A equivalência da política
à corrupção é um dos discursos generalizados que trabalha para a destruição da
democracia, afastando as pessoas da política e produzindo um sentimento de
rejeição aos partidos políticos, à classe política e às instituições políticas.
Da maneira como se tem
posto nos últimos quinze anos, a aversão discursiva à corrupção tem se
transformado em a versão à política e à própria democracia. Quando combinado ao
discurso de ódio, o discurso anticorrupção sinaliza que é capaz de suportar o
sacrifício da democracia e apoiar a eliminação do “outro corrupto” da vida
política, em uma clara distorção do objetivo básico do combate à corrupção – ou
seja, o reforço dos princípios republicano e democrático de controle pela
soberania popular.
Luciana Ballestrin
Em 2016, o controverso e duvidoso impeachment de Dilma Rousseff
institucionalizou o mergulho em um profundo processo de desdemocratização no
Brasil. Do ponto de vista internacional, isso representou uma das primeiras
inflexões pós-democráticas no sul global; regionalmente, sinalizou o
esgotamento dos regimes pós-neoliberais, somando-se ao caso paraguaio de
ruptura democrática por dentro de suas próprias instituições.
Nacionalmente, a dinâmica de desdemocratização em curso sugere um momento
de transição política[1], marcado pela suspensão do tempo político e pela
incerteza das regras mais básicas do seu jogo institucional. Dessa perspectiva,
o Brasil recupera e revigora o histórico enredo latino-americano dos golpes
contra a democracia no século XX, ainda que desta vez sem o protagonismo
militar. Obviamente, esse processo não se anuncia como tal, piorando a angústia
diante da pergunta ainda não respondida: afinal, para qual regime político
caminha o Brasil?
Uma pista pode ser encontrada na literatura internacional sobre
pós-democracia e desdemocratização, dividida em duas linhas principais. Uma
primeira, de caráter mais filosófico[2], concentra-se na desconstituição e
desagregação do campo político. Argumenta-se que isso está relacionado com a
eliminação do conflito pelo discurso neoliberal, que tornou os princípios do
consenso, da neutralidade e da técnica hegemônicos para a condução eficiente
dos governos (governança).
De outra parte, o desaparecimento do povo e a dissolução de sua soberania
como principal fundamento democrático constitui “a democracia sem demos”,
ocorrendo por dentro das próprias instituições democráticas e possibilitando o
esvaziamento da democracia sem sua extinção formal[3].
(...)
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Luciana Ballestrin – Professora da Universidade Federal de Pelotas – 23.11.2017.
IN Justificando.