Moçambique: Governo é dominado pelo mesmo partido há
37 anos e chegada de grandes projetos aumenta contradições no país.
Gleyma Lima
Trinta e sete anos depois de sua
declaração de independência, os moçambicanos ainda buscam o direito de ser
verdadeiramente livres e exercer aquela que é uma das principais liberdades, a
de expressão. Hoje, a nação que se livrou da colonização de Portugal e logo
após passou por uma longa guerra civil ainda luta por seus direitos.
Nesta data, o partido que tem dominado a política
local nas ultimas três décadas, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique),
coloca faixa nas ruas com frases como “Mocambique livre da pobreza”. Porém, nas
ruas a mensagem que circulou dentro do transporte público e nas mãos de
trabalhadores foi sobre a forma com o presidente do país, Armando Guebuza,
trata as riquezas da nação.
A carta diz: “Guebuza está dentro de quase todos os
negócios multimilionários dos ‘mega-projects’, tocados pelo setor privado de
Moçambique. Um exemplo é o envolvimento de Guebuza na construção da Barragem
hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) financiada pelos portugueses por 950
milhões de dólares. Deste montante, 700 milhões de dólares foram pagos por
bancos privados, dos quais Guebuza recebeu uma comissão estimada entre 35 e 50
milhões de dólares”.
Segundo fontes locais, a carta foi proibida de ser
divulgada nos meios de comunicação. A falta de liberdade segue como um
dos principais desafios em Moçambique, o que faz boa parte da população
acreditar que falta muito para a independência.
“Os votos que a Frelimo conseguiu até hoje foram
comprados. Além disso, as urnas de locais onde o partido não conseguiu comprar
votos foram trocadas. Isso aqui é uma falsa democracia”, opina Eduardo
Carvalho, 23 anos, fotógrafo.
Quem já esteve do lado do governo afirma que hoje
não está mais porque os valores mudaram e limitaram a liberdade. “A
luta inicial foi unicamente política porque o colonialismo era extremamente
terrível. Havia coisas aqui que lembravam a escravidão. Existia um sistema que
as pessoas eram presas sem motivo algum. Queríamos direitos iguais, uma nação
melhor, porém o que temos hoje é um governo altamente corrupto que vende nosso
petróleo e gás às empresas estrangeiras, e, além disso, o dinheiro que entra
não beneficia a nação”, explica o ex-sargento das Forças Armadas da
Frelimo, Calane da Silva, 68 anos, que atualmente é professor de
literatura na Universidade de Pedagogia de Moçambique.
De acordo com fontes ouvidas pelo Opera Mundi,
hoje para acelerar o visto de trabalho em Moçambique o governo cobra 1.000
dólares
Em relação aos problemas sociais do país, a
situação apenas se agrava. Segundo dados dos jornais locais, hoje cerca de 40%
da população moçambicana tem HIV, não fala português (apenas dialetos) e possui
um salário mínimo inferior a 70 doláres.
Após quase 40 anos da saída de Portugal só agora
começam a ser levantados os primeiros prédios de nacionalidade moçambicana, que
mesmo assim ainda são construídos por estrangeiros.“ Quando Portugal saiu
dessas terras e a Frelimo ganhou o poder, foi necessário se pagar pelos favores
de quem ajudou em combates, e com isso, o país voltou a ficar sem
dinheiro. Após isso, veio o Apartheid da Africa do Sul onde Moçambique teve que
entrar em ação novamente e ajudar com armamento e soldados. Isso levou o país a
falência”, explica o ex-combatente.
Oposição
Hoje quem canta a liberdade ainda é o músico e
compositor Edson da Luz, 28 anos, mais conhecido como Azagaia, atualmente
considerado o maior opositor do governo moçambicano. Com a música “Geração”,
Azagaia fez duras críticas ao governo e ganhou a atenção da população.
“Estamos vivendo uma ditadura do capital, onde o
dinheiro do governo está presente em todos os aspectos da vida dos moradores
até no emprego que ele possui. Para se ter uma ideia, hoje um empregado quando
é registrado em uma empresa para trabalhar, automaticamente é obrigado a
descontar um valor do salário para contribuir com a Frelimo. O cidadão não tem
o direito de escolher se deseja ou não fazer isso”, explica Azagaia.
Quando questionado se acredita em uma nova
realidade para o país, Azagaia mostra otimismo: “Sim. É possível, pois hoje a
minha geração que vem do pós-guerra se reúne e fala sobre política e quando os
que estão no poder caírem será essa geração, que hoje tem 30 anos, que irá
comandar este país e realizar a democracia”, disse.
Conflito armado
O músico acredita que é o momento de se lutar pela
paz e o progresso do povo apesar dos problemas que e a nação possui. “Hoje
temos questões como o custo dos alimentos, o preço do transporte público e a
briga pelo gás e petróleo que o governo continua a distribuir para as
multinacionais sem que isso traga nenhum benefício para o povo. Porém,
isso pode mudar nas próximas eleições por meio da conscientização, pois ninguém
aqui precisa mais de conflitos”, explica o cantor.
Nos últimos três anos, Moçambique enfrentou greves
gerais consecutivas que duraram em média uma semana. Nessas ocasiões,
supermercados foram saqueados, pessoas foram proibidas de transitar nas ruas e
a polícia usou força bruta contra os grevistas, que protestavam contra a alta
dos preços de alimentos e transporte público.
Gleyma Lima – 25.06.2012