer de que ele não existe. Uma das maiores astúcias do discurso conservador é nos convencer, diante de dados dessa natureza, de que conflito de classe é um delírio de esquerdista centenário.
Mesmo que vejamos um processo brutal de concentração de renda institucionalizado e intocado por qualquer partido que esteja no poder, mesmo que vejamos a tendência de espoliação dos recursos de países industrializados por camadas mais ricas da população, tudo deve ser um complô dos incompetentes contra aqueles que bravamente venceram na vida graças apenas a seu entusiasmo e capacidade visionária, não é mesmo?


Vladimir Safatle – Filósofo e Professor da FFLCH/USP – 28.06.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2806201106.htm         

sábado, 8 de outubro de 2011

Activistas ocupan las dos cabezas de la bestia: Wall Street y Washington



A la protesta contra la avaricia de los financieros se suma la demanda de terminar con las guerras
Expresan las frustraciones que siente el pueblo estadunidense, comentó Barack Obama


David Brooks
 Nueva York, 6 de octubre. El nivel de las protestas contra la injusticia económica y el poder del sector financiero sobre el sistema político estadunidense se elevó con la concurrencia de los sindicatos a este esfuerzo y la multiplicación de las protestas por el país –incluyendo la instalación de otro plantón hoy en Washington–, y provocó que hasta el presidente Barack Obama se viera obligado a comentar sobre Ocupa Wall Street.
En Washington, varios cientos llegaron a la Plaza Libertad, cerca de la Casa Blanca, para comenzar un plantón de tiempo indefinido, organizado desde hace seis meses por diversas agrupaciones antibélicas y comunitarias, para demandar el fin de las guerras (es el inicio del undécimo año del conflicto armado en Afganistán) y la generación de empleo y apoyo social, demandas que no eran la idea inicial, pero que ahora se suman a las crecientes acciones relacionadas con Ocupa Wall Street por todo el país.
Algunos participantes dicen que con la acción en la capital, ahora están ocupadas las dos cabezas de la bestia: Wall Street y Washington.
Así, con la sorpresiva erupción de Ocupa Wall Street en Nueva York y decenas de ciudades más, se genera lo que un activista llamó una confluencia de manifestaciones planeadas y no planeadas por el país.
La movilización empieza a llamar la atención de las cúpulas políticas. En su conferencia de prensa de hoy, se le preguntó a Obama si estaba enterado del movimiento Ocupa Wall Street. “Obviamente sé de eso –respondió–. Lo he visto en televisión. Creo que expresa las frustraciones que siente el pueblo estadunidense”.
Agregó: creo que la gente está frustrada y los manifestantes dan voz a una frustración sobre cómo funciona nuestro sistema financiero. Indicó que los manifestantes sienten que Wall Street no ha seguido las reglas y que esa frustración se expresará políticamente en 2012 y más.
Que el presidente se haya visto obligado a abordar el asunto demuestra que Ocupa Wall Street, que surgió de una acción poco organizada de unos cientos de estudiantes, se está transformando en asunto de la agenda nacional. De hecho, algunos legisladores federales liberales recientemente han expresado apoyo al movimiento, como los representantes Raúl Grijalva y Keith Ellison.
Mientras tanto, algunos candidatos presidenciales republicanos también han tenido que responder ante el movimiento, Mitt Romney, el que acusa de promover la guerra de clases.

De Filadelfia a Anchorage
Manifestantes vinculados con Ocupa Wall Street marcharon en varias ciudades, entre ellas Filadelfia, Salt Lake City, en Utah, hasta Anchorage, en Alaska, coreando las denuncias contra la avaricia empresarial y la corrupción de la política por los dueños del dinero.
En Los Ángeles, unos mil manifestantes marcharon por el centro financiero de la ciudad acompañados por agremiados del sindicato de servicios SEIU y organizaciones comunitarias. Coreaban: Desde Nueva York a Los Ángeles, ocupa EU, y Dinero para empleos, no para bancos, reportó Elizabeth Coll, colaboradora de La Jornada. Se detuvieron frente a sucursales de Citibank, Bank of America y Chase coreando en inglés y español. Una docena fueron detenidos al ingresar a una sucursal de Bank of America en la calle Figueroa y ocupar el vestíbulo. A la vez, varios se plantaron en un cruce de calles en el centro, durante una hora. Unos 100 permanecen acampados a un lado de la alcaldía.
En Washington, cientos marcharon a la Cámara de Comercio de Estados Unidos, frente a la Casa Blanca y el Departamento de Tesoro, y se identificaron, como en todas estas acciones, como representantes del ‘’99 por ciento” que sufre a manos del uno por ciento más rico (ver: october2011).
Aquí en Nueva York, la Plaza Libertad está cada vez más llena de diversidad de caras, tanto jóvenes como maduras, mientras se escuchan multiplicidad de acentos, que pintan un mosaico muy diferente al casi monótono de los jóvenes blancos universitarios con el que comenzó esta acción el 17 de septiembre.
Como prueba de lo anterior, hoy se anunció que el domingo se realizará la primera asamblea general en español. Hasta ahora Ocupa Wall Street ha hablado sólo en inglés. Es hora de que empiece a tejer y hacerse escuchar también en español. Somos millones. Somos parte del 99 por ciento, se anunció.
Como casi todos los días, hoy se celebró un foro en la plaza con un invitado, en esta ocasión se presentó Naomi Klein, autora de No Logo y la Doctrina Shock, y articulista (colaboradora de La Jornada), ante cientos de asistentes. Utilizando el sistema de micrófono humano para superar la prohibición de recurrir a sistemas de amplificación, sus palabras fueron repetidas a coro para que todos lograran escuchar.
“Al uno por ciento le encantan las crisis porque es justo durante una crisis, en medio del pánico y el miedo, que puede promover sus deseos… como la privatización de la educación o reducir el seguro social”, explicó Klein. Indicó que todos podemos ver que el sistema está fuera de control, e insistió en que los daños al planeta y a las grandes mayorías sólo se pueden frenar con un movimiento masivo y un cambio de los valores básicos de nuestra cultura. Y aseguró que eso es lo que está sucediendo en esta plaza. Señaló que el mundo entero ha estado esperando que nosotros aquí libremos nuestra lucha.
Mañana está programada la presentación de activistas del movimiento en Grecia.

Nuevos actores: Yoko Ono
La lista de personalidades famosas que asisten continúa en ascenso. Yoko Ono tuiteó su apoyo: “Amo #OccupyWallStreet. Como dijo John, ‘un héroe no lo puede lograr. Cada uno de nosotros tenemos que ser héroes’. Y ustedes lo son. Gracias”, reportó el Washington Post.
El actor Tim Robbins pasó por la Plaza Libertad anoche, y dijo al Financial Times: “esto es como se ve un movimiento de base real… un poco desordenado y desorganizado, pero lleno de pasión”.
Otros que han acudido y/o expresado su apoyo son Michael Moore, el actor Mark Ruffalo y la actriz Susan Sarandon, entre muchos más.


David Brooks – 07.10.2011
IN “La Jornada”http://www.jornada.unam.mx/2011/10/07/economia/029n1eco