AS FAXINAS EM FOCOS DE CORRUPÇÃO SÓ TERÃO UM DIA SEGUINTE MENOS FRUSTRANTE QUANDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SE MODERNIZAR
Fernando Luiz Abrucio
O combate à corrupção melhorou muito nos últimos anos, especialmente no
plano federal. À primeira vista, este diagnóstico só pode ser feito por alguém
que não está acompanhando o noticiário recente, com escândalos pipocando por
vários ministérios, por um governista inveterado, que não quer ver nada a sua
frente, ou, pior, por um sujeito que se beneficia de atos ilícitos.
Pesquisas atuais, porém, revelam que, de fato, o sistema de controles se
aperfeiçoou e se tornou mais sofisticado na busca por irregularidades e outros
malfeitos.
Esse processo se iniciou com a Constituição de 1988, quando os órgãos de
fiscalização ganharam maior autonomia, em particular o Ministério Público.
No decorrer da década de 1990, o clamor social por maior transparência,
impulsionado pela campanha do impeachment e por várias CPIs, obrigou os
governos e congressistas a melhorar o arcabouço legal.
No início do século 21, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal
criou maiores obstáculos a ações perdulárias ao estilo "quebrei o Estado,
mas elegi meu sucessor". Finalizando essa trajetória de mudança, o governo
Lula fortaleceu a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal, bem como,
em paralelo, o TCU tornou-se mais ativo e poderoso.
Sísifo
Sísifo
Os alarmes de incêndio contra a corrupção foram ampliados de um modo
inédito em nossa história. Não há mais atos corruptos hoje do que havia no
passado, mas uma maior capacidade de mostrá-los para a opinião pública. Então,
por que prevalece a sensação de que os escândalos são cada vez mais frequentes?
Aparentemente, os órgãos de controle estão fazendo um trabalho de
Sísifo, levando a denúncia até o "cume da montanha", para que essa
pedra volte ao mesmo lugar no dia seguinte.
Para sair dessa armadilha, é preciso enfrentar dois grandes problemas. O
primeiro é a questão da impunidade. Enquanto o sistema de Justiça não julgar
rapidamente os acusados de corrupção, a impressão será a de que a
"roubalheira só aumenta".
As faxinas em focos de corrupção, impulsionadas pelos órgãos de controle
ou pela mídia, apenas terão um dia seguinte menos frustrante se a gestão
pública passar por um processo de grande mudança. Nesse ponto, três temas são
essenciais.
Em primeiro lugar, é fundamental espraiar por toda a Esplanada dos
Ministérios um modelo profissional e meritocrático de burocracia.
Embora haja nichos burocráticos de alta qualificação no Executivo (como
o Itamaraty ou a Fazenda), muitas áreas não têm pessoal adequado para suas
funções. Não basta tirar os corruptos da ocasião e mudar o ministro. É preciso
estruturar os ministérios, como o dos Transportes ou do Turismo.
Mérito
Mérito
Além disso, é preciso criar mecanismos para selecionar melhor os cargos
comissionados. Sabe-se que, na comparação internacional, esses postos são
verdadeiramente numerosos. Mesmo assim, se o Executivo federal estabelecesse
limites institucionais mais claros ao preenchimento do alto escalão, em termos
de mérito e transparência na seleção, os próprios partidos seriam obrigados a
profissionalizar suas indicações.
A modernização da administração pública depende, ainda, da criação de
capacidades institucionais vinculadas ao mérito e à "accountability"
(prestação de contas) nos Estados e, sobretudo, municípios.
Todos os escândalos parecem começar em Brasília, mas terminam sempre no
mesmo lugar: nas bases locais dos parlamentares. Esse é o elo mais complicado
do sistema político. Por enquanto, o controle avançou mais do que a gestão no
Brasil. Somente quando houver mudanças estruturais na administração pública é
que as denúncias, tais quais pedras de Sísifo, deixarão de cair tanto em nossas
cabeças.
Fernando Luiz Abrucio – Cientista político, coordenador do curso de graduação em
administração pública da FGV-SP e pesquisador – 04.09.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj0409201110.htm