Eduardo Suplicy – “Sou defensor da fidelidade
partidária. Ingressei no PT por acreditar nos objetivos de construção de uma
sociedade mais justa, com democracia, garantia de liberdade de expressão,
pluralidade de partidos. É o que está no nosso manifesto de fevereiro de 1980.
Quantas vezes ouvi pessoalmente do presidente Lula que para nós, do PT, a
questão ética é fundamental! Continuo a lutar por isso e dentro do PT”.
Paulo Totti
Eduardo
Suplicy terminara sua palestra para estudantes do 4º ano de economia da
Fundação Santo André, quando Lula, na segunda fila de carteiras da sala de
aula, levantou a mão e fez a primeira pergunta. Queria mais detalhes sobre a má
distribuição de renda entre os brasileiros.
Do
fundo da sala, um professor protestou: "O que é que o diretor da escola
vai dizer quando souber que está aqui um perigoso líder sindical?"
Surpreso
e embaraçado, naquele tempo ainda tímido, Lula se retira da sala. Estava na
faculdade por sugestão de um aluno: "Vai falar aquele cara que escreve na
'Folha', um crítico da política econômica, todo mundo pode assistir".
Suplicy retoma a palavra: "Vocês estudam para ser economistas e eu queria
lhes dizer que na hora de tomar decisões sobre política econômica é importante
escutar os empresários e também os trabalhadores".
Lula
esperou Suplicy no pátio da fundação, centro da cidade de Santo André, região
metropolitana de São Paulo. Apresentou-se, trocaram telefones e foi feito o
convite: "Apareça no sindicato para conversar".
Assim
o economista Eduardo Matarazzo Suplicy, professor da Fundação Getúlio Vargas
(FGV-SP), então colunista da "Folha de S. Paulo", conheceu o
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luiz Inácio
da Silva. Era 1976, Brasil sob a ditadura do general Ernesto Geisel. A partir
dali trocaram muita conversa no sindicato.
Dois
anos depois, Suplicy lançou o livro "Compromisso" e a Editora
Brasiliense promoveu no calçadão em frente da sua livraria, no centro de São
Paulo, um encontro entre o autor e o metalúrgico. Era uma espécie de
entrevista, Lula e outros sindicalistas perguntavam e Suplicy respondia.
Populares se aglomeraram ao redor, passaram a fazer perguntas também a Lula, e
o ato se transformou numa manifestação pela democracia. O suplemento
"Folhetim" da "Folha de S. Paulo" publicou texto com o
título "Intelectual conversa com operários sobre brasileiros" e o
jornalista Caio Túlio Costa publicou a íntegra do "poliálogo" no
jornal literário "Leia Livros".
O
regime militar sobrevivia, Lula ainda não fundara o PT e Suplicy era candidato
do MDB a deputado estadual - percorria o Estado num jipe velho emprestado por
um amigo. A presença de Lula no ato era apoio implícito à candidatura. Suplicy
foi descrito assim pelo sindicalista: "Intelectual e professor de economia
que poderia estar do lado do sistema... [mas] tem dito
muita coisa daquilo que o movimento sindical tem reivindicado". Muito por
alto, sem detalhes, Lula fez referência à necessidade de "a classe
trabalhadora criar um partido político que a represente".
De
Cesare Battisti a Yoani Sánchez, mantenho a coerência de defender a justiça e a
democracia
Lula
parecia pronto para entregar-se à sua obsessão futura: o PT, Partido dos
Trabalhadores. E Suplicy, embora falasse em desigualdade social, ainda não
elaborara a própria, compulsiva, prioritária, redundante, obsessão: a
"renda mínima", que mais tarde chamaria de "renda básica da
cidadania". Lula e Suplicy, nas palavras do primeiro, estavam
"afinados" e talvez essa tenha sido a sua temporada de melhor
relacionamento ao longo dos 35 anos seguintes. Ambos não admitirão hoje que
conviveram melhor antes de Lula fundar o PT e Suplicy estar entre os primeiros
que o ajudaram a fundar.
Se
questionado, Lula poderá lembrar que, quando Suplicy foi consultá-lo em São
Bernardo sobre a possibilidade de ser seu adversário nas prévias que
escolheriam o candidato do partido à Presidência, deixou-o à vontade para
competir. "Vai lá no diretório nacional e se inscreva, você tem todos os
direitos e méritos." Realizou-se a prévia, em 17 de março de 2002. Foi a
primeira e única que o PT realizou para escolher candidato a presidente; outros
partidos ainda não se atreveram. Votaram 171 mil militantes em todo o país.
Lula venceu com 84,4% dos votos válidos. Suplicy apoiou o vencedor e saiu em
campanha pelo país. Mas ninguém ignora que, desde então, a aproximação é apenas
protocolar. Seus encontros são raros e Lula não mais chamou Suplicy para
discutir os rumos da economia.
Suplicy
diz que agora está empenhado em ser novamente candidato do PT para um quarto
mandato no Senado. Há apenas uma vaga em disputa e só uma hipótese de Suplicy
desistir. "Se Lula quiser ser o candidato, eu abro mão. É a primeira vez
que declaro isso à imprensa. Desistiria em sinal de respeito pelo presidente,
respeito que envolve amizade e companheirismo desde aquele encontro na Fundação
Santo André", disse o senador num prolongado jantar no Mercearia do Conde,
agradável restaurante da região dos Jardins, em São Paulo, que escolheu para
este "À Mesa com o Valor".
Suplicy
convalesce de uma pneumonia que o deixou cinco dias no hospital. Por isso, vai
tomar suco de laranja. O repórter pede uma taça de malbec Killka, da altitude
de Mendoza, de regular estrutura e leve toque de baunilha. O "maître"
sugere e o senador, conhecedor da casa, recomenda o risoto de abóbora com carne-seca,
mandioquinha palha e mostarda refogada, compartilhado pelo entrevistado, o
repórter e o fotógrafo Luis Ushirobira. O risoto é realmente saboroso. E o
colorido agrada aos olhos. Como entrada, "bruschetta" mista.
A
pneumonia deixou preocupados os três filhos, o pessoal do seu gabinete, os
amigos, a namorada, a jornalista Mônica Dallari - estão juntos há uma década,
mas moram em casas diferentes. No terceiro dia, a ministra da Cultura, Marta
Suplicy, sua ex-mulher, ligou para saber se tinha melhorado. Esta noite,
Suplicy diz que está recuperado, quase não tosse. Mas a secretária Valéria, às
22 horas, telefona para perguntar se tomou o antibiótico na hora certa. E o
filho João telefonaria à 1h08 para avisar que é hora de ir para casa.
TOTTI - O que provocou a pneumonia?
SUPLICY - Foi a primeira em 71 anos e meio. A causa foi o
excesso de atividades. E um pouco talvez de preocupação e tensão com fatos
políticos. Terminei o ano com ótimas notícias e outras que me causaram
preocupação.
TOTTI - Fiquei curioso. Comece pelas ótimas...
Em seu
conhecido estilo de relatar lenta e detalhadamente o que se passa, Suplicy diz
que a primeira boa notícia partiu do prefeito eleito de São Paulo, Fernando
Haddad, que incluiu a renda básica da cidadania em seu programa de governo.
Suplicy
era um dos postulantes à candidatura pelo PT; os outros, além de Haddad, eram a
senadora Marta Suplicy e os deputados federais Jilmar Tatto e Carlos Zarattini.
Para ouvir os pré-candidatos, o PT realizou 33 reuniões dos diretórios
distritais, algumas com a presença de até 400 militantes, e a última num salão
da Assembleia de Deus no bairro de Guaianazes, com 1.300. Faltando duas ou três
semanas para o encerramento do processo das prévias, Lula fez um apelo a Marta,
Tatto e Zarattini para desistirem em favor de Haddad. "Por alguma razão,
não fui convidado para essa reunião", diz Suplicy. Logo depois, a própria
presidente Dilma Rousseff renovou o apelo a Marta, que, como os outros já
haviam feito, aceitou retirar a candidatura e deixou a vice-presidência da mesa
do Senado para ser ministra da Cultura. E desapareceram as chances de Suplicy
ser o escolhido.
Na
reunião final, Suplicy usou seus 15 minutos para a explicação - e a repetiu no
jantar, quase literalmente - do avanço que representaria a adoção do programa
da renda básica em São Paulo, pois, segundo ele, é ainda mais abrangente,
simples e desburocratizado que o Bolsa Família. É universal e incondicional,
dispensa fiscalização. "Os 13 milhões de habitantes de São Paulo, do
Antônio Ermírio à dona Maria", têm direito a um benefício básico, que
Suplicy estima em R$ 70 per capita. De início, atingirá os mais necessitados,
depois vai-se ampliando por etapas. O senador perguntou se os filiados do PT
concordavam. A plateia toda levantou o braço. Haddad, orador que o antecedera,
já anunciara a adesão à renda básica. Suplicy, então, retirou a candidatura.
Haddad soubera na noite anterior, pelo deputado federal Paulo Teixeira, a que
Suplicy condicionava seu apoio. E o senador agora está atento às declarações do
prefeito à cata de prenúncios de que a promessa será cumprida.
A
experiência mundial mais exitosa da renda básica está no Alasca, que Suplicy
considera o "mais igualitário" Estado americano, e o seu introdutor
foi um governador republicano, antecessor de Sarah Palin. Richard Nixon tentou
estendê-la para o país inteiro, conseguiu a aprovação de 260 contra 150 na
Câmara dos Representantes. No Senado, porém, o projeto foi sepultado na
comissão de finanças. Um conservador fez a seguinte observação: "Dois
vizinhos, um sai de casa todo dia para trabalhar; o outro passa o dia na
cadeira de balanço em sua varanda, este também vai receber?" Como a
resposta foi afirmativa, a proposta caiu por 10 a 6. Mas no Irã já existe renda
básica e no Brasil é lei, desde 2004. Quando o presidente Lula a sancionou em
solenidade no Planalto, chamou Suplicy de "Dom Quixote da renda
mínima". Apesar disso, só um município a pôs em vigor: Santo Antônio do
Pinhal, 7 mil habitantes, a 170 quilômetros de São Paulo.
Outra
alegria de Suplicy foi ter sido apontado como o senador do ano pelo site
"Congresso em Foco". Votaram 186 jornalistas para indicar os dez
melhores senadores. Suplicy ganhou no quesito "defensor da
democracia". A partir daí, os internautas escolheriam o melhor entre os
dez. Votaram 200 mil e Suplicy venceu. A entrega do prêmio, na base do
"the winner is...", foi num concorrido jantar. No discurso, Suplicy
defendeu a realização obrigatória de prévias para escolha de candidatos aos
pleitos majoritários em todos os partidos. E também o registro, na internet,
das contribuições para a campanha eleitoral de todos os candidatos.
"Registro em tempo real, imediato, como fiz na campanha de 2006." O
senador considera as propostas relevantes para a democracia. "Inclusive
para nós, do PT, para darmos exemplo e corrigirmos eventuais problemas que
motivaram a Ação 470, o chamado mensalão".
Eduardo
Suplicy: "Em 2014 só abro mão de disputar a reeleição se Lula quiser ser o
candidato"
Na
festa houve duas surpresas. Suplicy não falou de renda básica, e Eduardo Smith
de Vasconcelos Suplicy, o performático roqueiro Supla, apareceu num telão, sem
prévio aviso, para saudar o pai: "Então, pai, parabéns, é isso aí. (...)
Você não tá preocupado com poder, poder, poder. (...) Você é um voluntário da
pátria, tá ligado?"
A
ligação entre Suplicy e os três filhos sempre foi estreita e aparentemente se
fortaleceu depois que o pai se separou de Marta. O mais velho, André, é
advogado e os outros dois, Eduardo (Supla) e João - que se separou no ano
passado da atriz Maria Paula, ex-integrante do "Casseta e Planeta" -
são cantores. O pai às vezes se junta e formam um trio de roqueiros. [O senador
conhece outras músicas, além de "Blowin' in the Wind", de Bob Dylan].
Na noite deste jantar com o Valor, que Suplicy fez questão de esticar
até sua casa, às 2 horas -"Tenho que lhe dar dois livros sobre a renda
básica" -, João ficou acordado na sala até o pai chegar. Na noite
seguinte, iriam juntos ao estádio do Pacaembu assistir ao jogo do Santos. E
levariam os mais crescidinhos dos cinco netos de Eduardo e Marta Suplicy.
A
relação da família com a cidade de Santos vem do fim do século XIX, quando Luiz
Suplicy fundou junto ao porto uma corretora de café. Em 1912, seu filho, Paulo
Cochrane Suplicy, jogou no Santos na primeira partida que o time disputou. E o
neto Eduardo recita escalações do Santos ainda antes da era Pelé, do goleiro
Manga a Tite, ponta-esquerda.
TOTTI - O senhor jogou futebol?
SUPLICY - Gostava de todos os esportes, mas aos 10, 11
anos, passei a preferir o boxe.
Praticava
no porão de casa na alameda Casa Branca com alameda Santos. Dos 15 aos 20 anos
frequentava academias, fazia luvas com lutadores mais experientes,
profissionais. Em 1962, já com 21, decidiu disputar um torneio de estreantes
patrocinado pelo jornal "Gazeta Esportiva".
Amigos
e amigas da elite paulistana foram à noite de estreia. No vestiário, o
treinador Lúcio Cruz advertiu: "Não se assuste com o tamanho do
negrão". O adversário era realmente forte, mas não poderia ser muito maior
que Suplicy, pois eram meio-pesados, categoria inferior a 79 quilos.
"Quando
entrei no ringue, os amigos aplaudiram, eram uns 50. Mas o público era de 500
pessoas e elas gritavam pro meu adversário: 'Acaba logo com esse filhinho da
mamãe!'" O senador sorri: "De repente me vi no centro do furacão da
luta de classes..."
No
primeiro round, Suplicy leva um murro no queixo que o derruba. "Olho para
o Lúcio e ele fala 'calma, espera contar até oito e daí faz tudo o que você
sabe'". No segundo round, Suplicy derruba o adversário duas vezes e ganha
por nocaute. No dia seguinte, aparecem na contracapa da "Gazeta
Esportiva" a foto do vencedor e a manchete: "Eduardo Matarazzo
Suplicy sai da lona para ganhar por nocaute".
A
segunda luta foi num estádio para 5 mil pessoas, e até a TV Paulista
transmitiu. O adversário se chamava Getúlio Veloso. Luta equilibrada, ninguém
caiu. "Dois jurados votaram em mim e o outro no Getúlio."
Passados
dois dias, o presidente da federação de pugilismo diz que um dos jurados se
enganou, queria votar em Getúlio e colocou o nome de Suplicy na papeleta - algo
improvável, porque a papeleta deveria conter, também, a soma dos pontos em cada
round. "Consideraram Getúlio vencedor."
Derrotado
no tapetão, Suplicy diz que resolveu "lutar por outras coisas na
vida". Já cursava administração na FGV e começava a interessar-se por
economia e política. Exercitou-se nas luvas por mais alguns anos e ainda hoje
mantém a forma, 1,83 m, 97 quilos, com corridas e caminhadas em Brasília e
ginástica com uma treinadora pessoal na pracinha em frente da sua casa em São
Paulo. Só não faz ginástica no domingo, dia de ir à missa.
Lula
tinha razão: Suplicy poderia, mesmo, ser do "sistema". Pelo lado da
mãe, dona Filomena, hoje com 104 anos e bem de saúde, o senador é bisneto do
legendário "conde" Francesco Matarazzo, o maior industrial do país na
primeira metade do século passado, e, por parte do pai, pertence, com oito
irmãos, à linhagem de grandes corretores de café em Santos. [Quando se casou
com Marta Teresa, em 1964, houve a fusão com uma terceira dinastia: os Smith de
Vasconcellos, barões (verdadeiros) em Portugal e no Brasil.] O adolescente
Eduardo estava destinado a levar vida de playboy, clubes, festas, Guarujá,
Campos do Jordão, fazenda em Bragança.
Aos 15
anos, convidou Dilson Funaro, seu cunhado, casado com Ana Maria, para padrinho
de crisma. O futuro ministro da Fazenda deu-lhe de presente uma biografia de
Galileu Galilei (1564-1642). O livro sobre o astrônomo italiano foi detonador
de mudanças: "Percebi como é importante a busca da verdade, mesmo que se
sofra por isso. Até minhas notas melhoraram, pois passei a levar a vida a sério.
Essa foi a parte de que a família gostou".
Parte
da família não gostaria, anos depois, quando ele voltou de viagem ao Leste
Europeu com "ideias de esquerda" - em verdade, estranhou o partido
único e a ausência de liberdades civis, mas aprovou a distribuição de renda e
"a existência de creches".
Essa
viagem, um convite para participar do Festival da Juventude organizado pelo
Partido Comunista em Helsinque, Finlândia, com passagens por União Soviética,
Polônia, a antiga Checoslováquia, Bulgária, Alemanha Oriental, propiciou a
estreia de Suplicy na imprensa. Ricardo Amaral assinava a coluna "Jovem
Guarda" no jornal "Última Hora", em que a turma de Suplicy às
vezes era citada. Quando soube que o estudante de administração na FGV iria para
o mundo socialista, Jorge Miranda Jordão, diretor de redação da "UH"
e então namorado de Maria Teresa Lara Campos, filha do primeiro casamento de
Dona Filomena e meia-irmã de Suplicy, convidou-o a escrever sobre a viagem.
Foram 15 reportagens numa série intitulada "Um jovem-guarda atrás da
Cortina de Ferro". Na volta do mundo socialista, consequência das muitas
viagens, noites maldormidas e talvez - ele nega - excesso de brindes com vodca
"pela paz e amizade entre os povos", o boxeur de 21 anos teve um
colapso nervoso na Suíça e enfrentou a socos seis seguranças no sanitário de um
aeroporto. Alguns amigos passaram a acreditar que fora mesmo submetido a uma
lavagem cerebral na URSS.
Nesse
ambiente, em 1960 conheceu Marta. Casaram-se em 1964 e dois anos depois
seguiram para East Lansing para mestrado de Suplicy na Michigan State
University. Voltaram em 1968, quando Suplicy passou a lecionar na FGV, e estão
em Michigan novamente em 1970 para Suplicy fazer o doutorado em economia e
Marta, mestrado em psicologia. O regresso definitivo é em 1973. Suplicy leciona
na FGV e passa a escrever artigos para jornais.
Era
editor de economia da revista "Visão" quando seu ex-colega de redação
Vladimir Herzog é assassinado nos porões do DOI-Codi. Suplicy e Marta têm
viagem marcada para uma reunião da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal), órgão da ONU. No aeroporto de Guarulhos, são detidos pela
polícia e, em salas separadas, obrigados a despir-se totalmente. A polícia
procurava uma entrevista do cardeal dom Paulo Evaristo Arns sobre a morte de
Herzog, que a revista fez, mas não chegou a publicar. Um agente infiltrado no
meio jornalístico fizera a denúncia ao Serviço Nacional de Informações (SNI) de
que Suplicy levava a entrevista para entregá-la ao "The New York Times".
Como a acusação era mentirosa, o casal foi liberado e conseguiu viajar.
Suplicy
vai trabalhar na "Folha" como repórter da editoria de economia e é um
dos primeiros economistas a escrever para a seção "Tendências e
Debates", na página 3. Por aí começou a ser conhecido e abriu-se o caminho
para sua notória carreira política. Deputado estadual pelo MDB em 1979, entra
para o PT em 1980 e por essa legenda é deputado federal (1983-1987), vereador
em São Paulo (1989-1990) e, desde 1991, senador em três mandatos consecutivos.
Nestes 23 anos, acompanhou o partido em todas as votações consideradas
importantes, além de ter sido, com o deputado José Dirceu, o autor do
requerimento de criação da CPI que levou à renúncia do presidente Fernando
Collor em 1990, além de assumir algumas altitudes insólitas, e, por isso, de
repercussão midiática: foi de pijama de seda listrado participar de um
acampamento de sem-terra e deu, da tribuna, cartão vermelho ao presidente do
Senado, José Sarney. O esforço para aparecer na imprensa levou-o esta semana a
Recife para receber a blogueira cubana Yoani Sánchez e envolver-se nos
incidentes com um grupo de manifestantes a favor de Fidel Castro. Mas na semana
anterior mandou carta ao presidente Barak Obama em que reitera o apelo para
suspensão do embargo contra a ilha. E, em 2011, manifestou-se reiteradamente
pela libertação de Cesare Battisti, acusado na Itália de assassinatos políticos
em processo que Suplicy considerou uma farsa. "Sou coerente na defesa da
liberdade", diz.
TOTTI - No início desta conversa, o senhor falou de boas
e más notícias recebidas no fim de 2012. Que más notícias foram essas?
SUPLICY - A primeira foi o Valor que publicou. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse
ao jornal que o partido poderia abrir mão da candidatura própria ao Senado em
2014 para facilitar alianças. Ora, a preferência é minha, pretendo me reeleger.
Foi uma desconsideração. "Você podia ter conversado comigo antes",
reclamei com o Rui. "Olha, Eduardo, também li uma entrevista sua em que
você diz que ia ser candidato a governador, e não conversou comigo antes",
foi a resposta do Rui.
TOTTI - E a outra preocupação?
SUPLICY - A bancada do PT no Senado rejeitou minha
aspiração de ser presidente da Comissão de Economia, a CAE.
Já em
2011, Suplicy abriu mão da presidência da CAE em favor do senador Delcídio
Amaral (MS), que lhe disse ser candidato a governador em 2014 e exercer a
presidência da segunda mais importante comissão da Casa, nos primeiros dois
anos da atual legislatura, ajudaria em sua campanha. "Tá bom", teria
respondido Suplicy. "Então fico no segundo biênio". Em dezembro de
2012, Lindbergh Farias (RJ) procurou Suplicy para dizer que também pretendia
ser governador. Propunha, então, ser o presidente neste ano e Suplicy o seria
no próximo. Suplicy ponderou que, pelos seus conhecimentos de economia, e por
ser o mais antigo senador do PT - foi o único senador petista eleito em 1991 -,
seria justo presidir a CAE. Mas concordaria em ser presidente em 2014. Na
reunião da bancada, foi lembrado o dispositivo regimental que estabelece que os
cargos nas comissões têm duração de dois anos - os partidos, se quiserem, podem
flexibilizar a exigência - e Lindbergh foi o escolhido para o biênio.
"Somos 12 senadores do PT. Perdi por dez a dois. Só Paulo Paim [RS] votou
em mim."
TOTTI - Qual foi sua reação?
SUPLICY - Fiquei muito entristecido. E pensando: será que é
alguma diretriz do partido? Será que tem a ver com a eleição do ano que vem? O
que aconteceu é que desde esse dia comecei a tossir muito. Diria até que a
minha pneumonia teve a ver com isso. [Ri] O médico disse que ocorre às vezes no
impacto da separação de casais. É a chamada "broken heart single",
síndrome do coração partido. No meu caso, pulmão.
TOTTI - Pode ter sido uma segunda derrota no tapetão. Mas
agora o senhor está sob o assédio da Marina...
SUPLICY - Da Marina Silva fui companheiro, amigo. Quando
ela saiu por conta própria do PT, lhe disse que ficaríamos juntos, dialogando,
lutando por propósitos comuns. Já sugeri a Marina que coloque a renda básica da
cidadania nos objetivos de seu partido, é o que acontece com os Partidos Verdes
da Europa. Quando a Heloisa Helena foi expulsa do PT, em 2005, votei contra a
expulsão. Devo às duas também a gratidão por terem me oferecido conforto quando
eu e Marta nos separamos, em 2001.
TOTTI - Isso o leva a cair na Rede?
SUPLICY - Sou defensor da fidelidade partidária. Ingressei
no PT por acreditar nos objetivos de construção de uma sociedade mais justa,
com democracia, garantia de liberdade de expressão, pluralidade de partidos. É
o que está no nosso manifesto de fevereiro de 1980. Quantas vezes ouvi
pessoalmente do presidente Lula que para nós, do PT, a questão ética é
fundamental! Continuo a lutar por isso e dentro do PT. Digo mais, já tenho
candidato a presidente em 2014. É a presidente Dilma.
Paulo Totti – 22.02.2013
IN Valor
Econômico – http://www.valor.com.br/cultura/3017326/o-quixote-da-renda-minima#ixzz2LeYuBlgG