O raciocínio [de gilmar mendes] é simples e conhecido: receber renda do governo [bolsa-família] atesta
dependência e incapacidade para juízo autônomo.
Ao ouvir as advertências estridentes e insistentes do
ministro-presidente não há como ignorar as justificativas que por muito tempo
ampararam a negação do direito de voto aos mais pobres. A remissão é imediata,
inescapável. O argumento clássico associa pobreza à propensão à corrupção. O
carente não teria força ou razões para resistir às investidas dos que querem
comprar seu voto e sua consciência. Quem não tem sua sobrevivência assegurada,
os que não possuem propriedade, seriam presas fáceis de políticos
inescrupulosos e ambiciosos. Assim, em nome da preservação da moralidade
politica, deveriam ser mantidos à margem da política.
A matriz elitista do argumento é clara. Os membros da elite projetam
uma imagem elevada de si mesmos.
Fernando Limongi
Gilmar Mendes, na sexta-feira, voltou a atacar o programa Bolsa Família,
afirmando que o TSE não estaria "aparelhado para lidar com esta nova forma
de compra de votos". A crítica não é nova. O ministro-presidente usou os
mesmos termos em palestra no ano passado sem obter repercussão. Desta vez
recebeu os holofotes esperados. Sua diatribe foi manchete.
Para o ministro-presidente, o Bolsa Família representaria um grande risco
à democracia no Brasil, abrindo a "possibilidade de uma fidelização
política" que, no limite, permitiria a "eternização no poder" de
um grupo político. Para evitar estes males, recorreu ao mantra: Reforma
Política Já! Não propôs medidas concretas. A reforma nos salvará, qualquer
seja.
Gilmar não condenou o programa. Não contestou a possibilidade de que o
governo adote políticas de transferência de renda para combater a pobreza.
Tampouco falou em inclusão de beneficiados baseado em critérios políticos. Não
é isto que parece preocupá-lo. O questionamento se dirige às consequências
políticas do Bolsa Família para a competição partidária. O programa criaria um
"eleitorado cativo". O ministro-presidente, uma vez mais, mostrou que
não tem papas na língua. Evitou o jargão jurídico e optou por termos da luta
política. Não falou em "captação de sufrágio" definida em lei ou se
referiu à possibilidade de clientelismo. Evitou eufemismos e dúvidas. Deu como
certa a emergência de uma forma "moderna", "massiva" de
compra de votos.
(...)
Fernando Limongi – Cientista Político, professor da USP e pesquisador do Cebrap – 20.10.2016.
In Valor Econômico.