Os
conflitos na esquerda, no campo popular, têm que ser discutidos e tratados como
conflitos entre tendências de esquerda, mais moderadas ou mais radicais, sem
desqualificações que caracterizem os outros como fora do campo da esquerda.(...)
Fazer
frente única no que há de comum, a começar na luta contra a direita
Emir Sader
Repararam que tem gente, que se diz de esquerda, mas que só aparece para
criticar a gente de esquerda? Nunca contra a direita, o que quer que esta faça.
São especialistas em jogar álcool em qualquer foguinho dentro da esquerda.
Nunca reconhecem vitórias, conquistas, avanços. São apenas prenúncios de
derrotas, traições, retornos da direita – cuja culpa será sempre denunciada
como responsabilidade da esquerda. Adoram as derrotas, quanto maior, melhor,
porque a culpa é dos outros, não importa que o povo seja quem pague o preço.
São ótimos para fazer balanços de derrotas, mas nunca sabem propor
alternativas e nunca conseguem dirigir processo algum. São sempre críticos.
Espécies de urubus, especialistas em carniças. Corvos, que auguram sempre
catástrofes.
Não dá para ter respeito por alguém que se diz de esquerda, mas não está
em todas as paradas da luta contra a direita. Aí ficam quietos, espreitando
para atacar a esquerda, seja porque não é suficientemente radical, seja porque
não derrotou de forma radical e definitiva a direita. Eles mesmos, não são
capazes de afetar o poder da direita, nem estão centralmente preocupados com
isso, lhes importa sobretudo as “traições” da esquerda.
Numa circunstância grave como a da Bolívia atualmente, por exemplo,
colocam para fora o rancor com Evo Morales e sua liderança, como antes tiveram
essa atitude contra Lula no Brasil. Todos “traíram”, incluídos Hugo Chaves,
Rafael Correa, Pepe Mujica, os Kirchner, Fernando Lugo, Mauricio Funes, só eles
são puros. Só que o povo não acha isso, de forma que essa gente nunca consegue
formar movimentos populares com forte participação do povo, não dirigem nenhum
processo, não conseguem citar um caso em que suas idéias levaram a vitórias e a
avanços.
Não elogiam a reforma agrária, a nacionalização das minas, a Assembléia
Constituinte postas em prática por Evo. Não apoiam as medidas de política
externa soberana do Brasil, no reconhecimento da Palestina, na mediação do Irã,
no apoio a Cuba. Só denúncias, porque seu universo não é a luta geral do povo,
mas o universo restrito da esquerda. Não fazem luta de massas, só luta
ideológica. Não constroem força política para que a esquerda avance, sempre
tratam de dividir.
Os conflitos na esquerda, no campo popular, têm que ser discutidos e
tratados como conflitos entre tendências de esquerda, mais moderadas ou mais
radicais, sem desqualificações que caracterizem os outros como fora do campo da
esquerda. Esta atitude é o primeiro passo que leva a assimilar outras
tendências da esquerda à direita e assumir equidistância em relação a elas.
Numa situação de crise como a da Bolívia atualmente, tudo o que podemos
desejar é que se chegue a um acordo político entre o governo e setores do
movimento indígena que estão em enfrentamento aberto. Nem o governo é de
direita, nem os movimentos indígenas fazem o jogo da direita. É nesse marco que
devemos almejar que sejam enfrentados os conflitos.
Como no Brasil, deve-se criticar o governo e o PT no que se diverge, e
apoiar nos pontos comuns. Fazer frente única no que há de comum, a começar na
luta contra a direita. E criticar naquilo em que ha divergências. Considerando
que são diferenças no campo da esquerda e não é possível equidistância entre o
governo e a oposição, o PT e a direita.
Emir Sader – Cientista político – 30.09.2011
IN “Carta Maior” – http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=764