quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fora dos trilhos



Modernizar não é comprar trem. O fundamental é reduzir a frequência. Há muito poderíamos contar com 290 km a mais de metrô

Eduardo Fagnani
O debate sobre os transportes públicos é desalentador. Ao lado da esgotada opção pelo ônibus (na forma de corredores), emergem "soluções" elitistas (bicicletas) e utópicas (restrição ao uso do automóvel, pedágio, carona, rodízio etc.). Bicicleta é bom para quem mora em Higienópolis (centro) e trabalha no Pacaembu (zona oeste). Não serve para a minha empregada, que mora no Capão Redondo (zona sul) e trabalha no Butantã (zona oeste). Usar automóvel não é ato de vontade, mas falta de opção.
O problema remonta à década de 1950. A acelerada urbanização não foi acompanhada de ação pública. O setor nunca foi prioridade, e usuários sempre foram tratados como gado.
Em metrópoles europeias, o transporte coletivo prepondera ante o individual. No universo dos meios coletivos, metrô e trem respondem pela maioria das viagens; o ônibus tem papel suplementar.
Caracas e Cidade do México seguem esses parâmetros. Aqui, ocorre o inverso. Entre 1967 e 2007, a participação dos meios coletivos declinou (de 68% para 55%) em favor do automóvel.
No âmbito exclusivo das viagens coletivas, em 2007, o ônibus respondia por 78% dos deslocamentos, ante 16% do metrô e 6% do trem.
Iniciamos tarde o investimento em transporte público e não recuperamos o tempo perdido. Desde 1968, construímos, em média, 1,7 km de metrô ao ano. Na Cidade do México e em Santiago, o ritmo é superior -4,4 km e 2,6 km, respectivamente. Xangai constrói 21 km/ ano desde 90. Aqui, as obras da linha amarela (de 12 km) já levam 16 anos.
O indicador "população por km de linha" evidencia a reduzida oferta.
Em 2009, figurávamos entre as dez piores situações globais (278 mil pessoas/km), distantes da Cidade do México (94 mil) e de Santiago (55 mil) e da maioria das aglomerações(entre 10 e 30 mil).
Nosso metrô é um dos mais superlotados do mundo (27mil passageiros por km de linha), taxa superior às da Cidade do México, de Buenos Aires, de Santiago (entre 15 e 19mil) e da maior parte das metrópoles mundiais (inferior a 10 mil).
Com a privatização, o metrô tem de dar lucro. Nos últimos 20 anos, a tarifa subiu quase o dobro da inflação. Em 2009, nossa tarifa (€ 0,99) era semelhante à de Lisboa (€ 1,05). Todavia, o lisboeta trabalhava 14 minutos para comprar um Big Mac; o paulistano, 40. Cidades latinas possuíam tarifas inferiores: Santiago (€ 0,72); Bogotá (€ 0,57); Buenos Aires (€ 0,31) e México (€ 0,18).
Não priorizamos a modernização dos 290 km da CPTM, que demanda investimentos muito menores (pois evita desapropriações e subterrâneos). Em 2007, o metrô (60 km) transportou 2,2 milhões de pessoas/ dia, enquanto a CPTM (290 km) se restringia a 800 mil. Essa disparidade é explicada pela rápida frequência do metrô. Modernizar não é comprar trem. O fundamental é reduzir a frequência. Há muito poderíamos contar com 290 km adicionais de metrô.
O governo estadual é o principal responsável pela crise, seguido pelo município, que não investe no sistema. A União também foi omissa: em 1990, o tema saiu da agenda, só retornando em 2007(via PAC).
Precisamos elaborar uma política nacional assentada na responsabilidade compartilhada entre os entes federativos e ancorada em fontes de financiamento sustentadas.
O Brasil pode resolver essa questão no curto prazo. Estima-se que meio ponto a mais na taxa de juros tenha um custo de R$ 15 bilhões -o suficiente para construir mais da metade da rede de metrô paulistana.
Transporte público em metrópoles do porte das capitais brasileiras requer sistemas de alta capacidade.
Isso é o que separa a civilização da barbárie. Transporte é um direito do cidadão, e não apenas do torcedor da Copa do Mundo.


Eduardo Fagnani – Professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp – 08.09.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0809201107.htm








Metrô não acompanha demanda, atrasa e superlota; número de panes quase dobrou

Segundo sindicato da categoria, sistema sofre de automação, terceirização, carência de profissionais e de investimento


Jessika Marchiori  
São Paulo – Os testes de um novo sistema de sinalização chamado CBTC, sigla em inglês para Controle de Trens Baseado em Comunicação – em português mais claro, trens operados remotamente – , e o aumento da demanda estão entre as explicações para as falhas constantes no metrô de São Paulo. O número de ocorrências passou de 32 em 2010 para 59 em 2011, e as queixas têm sido frequentes neste ano.
O presidente da Federação Nacional dos Metroviários e secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Paulo Pasin, afirma que as falhas aumentam porque o sistema deveria ter sido ampliado há muito tempo: “Os sucessivos governos não deram a atenção devida e estamos com um sistema extremamente defasado. Se não houver uma expansão, a população será cada vez mais penalizada.”
O CBTC começou a ser instalado há um ano e meio, em caráter experimental, na linha 2 - Verde, entre as estações Vila Prudente e Sacomã. Segundo Pasin, em vez de solucionar problemas, o modelo provoca ainda mais falhas. “O novo sistema tem ocasionado problemas a uma linha que não tinha muitas ocorrências.” Com a circulação dos trens prejudicada, os efeitos da superlotação se agravam. As panes vão de bloqueios de portas por usuários a defeitos técnicos nos sistemas de controle das composições.
Os novos trens não possuem portas laterais e isso dificulta o trabalho dos operadores nas falhas conhecidas como "carrossel". Quando há um pouco mais de demora para resolver o problema, o reflexo se dá em todas as estações e a consequência é a paralisação dos trens. “Quando o trem fica desenergizado, o ar-condicionado desliga. Falta ventilação e a operação para a abertura de portas é muito maior”, alerta Pasin.
A superlotação e a falta de trens são as principais queixas dos usuários do metrô. Rosana Moreira, auxiliar de cobrança, que mora na Vila Ema, na zona leste da capital, reclama dos trens lotados e do tempo que perde para conseguir embarcar. “A fila é imensa nas estações e para embarcar é uma dificuldade”, reclama.
De acordo com dados fornecidos pelo Metrô, a linha 2 Verde concentra o maior número de paralisações. Os casos mais que triplicaram no período, subindo de sete (2010) para 24 (2011).
A falta de funcionários é um outro grave problema apontado por Pasin. O aumento no número de funcionários poderia resolver parte dos problemas crônicos do transporte metroviário. “Mais operadores de trens durante o dia ajudaria a reduzir as paralisações, a melhorar o atendimento e a segurança e aliviaria um pouco a superlotação.”
O comerciante Carlos Augusto Cerqueira, que pela primeira vez fazia a viagem da Penha, também na zona leste, para o centro de São Paulo, se assustou com a situação. “Saí de casa às 6h20 e estou chegando às 7h58. Para embarcar tive de ir até a estação Itaquera e esperei mais 20 minutos. É muito cheio e para ‘melhorar’ ainda mais a situação,as pessoas ficam na porta e quem precisa sair primeiro enfrenta outro transtorno”.
Pasin destaca ainda como agravante da situação a terceirização dos serviços. De acordo com ele, cada vez mais se retira do metroviário a função de cuidar da manutenção da rede, o que não garante a qualidade do serviço. “Quando a função é exercida pelos metroviários a qualidade é muito maior. Nossa capacidade é reconhecida internacionalmente e não é à toa que a companhia dá consultoria para a construção de muitos metrôs por aí. Infelizmente, a terceirização é política do governo do estado”, avalia o sindicalista.

Jessika Marchiori – 14.03.2012



Atrás de México, Santigo e Buenos Aires

o serviço poderia ser muito melhor se não fosse a lentidão com o que o governo do Estado investe no sistema, que começou a operar nos anos 1970 e possui 70 quilômetros de extensão divididos em cinco linhas.

Jessika Marchiori
O metrô paulistano é tido como um dos mais modernos do mundo, mas o serviço poderia ser muito melhor se não fosse a lentidão com o que o governo do Estado investe no sistema, que começou a operar nos anos 1970 e possui 70 quilômetros de extensão divididos em cinco linhas. A média diária de passageiros é de 3,4 milhões, sendo que a cidade tem quase 12 milhões de habitantes e é o centro de uma Região Metropolitana com 20 milhões de pessoas.
A Cidade do México, centro de um conglomerado urbano com o mesmo número de habitantes, começou seu sistema metroviário na mesma época que o de São Paulo e já chegou a 202 quilômetros em suas 11 linhas.
A Grande Santiago, no entorno na capital do Chile, também inaugurou sua primeira linha em meados dos anos 1970. Com 6,6 milhões de habitantes, a cidade é servida por 105 quilômetros e cinco linhas de metrô, e deve chegar a 120 quilômetros em 2014.
Buenos Aires, na Argentina, começou a construir suas linhas subterrâneas no início do século 20. Hoje conta com 56 quilômetros em seis linhas, para uma população de 3 milhões de pessoas.


Jessika Marchiori – 14.03.2012