O erro
é acreditar que a ciência e a matemática são pré-requisitos para a invenção; na
verdade, são simultâneas a ela
Paulo
Blikstein
Nos Estados Unidos, dos 3,7 milhões que entraram na primeira série em 1984,
só 20% declararam interesse em carreiras em ciências exatas na sétima série, e
4,5% se formaram nessa área. Agora, o governo americano percebeu o óbvio e
tenta remediá-lo: a escola afasta os jovens das carreiras científicas.
O ensino de ciências exatas nos EUA, como no Brasil, é uma longa
preparação para a graduação nessas áreas, ignorando que só 5% vão cursá-las.
Fazemos dele uma aborrecida sequência de tópicos sem utilidade ou função
cognitiva.
Os alunos nunca fazem ciência ou engenharia de verdade, nunca se
aventuram em descobrir algo novo ou resolver um problema real; aprendem só o
"básico", que, em grande parte, ignora os avanços científicos dos
últimos 50 anos. O resultado é que 80% não se identificam com as ciências
exatas já na sétima série -época em que se forma a identidade intelectual da
criança.
Um novo tipo de currículo ao mesmo tempo beneficiaria os que não serão
engenheiros, já que terão uma experiência positiva com as exatas e não serão
adultos com medo de matemática, e aumentaria o número de crianças interessadas
em carreiras nos campos da ciência e da engenharia.
O erro é achar que a ciência e a matemática são pré-requisitos para a
invenção; na verdade, histórica e cognitivamente, essas disciplinas são
simultâneas à invenção. A história da ciência mostra que ela não avança no
vácuo, mas sim para resolver problemas reais. É esse o motor cognitivo e
motivacional que move o inventor, o cientista e, é claro, o aluno.
Além disso, mesmo um "mau" aluno em matemática pode ser um
ótimo engenheiro. A engenharia está cada vez mais próxima do design e mais
longe do modelo calculista. Os computadores fazem a "matemática" da
engenharia, deixando para o profissional o trabalho criativo. Os currículos
mais avançados do mundo estão substituindo habilidades aritméticas e
memorização por modelagem matemática e resolução de problemas complexos.
Nossas escolas têm quadras para as aulas de educação física e
bibliotecas para estimular a leitura, mas não instituímos um lugar para ensinar
invenção, tecnologia e criatividade. É preciso um espaço apropriado para tanto.
Em Stanford, criei o projeto FabLab@School: são laboratórios de invenção nas
escolas, espaços permanentes, com professores especialmente treinados e
materiais didáticos especializados.
Esses laboratórios contam com equipamentos de última geração, com a
ajuda dos quais alunos criam projetos de engenharia e teorias científicas,
colaborando com colegas espalhados pelo planeta. São lugares projetados para
atrair todos os alunos, não exclusivamente os que já nutrem um pendor pelas
ciências exatas.
O que escolhemos ensinar nas escolas é só uma parte do conhecimento
existente. Teoricamente, ensina-se o que a sociedade acha mais importante, mas
o que de fato sobrevive no currículo é o que é fácil de ser medido com provas e
o que funciona com aula expositiva.
As vítimas são a ciência e a tecnologia, que só são devidamente
aprendidas quando os alunos trabalham em projetos, fora da aula tradicional.
Se não percebermos que o que precisamos ensinar no século 21 não se encaixa
nesse modelo, ficaremos prisioneiros dos conteúdos que são ensináveis dentro
dos limites dele -como algoritmos de aritmética hoje tão úteis como saber ler
um relógio de sol.
Sem um lugar e alguns cursos especiais para a invenção e a criatividade,
não se desenvolve o entusiasmo pela engenharia. E sem ele, há pouca esperança
de que tenhamos mais engenheiros no século 21.
Paulo Blinkstein – Professor na Universidade Stanford – 25.09.2011
IN “Folha de São Paulo” –
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2509201107.htm