quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os desafios da representação política


Em linhas gerais, o liberalismo fracassou ao estabelecer que os representantes se mantivessem formal e voluntariamente vinculados aos eleitores. É cada vez maior o nível de insatisfação dos cidadãos comuns com a representação. O que temos atualmente em grande medida são sistemas políticos sem regras formais de interação eleito-eleitor.

Cláudio André de Souza
O conceito de representação revela uma complexidade historicamente situada no pensamento político moderno. A representação como conhecemos hoje originou-se do termo em latim repraesentare, sendo utilizado pelos romanos para darem significado a um ato de trazer literalmente à presença algo previamente ausente. A representação – a ação pela qual uma pessoa age por outra – passou a ter um sentido político a partir do século 17, aproximando-se da gramática política do projeto democrático.

O debate promovido pela filósofa e cientista política Hannah Pitkin (The Conception of representation, 1978) tornou-se fundamental na medida em que situou a representação como o ato de trazer à presença algo que se faz ausente, havendo um paradoxo entre o ato de tornar algo presente, seja concebido como standing for, nas suas acepções marcadas descritiva e simbolicamente, ou como acting for, ou seja, a representação no sentido de “tornar o ausente presente”. A representação tem como consequência a ausência de um autor (representado) e sua substituição por um ator (representante).

O tema da representação, assim, justifica-se através de uma razão liberal calcada em princípios individuais de impor limites a sociedade política (Estado). O liberalismo implica na ampliação da liberdade do indivíduo e diminuição do poder do Estado. A “minimização” dos cidadãos na gestão da sociedade política adequou-se a representação política de tipo liberal. Esse modelo de representação atribui funções ao representante enquanto um advocate, baseado em um mandato que deve satisfações aos eleitores, portanto, vinculado a defesa dos seus interesses particulares. Apesar do mandato vinculado surgir como princípio liberal, em contraposição ao mandato imperativo de caráter republicano, observa-se que a tradição socialista detinha semelhante crítica ao mandato livre. Para Marx, o mandato vinculado significava uma “representação propriamente dita”.

Em linhas gerais, o liberalismo fracassou ao estabelecer que os representantes se mantivessem formal e voluntariamente vinculados aos eleitores. É cada vez maior o nível de insatisfação dos cidadãos comuns com a representação. O cientista político Bernard Manin (Los Principios del gobierno representativo, Alianza Editorial, 1998) identifica nas sociedades contemporâneas um sentimento generalizado dos cidadãos em não se sentir representado. O que temos atualmente em grande medida são sistemas políticos sem regras formais de interação eleito-eleitor. Nesse sentido, a representação assume um caráter voluntário na performance da relação entre representante e representado.

As últimas três décadas no Brasil foram positivas, no que concerne a participação direta de cidadãos comuns em instâncias de poder local (conselhos gestores, fóruns, conferências e Orçamento Participativo) que permite altos níveis de politização e democratização da sociedade. Mesmo diante das contradições e limites do processo democrático brasileiro vivenciamos um espaço público constituído e potencializado nos últimos governos por meio do estabelecimento de políticas públicas que fomentam a participação política, essa característica, inclusive, aproxima a democracia brasileira dos demais governos da América Latina, preocupados em “repolitizar” a sociedade e o Estado. Nesse aspecto, a esquerda visa construir a democracia na América Latina favorecendo a participação como procedimento político, em consonância com a sociedade civil.

Os desafios da representação reconhecem as limitações de um governo baseado na participação direta dos cidadãos nos dias atuais. Essas limitações características foram estão presentes na tradição liberal e socialista. As experiências socialistas não foram capazes de eliminar a figura do parlamento e a representação como espaços de organização política. Isto é, a representação política e formas de participação tem amplificado um consenso de serem desejáveis e necessários às democracias contemporâneas.

As eleições municipais desse ano tornam-se um momento privilegiado para gerar compromissos que resultem na assunção de partidos e governos com maior representatividade. Os candidatos até podem estabelecer compromissos com novas formas de participação, mas essas iniciativas não substituem a existência e pertinência da representação no seio do poder democrático. É necessário repensar as relações e as instituições capazes de sustentar elos entre cidadãos comuns e representantes. A formulação de politicas que preze pela ampliação da participação e o debate em torno dos limites e possibilidades de uma representação democrática merecem um maior destaque nas eleições seja por parte dos partidos e membros da sociedade civil. 


Cláudio André de Souza - Cientista político, professor e Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA – 17.04.2012