Gustavo Petro foi
eleito pelo Movimento Progressista nas eleições municipais colombianas de
outubro de 2011. Ex-guerrilheiro do grupo guerrilheiro M-19, ele já foi senador
e é um dos maiores adversários da direita colombiana, especialmente do
ex-presidente Álvaro Uribe. (...)
Petro disse que a
sanção foi equivalente a um “golpe de Estado”. (...) “Peço ao mundo solidariedade, estou
diante de um golpe de Estado contra um governo progressista”
Leandra Felipe
Bogotá - A Procuradoria-Geral da Colômbia destituiu Gustavo Petro do cargo de
prefeito de Bogotá. A decisão, em primeira instância, proferida pelo
procurador-geral, Alejandro Ordóñez, foi justificada pelas irregularidades,
qualificadas como “gravíssimas” na administração de Petro, no que se refere às
mudanças no sistema de coleta de lixo que ele implementou no fim do ano
passado.
Além da destituição, Ordóñez decidiu tornar a Gustavo Petro inelegível
para cargos públicos por 15 anos. O procurador disse que as razões para a
decisão foram a “improvisação” nas mudanças do sistema de coleta de lixo da
capital; a criação de um modelo “fora da lei” ao fazer as alterações por
decreto. Ele também alegou que o prefeito “sabia que estava tomando uma medida
ilegal e que não era necessário que fosse criado um “novo esquema” de coleta de
lixo.
Com relação à improvisação, o procurador justificou: “Houve deliberada
improvisação na compra e aluguel de compactadores novos e usados que geraram
gastos e depois, com a ineficiência, a prefeitura teve que voltar a contratar
operadores privados”, disse.
O prefeito tem 20 dias para recorrer da decisão. Ao tomar conhecimento
da destituição do cargo, Petro disse que a sanção foi equivalente a um “golpe
de Estado”. Usuário frequente do microblog Twitter, ele convocou a
população a protestar na Praça de Bolívar, em frente à prefeitura de Bogotá.
“Peço ao mundo solidariedade, estou diante de um golpe de Estado contra um
governo progressista”, declarou.
Nas redes sociais, partidários de Petro, políticos, analistas e a
população comentaram a decisão. Alguns disseram que houve “abuso” por parte do
procurador e que a decisão foi “equivocada”. Na Praça Bolívar, moradores se
manifestam desde o início da tarde com cartazes.
Gustavo Petro foi eleito pelo Movimento Progressista nas eleições
municipais colombianas de outubro de 2011. Ex-guerrilheiro do grupo
guerrilheiro M-19, ele já foi senador e é um dos maiores adversários da direita
colombiana, especialmente do ex-presidente Álvaro Uribe. Petro é um
representante importante da esquerda colombiana e apoiava o presidente Juan
Manuel Santos no processo de paz.
O presidente Santos se manifestou sobre a decisão e disse “respeitar a
decisão do procurador, assim como respeita o direito de Petro a recorrer da
sanção”.
É a segunda vez, em dois anos, que Bogotá tem a destituição de um
prefeito. Em 2011, Samuel Moreno Rojas foi destituído após investigação de
denúncias de contratação irregulares e superfaturamento de obras públicas.
A lei colombiana permite que o Ministério Público do país, além de
receber denúncia de improbidade contra gestores de cargos políticos, como
prefeitos e governadores, tem poder para destituí-los.
Leandra Felipe – Correspondente
da Agência Brasil/EBC – 09.12.2013
A destituição do prefeito de Bogotá
viola o direito internacional
Se não se respeita o
direito internacional, a linha que separa as democracias das ditaduras pode
tornar-se muito nebulosa. (...)
Atualmente,
Chile, México e Peru têm disposições legais semelhantes às da Colômbia e
Venezuela que autorizam suspender os direitos políticos das pessoas por meio de
decisões de menor instância que uma sentença judicial.
Javier El-Hage e Alejandro Gutiérrez
O prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, foi destituído e não poderá exercer
nenhum cargo público por um período de 15 anos, por decisão do Procurador Geral
da República da Colômbia, que o declarou “disciplinarmente responsável” por
“irregularidades na prestação do serviço público de limpeza”. A decisão do
procurador viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pela
Colômbia em 1973
Segundo o artigo 23, inciso 2, da Convenção, um Estado partícipe só pode
suspender ou privar uma pessoa de seus direitos políticos depois de ela ter
sido sentenciada, como produto de um processo judicial ajustado às garantias do
devido processo penal. Especificamente, a Convenção estabelece a “condenação
por juiz competente, em processo penal” como garantia contra a suspensão ou
privação arbitrária dos direitos políticos das pessoas, que incluem os direitos
de eleger, ser eleito e exercer cargos públicos de escolha popular.
Esse parâmetro estrito foi confirmado em 2011 pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos no caso López Mendoza versus Venezuela, onde a corte, com
sede na Costa Rica, analisou o caso de um ex-prefeito opositor que tinha sido
impedido de exercer qualquer cargo público por seis anos por decisão do
Controlador Geral, que havia determinado a responsabilidade do funcionário em
dois casos de suspeita de corrupção. A decisão do controlador venezuelano foi
expressa por meio de duas resoluções administrativas em 2006 com base no artigo
105 da Lei Orgânica da Controladoria Geral da República e do Sistema Nacional
de Controle Fiscal (LOCGRSNCF).
De modo semelhante, na Colômbia, o Código Disciplinar único (CDU)
permite à Procuradoria Geral da Nação impor a penalidade de “destituição e
incapacidade geral” nos casos de “falta disciplinar” “gravíssima dolosa” ou com
“culpa gravíssima”. Depois de 11 meses de investigação disciplinar contra Petro
por supostas “condutas irregulares relacionadas com a prestação do serviço
público de limpeza” em 9 de dezembro de 2013, o procurador resolveu destituir e
cassar os direitos políticos do prefeito de Bogotá por 15 anos. O caso de Petro
não é isolado. Desde 2009, o procurador Alejandro Ordóñez destituiu 13 membros
do Congresso colombiano. No ano de 2012, impôs sanções disciplinares a 152
prefeitos, 177 vereadores, 9 governadores, 5 senadores, 2 deputados e 1
representante na Câmara.
Esse tipo de destituição por parte do procurador contradiz os artigos 98
e 122 da Constituição colombiana, segundo os quais “o exercício da cidadania”
só pode ser suspenso “em virtude de decisão judicial nos casos
que a lei determina” e quando o funcionário “tiver sido condenado […] pela
comissão de delitos que afetam o patrimônio do Estado”.
Apesar disso, em outubro de 2013, a Corte Constitucional da Colômbia
determinou a constitucionalidade desse procedimento e ratificou a sanção do
procurador contra a senadora Piedad Córdoba que, em 2010, foi destituída e teve
seus direitos políticos cassados por 18 anos. Com base nesse antecedente,
prevê-se que qualquer apelação do prefeito fracasse (seja perante o próprio
procurador, um juiz de contencioso administrativo ou a Corte Constitucional).
Na Venezuela, como na Colômbia, a disposição legal que levou à retirada
dos direitos políticos de López Mendoza , contradizia o estabelecido na
Constituição desse país, cujos artigos 42 e 65 limitavam a “suspensão dos
direitos políticos” para os casos em que exista “sentença transitada em
julgado” e contra os “condenados por delitos cometidos no exercício de suas
funções”. Como na Colômbia em 2008, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela
ratificou as resoluções do controlador, tirando os direitos políticos de López
Mendoza, de modo que se esgotaram os recursos internos disponíveis e se abriu a
possibilidade para que ele leve o caso primeiro à Comissão e depois à Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Enquanto se buscava resolver o caso na Costa Rica, a Human Rights
Foundation (HRF) apresentou à Corte um termo de amicus curiae pelo qual se analisa a suspensão
dos direitos políticos tanto sob o sistema interamericano como o universal
(baseado no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos) e o europeu
(cuja referênca é a Convenção Europeia de Direitos Humanos), e se pede à Corte
que ratifique o padrão constante no artigo 23, inciso 2 da Convenção. Por meio
de sua sentença, em 1 de setembro de 201, a Corte ordenou que a Venezuela
deixasse “sem efeito as resoluções” contra o ex-prefeito, e determinou que o
Estado “adequasse o artigo 105” da lei que autorizava a ação do controlador. Em
seu voto concorrente sobre a mesma sentença, o juiz Eduardo Vio Grossi
esclareceu que “se torna claro, simples e categórico” que os direitos políticos
podem ser suspensos exclusivamente por condenação por juiz competente, no
processo penal.
Atualmente, Chile, México e Peru têm disposições legais semelhantes às
da Colômbia e Venezuela que autorizam suspender os direitos políticos das
pessoas por meio de decisões de menor instância que uma sentença judicial. Como
observou o juiz Vio Grossi, “o fato de que nas legislações de alguns dos
Estados Partícipes da Convenção se preveja que uma instância não penal possa
impor a pena de cassação dos direitos políticos para a eleição de modo algum
demonstra que se trata de uma prática pela qual “conste o acordo das partes
sobre a interpretação do tratado”.
O principal argumento esgrimido pelo governo venezuelano foi que a
suspensão do ex-prefeito era um esforço para “lutar contra a corrupção”, e
assim cumprir com suas obrigações perante a Convenção Interamericana contra a
Corrupção (algo que o procurador colombiano também costuma mencionar em suas
decisões).
O juiz Vio Grossi esclareceu que, se bem que este tratado “estabelece a
obrigação de os Estados partícipes tipificarem como delitos atos de corrupção
[…], em nenhuma parte dispõe ou contempla que a condenação por esse delito
possa ser imposta por uma instância administrativa, e daí se depreende que, de
modo algum, constitui […] uma modificação ou interpretação do disposto na
Convenção, senão, precisamente todo o contrário.”
Quando foi cassado, as pesquisas apontavam o jovem Leopoldo López
Mendonza como favorito para a prefeitura metropolitana de Caracas contra o
candidato do então presidente Hugo Chávez, que construiu um governo
autoritário, caracterizado por manipular eleições e utilizar o aparato estatal
para fustigar a oposição e a imprensa independente. Coerente com o modo como
governa, a Venezuela não somente descumpriu a sentença da Corte, mas também em
2012 denunciou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e hoje já não
pertence ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.
Na Colômbia, o prefeito Petro foi eleito em 2011, assumiu o cargo em
2012, e vinha governando de modo democrático, apesar de seu passado violento
(do qual diz não ter remorsos) como membro do grupo terrorista M19, que no ano
de 1985 invadiu o Palácio de Justiça da Colômbia, tomou como reféns os
magistrados da Corte Suprema e executou 12 deles em razão do contra-ataque do
Exército colombiano, que se recusara a negociar.
O direito internacional estabelece que nem Petro nem López Mendoza nem
nenhum outro funcionário eleito democraticamente no continente americano pode
ser destituído ou casado por uma merca decisão do controlador, mas somente por
meio de uma condenação judicial pelo delito cometido no exercício de suas
funções
Estados democráticos como o colombiano devem garantir que a luta contra
a corrupção ou a incompetência administrativa se realize respeitando o direito internacional
dos direitos humanos, pois do contrário a importantíssima linha que separa as
democracias das ditaduras pode ir-se tornando cada vez mais nebulosa. .A
Colômbia deve se enquadrar no direito e reconduzir o prefeito de Bogotá ao
cargo.
Javier El-Hage é diretor jurídico e Alejandro
Gutiérrez, advogado associado da Human Rights Foundation, uma
organização internacional de direitos humanos com sede em Nova York – 13.12.2013