quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Gilmar Mendes e a Bolsa


O raciocínio [de gilmar mendes] é simples e conhecido: receber renda do governo [bolsa-família] atesta dependência e incapacidade para juízo autônomo.
Ao ouvir as advertências estridentes e insistentes do ministro-presidente não há como ignorar as justificativas que por muito tempo ampararam a negação do direito de voto aos mais pobres. A remissão é imediata, inescapável. O argumento clássico associa pobreza à propensão à corrupção. O carente não teria força ou razões para resistir às investidas dos que querem comprar seu voto e sua consciência. Quem não tem sua sobrevivência assegurada, os que não possuem propriedade, seriam presas fáceis de políticos inescrupulosos e ambiciosos. Assim, em nome da preservação da moralidade politica, deveriam ser mantidos à margem da política.
A matriz elitista do argumento é clara. Os membros da elite projetam uma imagem elevada de si mesmos.

Fernando Limongi
Gilmar Mendes, na sexta-feira, voltou a atacar o programa Bolsa Família, afirmando que o TSE não estaria "aparelhado para lidar com esta nova forma de compra de votos". A crítica não é nova. O ministro-presidente usou os mesmos termos em palestra no ano passado sem obter repercussão. Desta vez recebeu os holofotes esperados. Sua diatribe foi manchete.
Para o ministro-presidente, o Bolsa Família representaria um grande risco à democracia no Brasil, abrindo a "possibilidade de uma fidelização política" que, no limite, permitiria a "eternização no poder" de um grupo político. Para evitar estes males, recorreu ao mantra: Reforma Política Já! Não propôs medidas concretas. A reforma nos salvará, qualquer seja.
Gilmar não condenou o programa. Não contestou a possibilidade de que o governo adote políticas de transferência de renda para combater a pobreza. Tampouco falou em inclusão de beneficiados baseado em critérios políticos. Não é isto que parece preocupá-lo. O questionamento se dirige às consequências políticas do Bolsa Família para a competição partidária. O programa criaria um "eleitorado cativo". O ministro-presidente, uma vez mais, mostrou que não tem papas na língua. Evitou o jargão jurídico e optou por termos da luta política. Não falou em "captação de sufrágio" definida em lei ou se referiu à possibilidade de clientelismo. Evitou eufemismos e dúvidas. Deu como certa a emergência de uma forma "moderna", "massiva" de compra de votos.
(...)





Fernando Limongi – Cientista Político, professor da USP e pesquisador do Cebrap – 20.10.2016.
In Valor Econômico.