Quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não,
homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um
índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar
um ciclista?
Sabemos, sem mencioná-lo publicamente, que essa alteração na lei
visa apenas os filhos dos "outros". Estes outros são os mesmos, há
500 anos. Os expulsos da terra e "incluídos" nas favelas. Os
submetidos a trabalhos forçados.
Maria Rita Kehl
Sou obrigada a
concordar com Friedrich Nietzche: na
origem d demanda por justiça está o desejo de vingança. Nem por isso as duas
coisas se equivalem. O que distingue civilização de barbárie é o empenho em
produzir dispositivos que separem um de outro. Essa é uma das questões que
devemos responder a cada vez que nos indignamos com as consequências da
tradicional violência social em nosso país.
Escrevo “tradicional”
sem ironia. O Brasil foi o único país livre no Ocidente a abolir a prática
bárbara do trabalho escravo. Durante três séculos, a elite brasileira capturou,
traficou, explorou e torturou africanos e seus descendentes sem causar muito
escândalo.
Joaquim Nabuco percebeu
que a exploração do trabalho escravo perverteria a sociedade brasileira – a começar
pela própria elite escravocrata. Ele tinha razão.
(...)
Maria Rita Kehl – Psicanalista, foi membro da
Comissão Nacional da Verdade – 14.06.2015.
IN Folha de São
Paulo, Opinião.