segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A ficção da neutralidade e o poder moderador


A propalada neutralidade do poder independente foi, contudo, fazendo água ao longo da crise. Os juízes supremos decidem constrangidos por regras jurídicas, é verdade, mas também têm feito escolhas de natureza política, o que ficou patente no impeachment de presidente eleita pelo voto popular, sem que houvesse crime palpável. Politização da Justiça reiterada na deliberação acerca do destino do presidente do Senado.
Em vez de funcionar como a baliza neutra, o Supremo tem tomado partido, desnorteando os atores políticos e mesmo a parte da sociedade que o respaldava no papel de árbitro-mor.
As instituições fazem política, todas elas, assim como os indivíduos que as ocupam. Não existe poder infenso a interesses, valores e paixões. 

Ângela Alonso
“Não há mais bela ficção no direito constitucional do que imaginou Benjamim Constant com o seu Poder Moderador. O que a América do Sul precisa é um extenso Poder Moderador, um poder que exerça a função arbitral entre partidos intransigentes.” Essa era a opinião de Joaquim Nabuco, em “Balmaceda” (1895), que tratava do Chile e, obliquamente da crise brasileira de inícios da República. O Império julgava, o imperador encarnava esse quarto poder, plainando acima das paixões partidárias e, por isso, capaz de dirigi-las para o bem do país.
A tese da necessidade de um poder moderador como estabilizador da ordem política para além da lógica partidária e da instabilidade produzida por sua ausência fez carreira no Brasil. Comparece em vários intérpretes da política desde os tempos de Nabuco.
O princípio reapareceu transfigurado no debate dos últimos anos. Com uma nuance: na ausência de quarto poder formal, recorreu-se ao terceiro. O Judiciário operaria como poder moralizador, capaz de dar linha ética aos partidos.
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Ângela Alonso – Socióloga, Professora da USP e Presidenta do Cebrap – 18.12.2016.
IN Folha de São Paulo.