domingo, 9 de dezembro de 2012

Mídia: Nada de novo na SIP


a SIP não mudou. Suas bandeiras e sua linguagem não mudaram. A cada ano, a cada assembleia, reafirma seu repúdio aos avanços que a maioria da população latino-americana vem conquistando, democraticamente, nas últimas décadas. Seu ideário continua o mesmo dos velhos tempos da guerra fria e das ditaduras.

Venício A. de Lima

Fundada em Cuba, ao tempo de Fulgêncio Batista (1943), com sede em Miami, EUA, a SIP reúne os donos dos principais jornais privados das Américas e é fruto do ambiente de disputa ideológica da guerra fria, pós-Segunda Guerra.
Entre as posições que tem defendido, a SIP se opõe obstinadamente à revolução cubana, foi contra o sandinismo na Nicarágua, apoiou o golpe contra Salvador Allende no Chile, foi contra o debate sobre a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), na Unesco, na década de 1980. Mais recentemente, tem sido crítica implacável dos governos latino-americanos que propõem a regulação democrática do mercado das empresas de comunicação.
Ao longo das últimas décadas, por óbvio, o mundo mudou. A América Latina mudou. Em particular, o mundo das comunicações mudou. A revolução digital e a convergência tecnológica refundaram os conceitos e a prática da produção e da distribuição de notícias. A mídia impressa passa por transformações profundas e até mesmo a sobrevivência dos jornais – no formato atual – tem sido questionada.
Mas a SIP não mudou. Suas bandeiras e sua linguagem não mudaram. A cada ano, a cada assembleia, reafirma seu repúdio aos avanços que a maioria da população latino-americana vem conquistando, democraticamente, nas últimas décadas. Seu ideário continua o mesmo dos velhos tempos da guerra fria e das ditaduras militares e/ou civis que ajudou a instalar e com as quais colaborou em todo o continente.
Nas conclusões da assembleia realizada no Brasil está escrito:
A violência contra a integridade física dos jornalistas e a crescente intolerância dos governos autoritários são os principais problemas que a imprensa independente no continente enfrenta hoje. [...] E uma feroz ofensiva liderada pelos presidentes da Argentina, Equador e Venezuela tenta silenciar o jornalismo independente nos seus países mediante leis para regular o exercício do jornalismo, discriminação na concessão da publicidade oficial e imensos aparatos midiáticos estatais e privados utilizados para difamar e para promover campanhas sujas. [...] No Brasil, a justiça continua emitindo decisões contra a mídia para impedir a circulação de informações (ver aqui).
Para a SIP, seus membros e seus aliados, “imprensa independente” e “jornalismo independente” são equacionados com a cobertura política que a grande mídia fez e continua a fazer na América Latina, incluído o Brasil.
“Independente” é considerar liberdade da imprensa como liberdade de expressão e excluir milhões de vozes que permanecem secularmente impedidas de participar do debate público. Na ressignificação da SIP, “independente” identifica, de fato, imprensa e jornalismo opinativos e partidarizados, defensores de uma democracia elitizada e excludente em pleno século 21.
Acima de tudo, para a SIP hoje, “independente” é o código para um liberalismo arcaico que luta sem tréguas contra qualquer forma de interferência do Estado para garantir direitos da cidadania; contra qualquer forma de regulação democrática, mesmo aquela que existe há décadas nas democracias liberais mais avançadas do planeta; contra tudo que possa pôr em risco os imensos privilégios dos oligopólios privados de mídia na América Latina.
A SIP continua no tempo da guerra fria. Não mudou. Nem mudará.


Venício A. de Lima – Jornalista, sociólogo, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade de Illinois; pós-doutor pela Universidade de Miami; professor-titular de Ciência Política e Comunicação aposentado da Universidade de Brasília; fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, ex-professor convidado da EPPG-UFRJ, UFPA, UFBA, UCB e UCS, no Brasil, e das universidades de Illinois, Miami e Havana - 08.11.2012
IN Revista “Teoria e Debate” – http://www.teoriaedebate.org.br/colunas/midia/nada-de-novo-na-sip








SIP, uma ameaça à liberdade de expressão e 
à democracia

A 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada de 12 a 17 de outubro, em São Paulo, mostrou mais uma vez que essa entidade, que na prática funciona como um sindicato dos donos dos grandes conglomerados de comunicação, representa hoje uma das mais graves ameaças à liberdade de expressão na América Latina. A SIP e seus dirigentes, aliás, têm uma longa e sólida ficha corrida de serviços prestados à violação de liberdades e de apoio a governos golpistas na região.

Editorial - Carta Maior
A 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada de 12 a 17 de outubro, em São Paulo, mostrou mais uma vez que essa entidade, que na prática funciona como um sindicato dos donos dos grandes conglomerados de comunicação, representa hoje uma das mais graves ameaças à liberdade de expressão na América Latina. A constatação não chega a ser uma novidade, mas algumas coincidências muito expressivas marcaram o encontro da SIP no Brasil. Enquanto os grandes empresários que dirigem a entidade e seus dedicados funcionários apontavam a “Ley de Medios” do governo argentino como uma das mais graves ameaças à liberdade de expressão e de imprensa no continente, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e de Expressão, Frank La Rue, dizia, em Buenos Aires, que essa lei é avançada e representa um “modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”.
Diante dessa gritante divergência de avaliação a respeito de uma mesma lei, cabe perguntar: onde reside exatamente a diferença entre a SIP e a ONU? Para a SIP, a “ameaça à imprensa independente” na Argentina pode “ter um capítulo obscuro em dezembro, quando o governo pretende avançar sobre os meios audiovisuais do Grupo Clarín desconhecendo sentenças judiciais e normas legais”. No dia 7 de dezembro, vence o prazo fixado pela Corte Suprema para a medida cautelar com a qual o grupo Clarín conseguiu bloquear, durante três anos, a aplicação do artigo 161, que obriga as empresas a abrir mãos das concessões que superem o limite estabelecido pela nova legislação para evitar práticas monopólicas. 
Compreende-se assim a preocupação da SIP. Os empresários fogem de qualquer limitação legal à prática de monopólio (direto ou cruzado) como o diabo, da cruz.
O que a SIP considera uma ameaça, o relator da ONU considera um avanço. “Eu considero essa lei um modelo e a mencionei no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Ela é importante porque, para a liberdade de expressão, os princípios da diversidade de meios de comunicação e de pluralismo de ideias é fundamental”, afirmou Frank La Rue. Desnecessários dizer que a SIP e os veículos de comunicação de seus dirigentes omitiram completamente as declarações do relator da ONU. O limite da liberdade de imprensa e de expressão que defende é exatamente o limite de seus interesses econômicos, nem mais nem menos. Para compreender a natureza desses interesses é preciso recordar a própria história da SIP e de seus dirigentes, que, na América Latina, está intimamente ligada ao apoio a golpes militares, à deposição de governos constitucionais, à violação sistemática de direitos humanos e à censura. Para a SIP, é fundamental que essa história permaneça oculta, mas cada vez que um de seus dirigentes ou aliados abre a boca para dizer algo, ela vem inteira à tona.
Um exemplo disso é o editorial do jornal O Globo, de 16 de outubro de 2012, intitulado “Cerco à liberdade na América Latina”. Logo no início o editorial afirma: “Qualquer pessoa medianamente informada sabe que a democracia representativa passa por um ciclo de ataques na América Latina, região com longa história de recaídas autoritárias”. De recaídas autoritárias, o grupo Globo, de fato, entende, afinal, prestou inestimáveis serviços à ditadura brasileira, assim como o grupo Clarín fez com a ditadura argentina. Não é por acaso, portanto, que O Globo saia em defesa do seu parceiro argentino, acusando a presidenta Cristina Fernández de Kirchner de querer obrigá-lo a se desfazer de várias concessões de rádio e TV que hoje compõem um dos tantos monopólios que há no setor na América Latina.
Qualquer pessoa medianamente informada sabe qual foi o papel que a Globo e outras grandes empresas de mídia desempenharam na ditadura brasileira, como foram cúmplices de assassinatos, torturas, desaparecimentos de pessoas, violação de direitos humanos fundamentais e supressão da liberdade de imprensa e de expressão. O mesmo ocorreu na Argentina, com os grupos Clarín e La Nación, no Chile com o diário El Mercurio, e em praticamente todos os países da região. Mais recentemente, a tradição golpista da entidade foi exercida na Venezuela, em Honduras, no Equador e no Paraguai. 
A SIP e seus dirigentes, neste contexto, têm uma sólida ficha corrida de serviços prestados à violação de liberdades na América Latina. É compreensível, portanto, que, no momento em que esse poder começa a ser contestado e ameaçado, seus veículos venham a público alertar para o “cerco à liberdade na América Latina”. Há apenas uma liberdade que está sob cerco na região: a liberdade dos donos de grandes conglomerados midiáticos continuarem sonegando à população o direito à livre expressão e a um jornalismo de qualidade.
Jornalismo, aliás, que não é mais o interesse central da SIP e seus veículos há muito tempo. O fato já foi admitido inclusive pela presidenta da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, que reconheceu que os grandes veículos de imprensa estavam substituindo o papel da oposição ao governo Lula. “Esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, disse a executiva da Folha de S.Paulo em março de 2010. Para desempenhar essa função, esses veículos não hesitam em deixar o jornalismo de lado. Como fez mais uma vez o grupo Globo esta semana, que contratou uma pesquisa Ibope para avaliar a intenção de voto dos eleitores de São Paulo no segundo turno da eleição municipal e, diante do aumento da vantagem do candidato Fernando Haddad (PT) sobre o candidato José Serra (PSDB), simplesmente sonegou a informação no principal noticiário do grupo, o Jornal Nacional. A SIP, a ANJ, seus dirigentes e filiados também guardam profundo silêncio sobre as agressões e truculências praticadas por José Serra contra jornalistas, inclusive de seus veículos. O que está sob cerco na América Latina, é a possibilidade se seguir chamando tais práticas de “jornalismo”.
A cereja deste bolo de autoritarismo, cinismo e hipocrisia foi fornecida pelo novo presidente da SIP que, no discurso de encerramento da assembleia da entidade, além de repetir os discursos citados acima, resolveu atacar o jornalista australiano Julian Assange, fundador do grupo Wikileaks, que atualmente encontra-se refugiado na embaixada do Equador em Londres, já tendo recebido asilo político deste país. Jaime Mantilla, do diário Hoy, do Equador, acusou Assange, classificado por ele como um "indivíduo hábil e irresponsável", de “conseguir informação de maneira fradulenta e praticar o jornalismo desonesto”. Os jornais brasileiros, mais preocupados em blindar seu dirigente do que em fazer jornalismo, omitiram as declarações do recém-empossado presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa.
Esses são, portanto, alguns dos principais alvos da SIP e de seus braços midiáticos no continente, como a ANJ no Brasil: políticas contra a prática de monopólio, apontadas como exemplares pela ONU, jornalistas como Assange, que vive hoje trancafiado em uma embaixada por ter exposto segredos de guerra da maior potência do planeta, leis que busquem garantir o direito à diversidade de opinião e à liberdade de expressão. Os fatos falam por si. Qualquer pessoa medianamente informada sabe hoje que entidades como a SIP e a ANJ representam, de fato, uma grave ameaça a essas liberdades e direitos em toda a América Latina.


Editorial Carta Maior – 18.10.2012
IN “Carta Maior” – http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21102