Em 20 meses, mais de 800
pessoas foram assassinadas em supostos confrontos com policiais militares em
São Paulo.
José Francisco Neto
Na saída da escola, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, os
adolescentes Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, ambos de 17 anos, estavam em
uma motocicleta quando foram parados por policiais militares. O que era para
ser uma abordagem rotineira terminou no assassinato dos dois garotos. Mesmo sem
reagir, conforme depoimento de testemunhas feito na Ouvidoria de Polícia, o
caso foi registrado no Boletim de Ocorrência (B.O) como “resistência seguida de
morte”.
Segundo consta nos laudos de exame de corpo de delito, a maioria dos
tiros alvejaram os jovens pelas costas. Também não foram detectados resíduos de
chumbo nas mãos dos adolescentes, de acordo com a perícia. Atualmente, o
processo do caso passa por uma reconstituição, pois ele desapareceu no departamento
investigativo.
Esse episódio, que ocorreu no dia 31 de novembro de 2011, compõe um dos
806 registrados como morte decorrente de supostos confrontos com policiais
militares entre janeiro de 2011 e setembro de 2012 em São Paulo, segundo dados
oficiais da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP). A forte pressão popular
frente ao alto número de homicídios fez com que a SSP determinasse no dia 8 de
janeiro a substituição dos registros “auto de resistência” e “resistência
seguida de morte” por “morte decorrente de intervenção policial” ou “lesão
corporal decorrente de intervenção policial” nos boletins de ocorrência.
A recomendação partiu da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República (SDH-PR), após uma série de atos públicos realizados pelas
organizações sociais que compõem o Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra
e Periférica.
André Alcântara, advogado e coordenador do Centro de Defesa da Criança e
do Adolescente (Cedeca) – que representa as famílias dos menores – acredita que
a apuração poderia ter ocorrido à época, caso vigorasse essa resolução. Ele
ressalta que quando se trata de uma ocorrência registrada como “resistência
seguida morte”, o processo fica arquivado e as vítimas são responsabilizadas
pelo crime.
“Então você possibilita que o processo se perca. Se esse caso fosse
registrado como homicídio, ia para um júri, portanto, ficaria mais fácil de ter
o julgamento. Mas na resistência seguida de morte, as vítimas ficam como os
autores do crime”, explica Alcântara.
Investigação e legislação
Para Camila Nunes, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP
(NEV-USP), a substituição dos termos “resistência seguida de morte” para “morte
decorrente de intervenção policial” apenas altera o pressuposto do registro.
“Mas o mais importante é a busca da investigação desses crimes e a
responsabilização do caso comprovado. O policial tem que ser julgado assim como
qualquer cidadão comum que comete homicídio”, esclarece.
A opinião de advogados ouvidos pelo Brasil de Fato vai
ao encontro do que pensa a pesquisadora. Isso porque, de acordo com eles, o
registro “morte sobre intervenção policial” não está previsto no Código Penal.
Alegam ainda que qualquer pessoa que comete um homicídio, sendo ou não em
legítima defesa, responde o artigo 121 (homicídio). Somente após o delegado
verificar se o indivíduo agiu em legítima defesa, pela descrição da ocorrência
que é feita na delegacia, é que ele poderá responder em liberdade.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Polícia Militar não
se manifestou sobre a substituição dos registros de ocorrência determinada pela
Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.
Descentralização
As ocorrências envolvendo a antiga “resistência” são investigadas pelo
Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP). Dando sequência às
reformulações, o secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, anunciou que
vai reestruturar o órgão para melhorar os números de esclarecimentos de crimes
contra a vida.
Atualmente, o Departamento possui cerca de 4 mil inquéritos esperando
para serem esclarecidos. Grella disse ainda que algumas ocorrências serão
transferidas para área territorial e outras mais complexas serão preservadas no
DHPP.
José Francisco Neto – 16.01.2013
IN
Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/node/11599