Hoje, o trabalho terceirizado perdeu importância relativa no total do emprego formal gerado no Brasil, embora seja crescente a expansão absoluta dos postos de empregos formais. Por ocupações de menor remuneração e maior descontinuidade contratual, os empregos terceirizados atendem fundamentalmente a mão de obra de salário de base. Desta forma, as ocupações geradas em torno do processo de terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da pirâmide social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se expandido fundamentalmente pelo setor de serviços.
Márcio Pochmann
A terceirização do trabalho expressa uma das maiores alterações no modo de produção e distribuição de bens e serviços verificados durante a passagem para o século XXI nas economias capitalistas. Mesmo assim, preponderam diferenças importantes e inegáveis no movimento geral de terceirização do trabalho entre países.
A terceirização do trabalho expressa uma das maiores alterações no modo de produção e distribuição de bens e serviços verificados durante a passagem para o século XXI nas economias capitalistas. Mesmo assim, preponderam diferenças importantes e inegáveis no movimento geral de terceirização do trabalho entre países.
Nas economias desenvolvidas, por exemplo, a terceirização do trabalho
resulta, muitas vezes, da opção patronal pela ampliação dos ganhos de
produtividades. A partir da adoção de novos meios de gestão da mão de obra e
incorporação tecnológica, o processo produtivo passou a ser crescentemente
compartilhado por um conjunto de diversas empresas que subcontratam seus
empregados. Nos países não desenvolvidos, a terceirização do trabalho
expandiu-se mais recentemente. A principal motivação do processo de
terceirização tem sido geralmente a busca da redução do custo do trabalho como
mecanismo de maior competitividade e ampliação da margem de lucro diante da
exposição do setor produtivo à concorrência internacional. Em função disso, a
terceirização apresenta predominantemente a modalidade de contratações de
trabalhadores com remuneração e condições de trabalho inferiores aos postos de
trabalho anteriormente existentes e aos equivalentes não submetidos à subcontratação
da mão de obra.
Para o Brasil, a terceirização do trabalho ganhou importância a partir
dos anos 1990, coincidindo com o movimento de abertura comercial e de
desregulamentação dos contratos de trabalho. Ao mesmo tempo, a estabilidade
monetária alcançada a partir de 1994 vigorou associada à presença de ambiente
competitivo desfavorável ao mercado interno. Ou seja, baixo dinamismo
econômico, com contida geração de empregos em meio a taxa de câmbio valorizada
e altas taxas de juros. Frente ao desemprego crescente e de ofertas de postos
de trabalho precários, as possibilidades de atuação sindical exitosas foram
diminutas, ao mesmo tempo em que ocorria a expansão de políticas de
desregulação do mercado de trabalho.
Hoje, o trabalho terceirizado perdeu importância relativa no total do
emprego formal gerado no Brasil, embora seja crescente a expansão absoluta dos
postos de empregos formais. Por ocupações de menor remuneração e maior
descontinuidade contratual, os empregos terceirizados atendem fundamentalmente
a mão de obra de salário de base. Desta forma, as ocupações geradas em torno do
processo de terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da
pirâmide social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se
expandido fundamentalmente pelo setor de serviços, embora esteja presente em
todos os ramos do setor produtivo.
Em síntese, a terceirização do trabalho transformou-se num dos
principais elementos de modificação do mundo do trabalho, capaz de equivaler
quase a uma reforma trabalhista, visto que o país não passou por uma reforma
trabalhista de corte neoliberal, conforme verificado em outros países. Mesmo
assim, várias ações em direção à desregulamentação do mercado de trabalho foram
adotadas, especialmente nos anos 1990, quando as políticas neoliberais
estiveram em maior evidência no país. Por conta disso, o país registrou quatro
trajetórias distintas durante os últimos 25 anos na dinâmica da terceirização
do trabalho. A primeira, observada durante a década de 1980, expressou o movimento
de focalização de atividades especializadas. Em geral, a terceirização da mão
de obra correspondeu à externalização de partes das atividades que
anteriormente eram realizadas, sobretudo nas grandes empresas privadas
estrangeiras. A internalização de novos métodos de organização da produção e
gestão da força de trabalho adotada originalmente nas economias desenvolvidas
permitiu que a taxa de terceirização fosse crescente. Entre 1985 e 1990, a taxa
de terceirização do emprego formal no estado de São Paulo passou de 11,7% para
58,2% do saldo líquido das ocupações geradas a cada ano.
Com a recessão econômica no início dos anos 1990, concomitante com os
fracassos dos planos de estabilização monetária e abertura comercial, a
dinâmica da terceirização da mão de obra como mecanismo de modernização das
grandes empresas perdeu sentido. O corte generalizado do emprego em um contexto
de altas taxas de inflação permitiu ao setor patronal encontrar ajustes de
custos alternativos à terceirização de mão de obra. Entre 1990 e 1995, por
exemplo, a taxa de terceirização no estado de São Paulo decresceu, de 58,2%
para 8,9% do saldo total líquido de postos de trabalho formais abertos.
Além da estabilização monetária a partir do Plano Real, com impacto
inegável na redefinição da estrutura de preços e competição no interior do
setor produtivo, teve importância o Enunciado 331 do Tribunal Superior do
Trabalho, que definiu os setores cabíveis da terceirização da mão de obra, e
concedeu segurança jurídica às empresas. Em virtude disso, a trajetória da
contratação de empregados formais entrou na sua terceira dinâmica. Por
consequência, a taxa de terceirização registrou elevação inédita, passando de
8,9% a 97,6% do saldo líquido dos empregos gerados no estado de São Paulo entre
1995 e 2002. Desta forma, o movimento de terceirização da mão de obra que até
então se encontrava relacionado ao interesse das grandes corporações
transnacionais passou a ser difundido no conjunto das empresas em operação no
Brasil.
Pelas condições da estabilidade monetária, alcançada com altas taxas de
juros reais e valorização do real, as condições de competição interempresarial
tornaram-se mais acirradas. A redução do custo do emprego da força de trabalho
estimulou o crescimento da terceirização, inclusive no aparecimento de empresas
sem empregados. A quarta dinâmica na trajetória da contratação de empregos
formais ganhou importância desde o início da década de 2000, com a queda na
taxa de terceirização. Entre 2000 e 2010, a taxa de terceirização passou de 97,6%
para 13,6% do saldo líquido de empregos formais constituído no estado de São
Paulo.
Márcio Pochmann – Economista,
professor da Unicamp e presidente do IPEA – 11.01.2012
IN “ Revista Forum”, Ed.
104 – http://revistaforum.com.br/marciopochmann/2012/01/11/terceirizacao-do-trabalho/