Dispêndios estaduais em
pesquisa e desenvolvimento revelam fosso entre São Paulo e as outras unidades
da federação.
Fabrício Marques
Os investimentos dos estados brasileiros em pesquisa e desenvolvimento
(P&D) cresceram nos últimos anos, mas persiste um forte contraste entre a
realidade de São Paulo, que ostenta um constante e significativo volume de
dispêndios em P&D em suas três universidades estaduais, e as demais
unidades da federação, com sistemas universitários menos desenvolvidos
sustentados por investimentos ainda modestos. Um levantamento divulgado pelos
Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), é revelador desse fosso. A compilação de dados
comparou os dispêndios em P&D de instituições estaduais de ensino superior.
Dos R$ 4,5 bilhões investidos pelo conjunto de estados brasileiros em 2010, São
Paulo respondeu por quase R$ 3,9 bilhões, ou 86% do total. “São Paulo é um
estado que investe muito em ciência e tecnologia quando comparado com o
restante do país”, observa Marco Antonio Zago, pró-reitor de Pesquisa da
Universidade de São Paulo (USP). “Isso é resultado de uma política de estado
que teve início há muito tempo, e não da estratégia de um governador”, afirma.
Em segundo lugar no levantamento aparece o Rio de Janeiro, com dispêndios
estaduais em P&D das instituições de ensino superior na casa dos R$ 208
milhões em 2010, seguido pelo Paraná (R$ 183 milhões), Bahia (R$ 68 milhões) e
Santa Catarina (R$ 46,9 milhões).
Um total de 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) arrecadado em São Paulo é destinado para a manutenção das três
universidades estaduais e se distribui de acordo com o tamanho de cada uma das
instituições, sendo 2,344% para a Universidade Estadual Paulista (Unesp),
2,195% para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e 5,029% para a USP.
“Esses recursos, gerenciados de forma autônoma, garantiram uma base muito forte
para as universidades estaduais, propiciando laboratórios de qualidade,
docentes em regime de dedicação exclusiva e técnicos de pesquisa”, afirma Zago,
que faz uma ressalva: “Embora essa distribuição seja feita segundo o tamanho da
instituição e não de forma competitiva, os recursos da FAPESP, investidos em
projetos de pesquisa e bolsas, cumprem essa finalidade. Os pesquisadores têm de
submeter projetos e são avaliados. E os projetos de qualidade é que são
contemplados”, afirma o pró-reitor. Em 2010, o desembolso da FAPESP com bolsas
e apoio à pesquisa foi de R$ 780 milhões, pouco mais de R$ 100 milhões superior
ao patamar de 2009.
A USP, que é a universidade latino-americana mais bem colocada em rankings internacionais,
respondeu sozinha por quase a metade de todos os recursos investidos em P&D
nos sistemas universitários estaduais, de acordo com os Indicadores do MCTI.
Foram R$ 2,2 bilhões em 2010. Já a Unicamp alcançou R$ 1 bilhão, enquanto a
Unesp recebeu R$ 655 milhões. A Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
aparece na tabela do MCTI com R$ 7,7 milhões aplicados em 2010. A metodologia
adotada pelo MCTI abrange os gastos com pós-graduação, atividade das
universidades identificada com pesquisa. O cálculo é feito relacionando-se os
recursos executados pelas instituições com o número de docentes envolvidos com
pós-graduação. Despesas com ensino, técnicos, manutenção de instalações e
aposentadorias ficaram fora da conta do ministério, pois não são consideradas
dispêndios em P&D. Pesquisa e desenvolvimento, na definição da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é a categoria “que se refere
ao trabalho criativo realizado de forma sistemática com o objetivo de aumentar
o estoque de conhecimento e usá-lo para desenvolver novas aplicações”. Os
dispêndios em P&D são a parcela dos recursos investidos em ciência e
tecnologia que, por meio da pesquisa básica e aplicada, ajuda a capacitar os
países para a inovação.
Continuidade
A pró-reitora de Pesquisa da Unesp, Maria José Giannini, observa que uma
das vantagens do modelo de São Paulo é a sua garantia de continuidade.
“Evidentemente há muitos pesquisadores altamente competentes em universidades
federais, mas é comum que o trabalho deles seja impactado pelo
contingenciamento de verbas para a pesquisa. Nas universidades estaduais
paulistas nós temos amplas condições de estimular os pesquisadores a apresentarem
projetos e buscarem recursos, pois a FAPESP sempre prestigia quem tem mérito”,
diz ela. Segundo dados da Unesp, nos últimos quatro anos o número de projetos
regulares e temáticos aprovados na FAPESP dobrou em relação ao quadriênio
anterior. O total de recursos captados pela Unesp em 2011 foi de R$ 151
milhões, diante de R$ 70 milhões em 2007. No caso da Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), o aumento na captação de recursos foi de 230% no quadriênio.
Ronaldo Pilli, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, enfatiza que as
universidades estaduais paulistas têm cumprido um papel importante ao fornecer
quadros para o desenvolvimento do país. “Não causa surpresa que os números
mostrem uma predominância de investimentos em São Paulo. Mas seria bem-vindo
que as empresas ampliassem sua participação no setor de pesquisa e
desenvolvimento, pois uma base de recursos humanos nós temos a oferecer”,
afirma.
Ainda assim, São Paulo é um caso único de estado brasileiro em que o
investimento em P&D das empresas supera os investimentos públicos (62% do
total, de acordo com os Indicadores de ciência, tecnologia e inovação
em São Paulo, publicado em 2011 pela FAPESP). Da mesma forma, o dispêndio
público estadual em P&D em São Paulo, de R$ 3,7 bilhões em 2008, supera o
do governo federal no estado (R$ 2 bilhões). Essa composição é bem diferente da
observada no Brasil, em que os investimentos federais em P&D são
majoritários (veja quadro na página ao lado).
No caso da Unicamp, Pilli destaca o papel da FAPESP, responsável por 40%
dos recursos para a pesquisa captados pela universidade. “Aumentamos a captação
de recursos para pesquisa de R$ 220 milhões em 2007 para R$ 350 milhões em
2011. Os recursos da Fundação cresceram de R$ 80 milhões em 2007 para R$ 131
milhões no ano passado. No mesmo período, os recursos do CNPq foram reduzidos e
os da Capes cresceram de R$ 52 milhões para R$ 61 milhões”, afirma.
A predominância do investimento paulista não ofusca o fato de que vários
estados ampliaram seus investimentos em ciência e tecnologia num passado
recente. Em 2008 o Rio de Janeiro ampliou para 2% o quinhão da arrecadação de
impostos destinado ao orçamento da Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa, a
Faperj. “Com isso, e também graças ao aumento da arrecadação do estado, o
orçamento da Faperj saltou de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões”, diz o
secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Luiz Edmundo Costa Leite. Segundo
o levantamento do MCTI, os dispêndios em P&D do governo do Rio em suas duas
universidades, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foram de R$ 208 milhões em
2010, mais do que o dobro do que os R$ 100 milhões contabilizados em 2005. A Uerj
se destaca, com dois terços dos dispêndios em 2010. O número de docentes da
Uerj, cerca de 1.800, chega perto do contingente de professores da Unicamp,
ainda que o número de alunos de pós-graduação (2.800) seja uma décima parte do
registrado na universidade paulista. “Com o aumento da arrecadação do estado,
houve um esforço para recuperar a capacidade das universidades estaduais”, diz
Leite.
Articulação
A maioria das universidades públicas do Rio de Janeiro é federal, como a
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Federal Fluminense (UFF), a Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Federal do Estado do Rio (Unirio). “Mas as
federais e as estaduais atuam articuladas. E a Faperj investe boa parte de seus
recursos em projetos das universidades federais. Temos apenas um edital,
voltado para equipar laboratórios, que é aberto apenas para as estaduais”, diz
o secretário. Ele afirma que uma circunstância histórica moldou o sistema
universitário fluminense da forma como ele é conhecido. “O Rio de Janeiro foi a
capital do país por 200 anos e várias universidades foram criadas pelo governo
federal. Outras instituições de pesquisa de grande tradição também surgiram no
Rio, como a Fundação Oswaldo Cruz. Já em São Paulo, o crescimento do sistema de
pesquisa dependeu de um esforço do estado e, com seu crescimento econômico, as
universidades estaduais se consolidaram”, compara.
Minas Gerais tem uma trajetória parecida com a do Rio. Em 2010, o estado
investiu R$ 10,2 milhões em pesquisa e desenvolvimento em duas instituições, a
Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) e a Universidade Estadual de
Montes Claros (Unimontes). O montante, embora ainda modesto, mais do que
triplicou em relação aos R$ 2,9 milhões contabilizados em 2007, o primeiro ano
com registro de investimentos segundo o MCTI. O secretário estadual de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, Narcio Rodrigues, explica que
esse crescimento é fruto da decisão, tomada em 2007, de fazer valer a regra
legal de investir 1% da arrecadação tributária em ciência, por meio da Fundação
de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais. “Nossa estratégia tem sido a de garantir
que não haja retrocesso no cumprimento dessa norma e de alavancar os recursos
fazendo parcerias com o governo federal e a iniciativa privada, que participam
com contrapartidas”, afirma Rodrigues. Ele explica que as universidades
estaduais são apenas duas porque, no passado, a tarefa de promover o sistema
universitário mineiro foi abraçada pelo governo federal. “Nosso sistema tem 14
instituições de ensino superior, sendo 12 federais, mas funcionamos como um
sistema articulado”, diz. A maior delas é a Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). “Nossas universidades têm forte atuação no desenvolvimento
regional. A Unimontes, que é a principal instituição estadual, é bastante ativa
na região mais pobre de Minas Gerais. Esse sistema regionalizado é importante
para o desenvolvimento do estado, mas, claro, o ideal seria mesclá-lo com o
vigente em São Paulo, onde o governo estadual abraçou a missão de promover a
educação superior e consolidou instituições de peso nacional”, diz Narcio
Rodrigues.
Fabrício Marques – setembro de 2012
IN Revista Pesquisa Fapesp,
ed. 199 - http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/09/14/um-pais-dois-modelos/