sábado, 29 de setembro de 2012

País menos desigual da América do Sul, Venezuela é cenário de forte confrontação política


Fenômeno acontece apesar da redução da diferença de renda e da manutenção do padrão de consumo dos mais ricos.


Breno Altman, Jonatas Campos e Marina Terra 
Um dos paradigmas mais aceitos na ciência política, ao estudar comportamentos eleitorais, está na constatação que a diminuição dos abismos sociais e o fortalecimento da classe média tendem a enfraquecer o embate político-ideológico. Quem for aplicar essa lógica na Venezuela, porém, dará com os burros n'água. A disputa entre os campos chavista e antichavista se acirra na mesma proporção em que o país se torna socialmente mais homogêneo, alcançando o topo do ranking sul-americano de distribuição da renda.
“A politização de todas as classes sociais, radicalizada desde a eleição do presidente Chávez, conduz a um posicionamento que vai além de interesses imediatos dos diversos setores”, analisa Jesse Chacon, diretor da GIS XXI (Grupo de Investigação Social Século XXI). “Aqui esquerda e direita, governo e oposição, vão às ruas para disputar projetos nacionais, que ultrapassam reivindicações pontuais, benefícios econômicos ou avanços sociais.”
Participante da rebelião militar de 1992, quando o atual presidente lançou-se na tentativa de derrubar a IV República, Chacón era então um jovem tenente que acabou atrás das grades junto com seu chefe. Engenheiro de sistemas e mestre em telemática, já foi ministro das Comunicações, do Interior e de Ciência e Tecnologia no atual governo. Com 46 anos, dedica-se a estudar a dinâmica político-social da Venezuela.
“O ponto central de tensão é que os proprietários dos meios de produção estão deixando rapidamente de ser os donos do poder político, o que provoca forte reação dos extratos mais altos e seu entorno”, ressalta. “A renda média dos 20% mais ricos não foi afetada, tampouco seu estilo de vida, mas percebem que não detém mais o comando sobre o Estado e a sociedade, o que lhes provoca medo e raiva.”
Nos setores mais pobres, atendidos por amplo repertório de políticas sociais e distributivistas, o comportamento é igualmente ditado por motivações que extrapolam conquistas ou expectativas econômicas. A combustão dessas camadas, tendo na melhoria de vida seu pano de fundo, determina-se também pelo esforço do presidente em travar permanentemente batalhas por ideias e valores.
Desde o início de seu governo, mas de forma mais ampla depois do golpe de Estado em 2002, Chávez trata de ocupar o máximo de espaço nos meios de comunicação. Seu discurso é voltado, quase sempre, para identificar cada movimento de seu governo como parte de um processo revolucionário, ao mesmo tempo em que fermenta entre seus seguidores um sentimento de repulsa aos adversários das mudanças em curso.
Avesso à lógica da conciliação, o presidente fez uma aposta pedagógica que aparentemente tem sido bem-sucedida: quanto maior a polarização, quanto mais cristalino o confronto entre pontos de vista, mais fácil seria criar uma forte e mobilizada base de sustentação. Para os bons e os maus momentos.
A princípio, o fio condutor da pedagogia chavista foi o resgate da história e do pensamento de Simón Bolívar, o patriarca da independência venezuelana, chefe político-militar da guerra anticolonial contra os espanhóis no século XIX. Por esse caminho, Chávez imprimiu ao seu projeto forte marca nacionalista, que contrapôs aos novos senhores coloniais (os Estados Unidos) e seus aliados internos (a elite local).
Aos poucos, juntou-se ao bolivarianismo original a sintaxe do socialismo histórico. Esse amálgama entre nacionalismo de raiz e valores da esquerda passou a ser difundido amplamente como código cultural que dá cara e cor às realizações do governo. O presidente foge, assim, da receita na moda, mesmo entre correntes progressistas, de carimbar a política como uma questão de eficácia. Para usar o velho jargão, Chávez é um político da luta de classes, na qual aposta para isolar e derrotar seus inimigos.
A oposição, animada pela predominância nos meios de comunicação, também colocou suas fichas no enfrentamento aberto. Além das reservas midiáticas, sempre contabilizou a seu favor forças econômicas e relações internacionais para mobilizar as camadas médias contra o governo. Mesmo após o golpe e o locaute de 2002, no auge da polarização, os partidos antichavistas deram continuidade à estratégia da colisão.

Classe C
Mas ambos os lados atualmente têm que levar em conta um novo fenômeno. Mais de 30% da população trocou de extrato social. Migraram dos segmentos mais pobres para o que a sociologia das pesquisas chama de classe C – mais propriamente, viraram classe média.
O campo opositor se vê obrigado a reconhecer certos avanços no terreno social, ao contrário do rechaço absoluto anterior. A campanha de Capriles promete preservar as missões sociais, apesar de propor em seu plano de governo a eliminação do Fonden, fundo de financiamento dos programas abastecido com dinheiro do petróleo. Além disso, modera relativamente sua mensagem, para poder dialogar com os setores beneficiados pela V República.
Para os governistas também surgem novas questões. “O problema do processo é disputar corações e mentes desse novo contingente de classe média”, afirma Chacón. “Muitos dos que ascenderam socialmente graças às iniciativas governamentais abraçaram os valores morais e culturais das elites, cujo modo de vida é sua referência”. O ex-militar focaliza especialmente a preservação das aspirações consumistas, o desapego a projetos e organizações coletivos, a negação da identidade original de classe e, às vezes, até de raça.
As pesquisas diversas, tantos as do GISXXI quanto dos institutos próximos à oposição, apontam que emergiu, nos últimos anos, um grupo de eleitores informalmente referidos como os ni-ni . Ou seja, sem alinhamento automático com Chávez ou com seus inimigos. A maioria de seus integrantes é parte dessas camadas ascendentes.
Os ni-ni chegam a representar ao redor de 40% dos eleitores, contra igual montante de adeptos firmes do chavismo e 20% de oposicionistas fiéis. A esquerda, contudo, tem colhido resultados que ultrapassam suas fronteiras, graças à combinação entre satisfação popular com programas governamentais (especialmente o da habitação) e o clima afetivo de solidariedade provocado pelo cãncer de Chávez. O presidente vem beirando, nas pesquisas mais confiáveis, os 60% de intenção eleitoral para o pleito de outubro, abrindo vantagem de 15% a 30% contra Capriles.
Esses números indicam que os ni-ni estão se repartindo entre os dois polos. Apesar de essa tendência ser favorável à reeleição do presidente, até com certa folga, a busca dos apoios nessa fatia do eleitorado continua frenética. “Se a campanha de Chávez reconquista uma parte maior desse setor, poderá ser construída uma vantagem ainda mais expressiva”, destaca Chacón.

Estratégias
Um dos aspectos da estratégia para vencer resistências entre esses setores híbridos, ao que parece, é desmontar a ideia, em grande medida forjada pelos veículos de comunicação vinculados à oposição, de que Chávez pretende liquidar com a propriedade privada e colocar toda a atividade econômica nas mãos do Estado.
“O processo aumentou o número de proprietários no país, especialmente depois que começou a reforma agrária”, afirma o diretor da GISXXI. “O programa da revolução se volta contra os monopólios, fortalece o Estado, mas abre espaço para vários tipos de propriedade, de caráter privado, cooperativo ou social. O governo precisa definir melhor o papel de cada uma dessas modalidades para enterrar a imagem de fundamentalismo estatista que a oposição tenta vender.”
O candidato oposicionista, por sua vez, tem problema inverso. Representante de uma aliança formada por grandes empresários (como a cervejaria Polar, o grupo agroindustrial Mavesa e companhia alimentícia Alfonzo Rivas, entre outros), Capriles precisa convencer que é capaz de absorver ao menos parte das medidas que, desde 1999, favoreceram os 80% de eleitores que não estão nas classes A e B.
Seu programa de governo não ajuda muito. Mesmo tendo abrandado suas críticas às políticas sociais do presidente, o ímpeto privatista está presente e com força. Não apenas fala em reduzir o Estado, reverter nacionalizações ou tirar a PDVSA do controle estatal, mas defende explicitamente que as terras desapropriadas dos grandes latifundiários voltem às mãos dos antigos donos. “Primeiro, precisamos acabar com as expropriações, devemos trazer a segurança ao campo, dar confiança a partir do governo”, afirmou Capriles em recente coletiva de imprensa.
Qualquer que seja o resultado, no entanto, a administração de Hugo Chávez terá conseguido um feito que merece análise apurada de cientistas políticos. Ao contrário do que acontece na maioria dos países, nos quais o marketing domesticou a política e oculta a disputa de ideias para atender o gosto do eleitor. Na Venezuela sequer as necessidades eleitorais diluem a batalha frontal entre programas.


Breno Altman, Jonatas Campos e Marina Terra – Jornalistas – 22.08.2012

 

 

Chávez en campaña



Aunque agresivas campañas de propaganda pretenden que, en la Venezuela bolivariana, los medios de comunicación están controlados por el Estado, la realidad –verificable por cualquier testigo de buena fe– es que apenas un 10% de las emisoras de radio son públicas, el resto, o sea el 90%, son privadas. Y únicamente el 12% de los canales de televisión son públicos, el resto, o sea un 88%, son privados o comunitarios. En cuanto a la prensa escrita, los principales diarios El Universal y El Nacional, son privados y sistemáticamente hostiles al Gobierno.

Ignacio Ramonet
Es la decimocuarta. Desde que ganó sus primeras elecciones presidenciales en diciembre de 1998, Hugo Chávez se ha sometido ya –directa o indirectamente– trece veces al sufragio de los electores de Venezuela. Casi siempre ha ganado (1), en condiciones de reconocida legalidad democrática, avalada por las misiones de observadores enviadas por las instituciones internacionales más exigentes (ONU, Unión Europea, Centro Carter, etc.). 
El sufragio del próximo 7 de octubre constituirá pues la decimocuarta cita del mandatario con los ciudadanos venezolanos (2). Esta vez, lo que se juega es su reelección a la presidencia. La campaña electoral oficial arrancó el pasado 1 de julio con dos singularidades notables con respecto a precedentes votaciones. Primero, Hugo Chávez está saliendo de trece meses de tratamiento contra el cáncer detectado en junio de 2011. Segundo, la principal oposición conservadora apuesta esta vez por la unidad. Se ha reagrupado en el seno de una Mesa de la Unidad Democrática (MUD) que, después de unas primarias, eligió como candidato, el pasado 12 de febrero, a Henrique Capriles Radonski, un abogado de 40 años, gobernador del Estado Miranda.
Hijo de una de las familias más ricas de Venezuela, Henrique Capriles fue uno de los artífices del golpe de Estado del 11 de abril de 2002 y participó, junto con un grupo de putschistas, en el asalto a la embajada de Cuba en Caracas (3). Aunque procede de la organización ultraconservadora Tradición, Familia y Propiedad (4) y es apoyado por los sectores más derechistas (entre ellos los medios masivos de comunicación privados que siguen ­dominando ampliamente la información), Capriles hace hábilmente campaña reivindicando todos los logros sociales del gobierno bolivariano. Y hasta jura que su modelo político es el izquierdista del ex Presidente brasileño Luiz Inácio Lula da Silva (5)... Pero, sobre todo, apuesta por el debilitamiento físico del Presidente ­Chávez (6).
En esto se equivoca. El autor de estas líneas, presente el pasado mes de julio en Venezuela, siguió las dos primeras semanas de campaña del Presidente, conversó varias veces con él, asistió a algunos de sus extenuantes mítines multitudinarios. Y puede testimoniar de su buena salud y de su excepcional forma física e intelectual. 
Desmintiendo las falsas noticias que han circulado en algunos medios de comunicación (The Wall Street JournalEl País) según los cuales, a causa de supuestas “metástasis en los huesos y en la espina dorsal”, le quedarían apenas “seis o siete meses de vida”, Chávez –que cumplió 58 años el 28 de julio– reveló para consternación de sus adversarios: “Estoy totalmente libre de enfermedad; cada día me siento en mejores condiciones”. 
Y, a los que apostaban por una presencia virtual del líder venezolano en la campaña, les volvió a sorprender anunciando su decisión de “retomar las calles” y empezar a recorrer los rincones de Venezuela para alcanzar su tercer mandato: “Dijeron de mí: ‘Ese va a estar encerrado en Miraflores (el palacio presidencial) en una campaña virtual, por Twitter y vídeo’; se burlaron de mí como les dio la gana, pues aquí estoy de nuevo, retornando, con la fuerza indómita del huracán bolivariano. Ya extrañaba yo el olor de las multitudes y el rugir del pueblo en las calles”.
Este rugir, pocas veces lo he oído tan poderoso y tan fervoroso ­como en las avenidas de Barcelona (Estado ­Anzoátegui) y de Barquisimeto (Estado Lara) que acogieron a Chávez los ­pasados días 12 y 14 de julio respectivamente. Un océano de pueblo. Una torrentera escarlata de banderas, de símbolos y de camisas rojas. Un maremoto de gritos, de cantos, de pasiones, de arrebatos. 
A lo largo de kilómetros y kilómetros, en lo alto de un camión colorado que avanzaba hendiendo la multitud, Chávez saludó sin descanso a los centenares de miles de simpatizantes que acudieron a verle en persona por vez primera desde su enfermedad. Con lágrimas de emoción y besos de agradecimiento hacia un hombre y un gobierno que, respetando las libertades y la democracia, han cumplido con los humildes, pagado la deuda ­social y dado a todos, por fin, educación gratuita, empleo, seguridad social y vivienda.
Para despojar a la oposición de la mínima esperanza, Chávez, en los largos discursos electorales que pronunció sin dar muestras de fatiga, empezó diciendo: “Soy como el eterno ­retorno de Nietzsche, porque en realidad yo vengo de varias muertes... Que nadie se haga ilusiones, mientras Dios me dé vida estaré luchando por la justicia de los pobres, pero cuando yo me vaya físicamente me quedaré con ustedes por estas calles y bajo este cielo. Porque yo ya no soy yo, me siento encarnado en el pueblo. Ya Chávez se hizo pueblo y ahora somos millones. Chávez eres tú, mujer. Chávez eres tú, joven, Chávez eres tú, niño; eres tú, soldado; son ustedes, pescadores, agricultores, campesinos y comerciantes. Pase lo que me pase a mí, no podrán con Chávez, porque Chávez es ahora todo un pueblo invencible”.
En sus intervenciones, no dudó incluso en criticar duramente a algunos gobernadores y alcaldes de su propio partido que han fallado en sus compromisos con los electores: “Me he convertido en el primer opositor”, declaró. Aunque también advirtió: “Uno puede criticar a la revolución, pero no puede votar a la burguesía; eso sería traición. A veces podemos fallar, pero tenemos en el corazón amor de verdad por el pueblo”.
Orador fuera de serie, sus discursos son amenos y coloquiales, ilustrados de anécdotas, de rasgos de humor y hasta de canciones. Pero son también, aunque no lo parezcan, verdaderas composiciones didácticas muy elaboradas, muy estructuradas, preparadas de manera muy seria y profesional, con objetivos concretos. Se trata, en general, de transmitir una idea central que constituye la avenida principal de su recorrido discursivo. En esta campaña va exponiendo y explicando metódicamente su programa (7). 
Pero, para no aburrir, ni ser pesado, Chávez se aparta a menudo de esa avenida principal y realiza lo que podríamos llamar excursiones en campos anexos (anécdotas, recuerdos, chistes, poemas, coplas) que no parecen tener nexo con su propósito central. Sin embargo, siempre lo tienen. Y eso le permite al orador, después de haber aparentemente abandonado por bastante tiempo su curso central, regresar a él y retomarlo en el punto exacto donde lo dejó.  Lo cual, de modo subliminal, produce un prodigioso efecto de admiración en el auditorio. Esa técnica retórica le permite declamar discursos de muy larga duración.
En sus recientes discursos electorales, Chávez compara las políticas de demolición del ­Estado de bienestar (cita, en particular, los brutales recortes realizados por Mariano Rajoy en España) que se están llevando a cabo en varios países de la Unión Europea y los importantes logros sociales de su gobierno empeñado en seguir “construyendo el socialismo venezolano”.
En sus catorce años de existencia (1999-2012), la Revolución Bolivariana ha conseguido, en el ámbito regional, considerables avances: creación de Petrocaribe, de Petrosur, del Banco del Sur, del ALBA, del Sucre (sistema único de compensación regional), de la Unasur, de la Celac, el ingreso de Caracas en el Mercosur... Y tantas otras políticas que han hecho de la Venezuela de Hugo Chávez un manantial de innovaciones para avanzar hacia la definitiva independencia de América Latina.
Aunque agresivas campañas de propaganda pretenden que, en la Venezuela bolivariana, los medios de comunicación están controlados por el Estado, la realidad –verificable por cualquier testigo de buena fe– es que apenas un 10% de las emisoras de radio son públicas, el resto, o sea el 90%, son privadas. Y únicamente el 12% de los canales de televisión son públicos, el resto, o sea un 88%, son privados o comunitarios. En cuanto a la prensa escrita, los principales diarios El Universal y El Nacional, son privados y sistemáticamente hostiles al Gobierno.
La gran fuerza del Presi­dente Chávez es que su acción ­concierne ante todo a lo social (salud, alimentación, educación, vivienda), lo que más interesa a los venezolanos humildes (75% de la población). Consagra el 42,5% del presupuesto del Estado a las inversiones sociales. Ha dividido por la mitad la tasa de mortalidad infantil. Erradicado el analfabetismo. Ha multiplicado por cinco el número de maestros en las escuelas públicas (de 65.000 a 350.000). Venezuela es hoy el segundo país de la región con mayor número de estudiantes matrículados en educación superior (83%), detrás de Cuba pero delante de Argentina, Uruguay y Chile; y es el quinto a ­escala mundial superando a Estados Unidos, Japón, China, Reino Unido, Francia y España.
El gobierno bolivariano ha generalizado la sanidad y la educación gratuitas; ha multiplicado la construcción de viviendas; ha elevado el salario mínimo (el más alto de América Latina); ha concedido pensiones de jubilación a todos los trabajadores (incluso a los informales y a las amas de casa) y a todos los ancianos pobres aunque nunca hayan cotizado; ha mejorado las infraestructuras de los hospitales; ofrece a las familias modestas alimentos, mediante el sistema Mercal, un 60% más baratos que en los supermercados privados; ha limitado el latifundio a la vez que favorece la producción del doble de toneladas de alimentos; ha formado técnicamente a millones de trabajadores; ha reducido las desigualdades; ha rebajado en más del triple la pobreza; ha disminuido la deuda externa; ha acabado con la antiecológica pesca de arrastre; ha impulsado el ecosocialismo...  
Todas estas acciones, llevadas a cabo desde hace casi 14 años de manera ininterrumpida, explican el apoyo popular a Chávez, el cual promete en su campaña: “Todo lo que hemos hecho es pequeño con respecto a lo que vamos a hacer”.
He sido testigo de que millones de personas humildes lo ­veneran como a un santo. Él  –que fue un niño muy pobre, vendedor ambulante de dulces por las calles de su pueblo–, repite con calma: “Soy el candidato de los humildes, y me consumiré al servicio de los ­pobres”. Seguramente lo hará. Una vez, la escritora Alba de Céspedes le preguntó a Fidel Castro cómo podía haber hecho tanto por su pueblo: educación, salud, reforma agraria, etc. Y Fidel simplemente le dijo: “Con gran amor”. A propósito de ­Venezuela, Chávez podría responder lo mismo. ¿Y qué contestarán los electores venezolanos? Respuesta el 7 de ­octubre. 


(1) Sólo perdió, por ínfimo márgen, el referéndum del 2 de diciembre de 2007 sobre un “proyecto de reforma constitucional”.
(2) Además de Hugo Chávez,  otros seis candidatos se presentan a las eleciones del 7 de octubre: Henrique Capriles Radonski, por  Mesa de la Unidad (MUD), Orlando Chirinos, por el Partido Socialismo y Libertad (PSL), Yoel Acosta Chirinos por el partido Vanguardia Bicentenaria Republicana (VBR), Luis Reyes Castillo por la “Organización Renovadora Auténtica” (ORA), María Bolívar por el Partido Democrático Unidos por la Paz y la Libertad (Pdupl) y Reina Sequera por el partido Poder Popular (PP).
(3) Léase Gilberto Maringoni, “En Venezuela, Chávez sigue favorito”, Le Monde diplomatique en español, mayo de 2012. Léase también: Romain Mingus, “Henrique Capriles, candidat de la droite décomplexée du Venezuela”, Mémoire des luttes, 28 de febrero de 2012. http://www.medelu.org/Henrique-Capriles-candidat-de-la
(4) Fue cofundador de su rama venezolana.
(5) Lula le envió, el pasado 6 de julio, a Chávez, un mensaje público en el que le aportó pleno apoyo en su campaña electoral, afirmando: “Tu victoria será nuestra victoria”.
(6) A mediados de julio pasado, las principales encuestas de opinión daban un ventaja a Chávez de entre 15 a 20 puntos sobre el candidato de la derecha Henrique Capriles.
(7) Propuesta del candidato de la patria Comandante Hugo Chávez para la gestión bolivariana socialista 2013-2019, Comando Campaña Carabobo, Caracas, junio de 2012.


Ignácio Ramonet – Escritor e jornalista espanhol editor da Le Monde – agosto de2012

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os desafios da representação política


Em linhas gerais, o liberalismo fracassou ao estabelecer que os representantes se mantivessem formal e voluntariamente vinculados aos eleitores. É cada vez maior o nível de insatisfação dos cidadãos comuns com a representação. O que temos atualmente em grande medida são sistemas políticos sem regras formais de interação eleito-eleitor.

Cláudio André de Souza
O conceito de representação revela uma complexidade historicamente situada no pensamento político moderno. A representação como conhecemos hoje originou-se do termo em latim repraesentare, sendo utilizado pelos romanos para darem significado a um ato de trazer literalmente à presença algo previamente ausente. A representação – a ação pela qual uma pessoa age por outra – passou a ter um sentido político a partir do século 17, aproximando-se da gramática política do projeto democrático.

O debate promovido pela filósofa e cientista política Hannah Pitkin (The Conception of representation, 1978) tornou-se fundamental na medida em que situou a representação como o ato de trazer à presença algo que se faz ausente, havendo um paradoxo entre o ato de tornar algo presente, seja concebido como standing for, nas suas acepções marcadas descritiva e simbolicamente, ou como acting for, ou seja, a representação no sentido de “tornar o ausente presente”. A representação tem como consequência a ausência de um autor (representado) e sua substituição por um ator (representante).

O tema da representação, assim, justifica-se através de uma razão liberal calcada em princípios individuais de impor limites a sociedade política (Estado). O liberalismo implica na ampliação da liberdade do indivíduo e diminuição do poder do Estado. A “minimização” dos cidadãos na gestão da sociedade política adequou-se a representação política de tipo liberal. Esse modelo de representação atribui funções ao representante enquanto um advocate, baseado em um mandato que deve satisfações aos eleitores, portanto, vinculado a defesa dos seus interesses particulares. Apesar do mandato vinculado surgir como princípio liberal, em contraposição ao mandato imperativo de caráter republicano, observa-se que a tradição socialista detinha semelhante crítica ao mandato livre. Para Marx, o mandato vinculado significava uma “representação propriamente dita”.

Em linhas gerais, o liberalismo fracassou ao estabelecer que os representantes se mantivessem formal e voluntariamente vinculados aos eleitores. É cada vez maior o nível de insatisfação dos cidadãos comuns com a representação. O cientista político Bernard Manin (Los Principios del gobierno representativo, Alianza Editorial, 1998) identifica nas sociedades contemporâneas um sentimento generalizado dos cidadãos em não se sentir representado. O que temos atualmente em grande medida são sistemas políticos sem regras formais de interação eleito-eleitor. Nesse sentido, a representação assume um caráter voluntário na performance da relação entre representante e representado.

As últimas três décadas no Brasil foram positivas, no que concerne a participação direta de cidadãos comuns em instâncias de poder local (conselhos gestores, fóruns, conferências e Orçamento Participativo) que permite altos níveis de politização e democratização da sociedade. Mesmo diante das contradições e limites do processo democrático brasileiro vivenciamos um espaço público constituído e potencializado nos últimos governos por meio do estabelecimento de políticas públicas que fomentam a participação política, essa característica, inclusive, aproxima a democracia brasileira dos demais governos da América Latina, preocupados em “repolitizar” a sociedade e o Estado. Nesse aspecto, a esquerda visa construir a democracia na América Latina favorecendo a participação como procedimento político, em consonância com a sociedade civil.

Os desafios da representação reconhecem as limitações de um governo baseado na participação direta dos cidadãos nos dias atuais. Essas limitações características foram estão presentes na tradição liberal e socialista. As experiências socialistas não foram capazes de eliminar a figura do parlamento e a representação como espaços de organização política. Isto é, a representação política e formas de participação tem amplificado um consenso de serem desejáveis e necessários às democracias contemporâneas.

As eleições municipais desse ano tornam-se um momento privilegiado para gerar compromissos que resultem na assunção de partidos e governos com maior representatividade. Os candidatos até podem estabelecer compromissos com novas formas de participação, mas essas iniciativas não substituem a existência e pertinência da representação no seio do poder democrático. É necessário repensar as relações e as instituições capazes de sustentar elos entre cidadãos comuns e representantes. A formulação de politicas que preze pela ampliação da participação e o debate em torno dos limites e possibilidades de uma representação democrática merecem um maior destaque nas eleições seja por parte dos partidos e membros da sociedade civil. 


Cláudio André de Souza - Cientista político, professor e Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA – 17.04.2012

domingo, 23 de setembro de 2012

Quem paga as campanhas milionárias?


Candidatos a vereador em São Paulo têm campanhas orçadas em até R$ 5 milhões. A pergunta a ser feita é não apenas de onde vêm os financiamentos, mas como serão pagos depois. Em quatro anos de mandato, um vereador recebe R$ 624 mil. Mesmo que não gaste um centavo, ele não tem como retribuir a gentileza. Como fechar a conta?

Gilberto Maringoni
A Folha de S. Paulo do último domingo (26 de agosto) publicou interessante matéria intitulada “Ex-ministros, Orlando Silva e Andrea Matarazzo disputam vaga de vereador em SP”. O primeiro personagem milita no PCdoB e teve um início de vida pobre. O segundo é filiado ao PSDB e exibe origem aristocrática. A reportagem descreve as iniciativas de ambos para atrair o eleitorado e ganhar votos.
O trecho mais importante da nota está no final:
“Matarazzo, que tem cerca de 200 funcionários, pretende investir até R$ 5 milhões. Ele calcula precisar de 40 mil votos. Silva contratou 100 pessoas e fixou o teto de gastos em R$ 3,5 milhões”. 
As afirmações não foram desmentidas. Logo, não há porque duvidar delas. Não se coloca aqui em dúvida a honestidade e a lisura dos candidatos.
As campanhas eleitorais duram três meses. Mesmo que haja investimentos preliminares – aluguel de sede para comitê, de carros e compra de equipamentos – o grosso do dinheiro é gasto entre julho e outubro. Na média, um milhão por mês.

Doações e retribuições
Essas quantias provêm das chamadas “doações” de campanha. É um dinheiro fornecido em sua maior parte por grandes empresas. Nada indica que os candidatos façam algo contrário à lei. As entradas e saídas são anotadas pelos comitês de cada um e submetidas ao escrutínio do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Doações de campanha não costumam ser doações de verdade. O eleito deve de alguma maneira retribuir o que foi investido em sua postulação. “Não existe almoço grátis”, dizia Milton Friedman (1912-2006), o guru dos economistas ortodoxos.
Em tese, o futuro parlamentar deveria pagar seus patrocinadores com o próprio dinheiro, para que não ficasse caracterizado algum tipo de troca de favores entre o eleito e o poder econômico.
No caso da Câmara de São Paulo, vale pensar como um vereador retribuiria tamanho aporte de recursos.
A partir de janeiro de 2013, o salário de um vereador paulistano chegará a R$ 15.031,76. É muito em relação ao que ganha a maioria da população, mas é pouco se comparado a salários de executivos de grandes corporações, que podem chegar a R$ 200 mil por mês. Em termos líquidos, o vencimento do parlamentar deve ficar em torno de R$ 12 mil, pagos 13 vezes ao ano.
Se multiplicarmos esses 13 salários ano por quatro anos de mandato, teremos um total líquido de cerca de R$ 624 mil reais. É todo o ganho salarial do parlamentar.
Assim, mesmo que o vereador não coma, não saia de casa, não gaste com energia, água, luz e telefone domésticos, não há como ele pagar – com recursos do mandato – “doações” de campanha entre R$ 3 milhões ou mais.
Como a oferenda é retribuida?


Candidaturas majoritárias
No caso das candidaturas a prefeito, as verbas oriundas de empresas que servem a Prefeitura são maiores ainda.
No sábado (25), a mesma Folha de S. Paulo relatou o seguinte:
“Dados entregues pelos candidatos à Justiça Eleitoral mostram que, dos cerca de R$ 2,4 milhões arrecadados por Fernando Haddad (PT), R$ 950 mil foram repassados por duas empreiteiras: Carioca Engenharia e OAS. (...) José Serra (PSDB) foi o segundo que mais recebeu na cidade em julho e início de agosto. Além da direção estadual, que repassou por meio de doação oculta R$ 1,2 milhão ao tucano, a incorporadora JHS F pagou R$ 500 mil. Uma pessoa ligada ao grupo Zogbi, que atua na área financeira, repassou R$ 250 mil”.
Até agora as informações não foram desmentidas pelos citados.
Por que motivo uma empresa que presta serviços ao Estado - como empreiteiras, bancos, companhias telefônicas, elétricas, de transportes e outras – dariam dinheiro a candidatos sem exigir contrapartida?
Essa é a raiz da maior parte dos casos de corrupção entre poder público e iniciativa privada. Não se trata de um problema moral, mas essencialmente político.

Disputa assimétrica
Tais montantes desequilibram totalmente a disputa eleitoral e selam compromissos entre candidatos e empresas que, na maior parte das vezes, ficam ocultos dos olhos dos eleitores. Somente o financiamento público poderá trazer mais clareza e simetria entre as candidaturas.
Os grandes partidos não querem aprovar o financiamento público. Ao contrário do que se difunde, não haverá mais gastos do erário. Haverá menos. Hoje, as contrapartidas feitas pelos eleitos em favor dos financiadores – alguns casos estão vindo à luz na CPI do Cachoeira – são mais lesivos aos cofres de municípios, estados e união do que uma quantia determinada, cujos pagamentos seriam feitos de forma transparente e com mais equilíbrio entre partidos e coligações.
Caso os interesses existentes no Congresso impeçam a adoção do financiamento público, uma medida alternativa poderia ser implantada. Seria a obrigação das campanhas de todos os partidos apresentarem os nomes e logomarcas de seus financiadores.
Nada a estranhar. Qualquer programa de televisão, rádio, filme, jornal, revista, site, e produto editorial exibe publicidade e logomarca de seus patrocinadores. Por que as peças eleitorais deveriam ser diferentes?
Assim, não seria surpresa que um financiador de campanha fosse depois agraciado com a contratação para a realização de vultosas obras ou serviços públicos.
Quer dizer, não seria surpresa. Mas a esquisitice ficaria bem clara...


Gilberto Maringoni - Jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo) – 29.08.2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A coerência é um valor moral?


A coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia e, talvez, de quem tem pouca coragem. 

Contardo Calligaris
No fim de semana retrasado, estive em Olinda, na Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco). No sábado, Benjamin Moser, que escreveu uma linda biografia de Clarice Lispector ("Clarice,", Cosac Naify), lembrou que, na famosa entrevista concedida à TV Cultura em 1977, a escritora afirmou que não fizera concessões, não que soubesse.
Moser acrescentou imediatamente que ele não poderia dizer o mesmo. E eis que o público se manifestou com um aplauso caloroso.
Talvez as palmas de admiração fossem pela suposta coerência adamantina de Clarice, que nunca teria feito concessões na vida. Talvez elas se destinassem a Benjamin Moser pela admissão sincera de que ele (como todos nós) não poderia dizer o mesmo que disse Clarice.
Tanto faz. Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo. Que as palmas fossem pela força de caráter de Clarice ou pela honestidade de Moser ao reconhecer sua própria fraqueza, de qualquer forma, não fazer concessões parecia ser, para os presentes, uma marca de excelência moral.
A pergunta surgiu em mim na hora: será que é mesmo? Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?
Como muitos outros, se não como todo mundo, cresci pensando que não fazer concessões é uma coisa boa.
Fui criado na ideia de que há valores não negociáveis e mais importantes do que a própria vida (dos outros e da gente). Talvez por isso me impressionasse a intransigência dos mártires cristãos (embora eu tivesse uma certa simpatia envergonhada por Pedro renegando Jesus para evitar ser reconhecido e preso).
Durante anos admirei os bolcheviques por eles serem homens de ferro (a expressão é de Maiakóvski, nada a ver com "Iron Man") e desprezei Karl Kautsky, que Lênin estigmatizou para sempre como "o renegado Kautsky", por ele ter mudado de opinião sobre a Primeira Guerra, sobre a revolução proletária, sobre o bolchevismo etc.
Vingança da história: Lênin se tornou quase ilegível, mas a obra principal de Kautsky, que acaba de ser traduzida, "A Origem do Cristianismo" (Civilização Brasileira), continua crucial.
Mas voltemos ao assunto. Hoje, estou mais para Kautsky do que para bolchevique; até porque descobri, desde então, que Mussolini se vangloriava gritando: "Eu me quebro, mas não me dobro". Ele se quebrou mesmo, enquanto eu me dobro e posso renegar ideias minhas que pareçam ser, de repente, inadequadas ao momento (dos outros, do mundo e meu).
Olhando para trás, descubro (com certo orgulho) que, ao longo da vida, fiz inúmeras concessões, inclusive na hora de escolhas fundamentais. Poucas vezes lamentei não ter sido coerente. Mas muitas vezes lamento não ter sabido fazer as concessões necessárias, por exemplo, na hora de ajustar meu desejo ao desejo de pessoas que amava e de quem, portanto, tive que me afastar.
Alguém dirá: espere aí, então a fidelidade a princípios e valores não é uma condição da moralidade?
Estou lendo (vorazmente) "O Ponto de Vista do Outro", de Jurandir Freire Costa (Garamond). O livro é, no mínimo, uma demonstração de que a forma moderna da moral não é o princípio, mas o dilema. E, no dilema, o que importa não é a fidelidade intransigente a valores estabelecidos; no dilema, o que importa é, ao contrário, nossa capacidade de transigir com as situações concretas e com os outros concretos.
A coerência é uma virtude só para quem se orienta por princípios. Para o indivíduo moral, que se orienta (e desorienta) por dilemas, a coerência não é uma virtude, ao contrário, é uma fuga (um tanto covarde) da complexidade concreta. Oscar Wilde, que é um grande fustigador de nossas falsas certezas morais, disse que "a coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia" e, eu acrescentaria, de quem tem pouca coragem.
Resta absolver Clarice. Aquela frase da entrevista era, provavelmente, apenas uma reverência retórica a um lugar-comum de nosso moralismo trivial.




Contardo  Calligaris – Psicanalista e escritor – 25.11.2010


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Comissão da Verdade tem de incluir elites civis


A COMISSÃO DEVE INVESTIGAR AS ELITES EMPRESARIAIS CONSERVADORAS QUE SE UNIRAM A MILITARES EM 64 PARA MANTER PRIVILÉGIOS, INCLUSIVE O SEU PAPEL NOS CASOS DE TORTURA.
  
José Luiz Niemeyer dos Santos Filho
A discussão das últimas semanas, referente às ácidas cartas de setores da reserva das Forças Armadas sobre o processo de criação de uma Comissão da Verdade, coloca um ponto importante para nossa reflexão.
Quem pensou, organizou e operacionalizou o movimento de 1964?
A resposta soa clara ao aluno desatento do ensino médio: militares.
Mas não. A participação ativa dos setores civis da sociedade no golpe militar de 31 de março de 1964 deve ser discutida e aprofundada, inclusive naquilo que se refere à tortura e ao desaparecimento daqueles que se opunham ao regime.
Não se muda a história. A participação civil nos regimes ditatoriais é regra quando se observa alguns dos processos históricos contemporâneos. Além dos militares e dos serviços secretos, sempre há aqueles grupos civis que incentivaram a ruptura institucional a partir do uso da força militar.
Foi assim no movimento de ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália e do comunismo na antiga União Soviética. É padrão: o setor conservador e radical das Forças Armadas se ancora no meio civil como braço auxiliar para a ação de poder.
E tão grave quanto: os setores civis, principalmente das elites empresariais conservadoras, utilizam-se da caserna para manterem privilégios e garantirem novas regalias.
O grande historiador Tony Judt, no épico “Pós-Guerra” (no Brasil, disponível pela editora Objetiva), mostra essa aproximação difusa e obscura entre civis e militares nos projetos de tomada do poder à força na história contemporânea.
Quando a ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário menciona a importância de elucidar a participação dos setores e grupos civis nos processos de radicalização do regime de 1964, ela está certa.
Se os excessos cometidos pelos radicais de farda ocorreram, é necessário ressaltar que eles aconteceram também por incentivo e por interesse desses grupos.
Vale lembrar que a deflagração do golpe militar de 1964 foi precedida por uma movimentação da classe média paulista (a chamada “Marcha com Deus Pela Liberdade”, que foi organizada também por grupos ligados às grandes empresas de São Paulo).
O ano de 1964 é também resultado do apoio irrestrito dos chamados “capitães da indústria” de São Paulo e dos representantes mais conservadores das oligarquias agrárias do Nordeste à época.
São grupos civis, com origem ligada ao empresariado, que frequentavam recepções de congraçamento entre civis e militares, gabinetes governamentais e ambientes acadêmicos ideológicos, como a Escola Superior de Guerra -chamada pelos próprios “estagiários” mais envaidecidos de “Sorbonne brasileira”, que viam no golpe de 1964 uma oportunidade única.
Essa oportunidade se baseava em uma estratégia que foi regra mestra no desenvolvimento econômico do período: o arrocho salarial para manutenção dos ganhos de capital, agenda decisiva para a manutenção do patamar de lucratividade dos investimentos nacionais e internacionais no período após Juscelino, de rápida industrialização do país.
Mas o incentivo para o golpe e o decisivo apoio durante boa parte da execução do regime de 1964 não ficam restritos a essa ação quase “institucional” dos grupos civis que se fundiam aos interesses dos militares mais radicais à época.
Mais graves foram as ações pensadas e organizadas diretamente por grupos civis radicais, como o obscuro “Comando de Caça aos Comunistas”, a “Operação Bandeirantes”, entre outras, que foram conduzidas a partir de ações clandestinas, com o apoio dos serviços secretos militares e das lideranças e grupos empresariais à época.
Esperemos que, se criada, a Comissão da Verdade, de alguma forma, também possa se deter nesta seara que envolve uma segunda sombra do regime de 1964.


José Luiz Niemeyer dos Santos Filho – Doutor em ciência política pela USP, coordena o departamento de relações internacionais do Ibmec-RJ (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) – 27.03.2012