A autocensura transformada em censura
pelo Santander Cultural é um sinal dos dias sombrios que atravessamos.
Daniela Name
Uma exposição que inflamou aquela cidade fria. Os cidadãos de bem
comentavam, mesmo sem ter visto. As mães protegiam seus filhos daquelas telas,
esculturas, fotografias e objetos, consideradas uma ameaça à família, ao
espírito nacional, aos altos valores. Cada obra como um ataque premeditado à
ordem; cada defensor desse tipo de arte como um pervertido, pedófilo, bandido ou
prevaricador — talvez todos os atributos combinados. Uma patrulha civil,
milícia da moral, de plantão do lado de fora, abordando e intimidando as
pessoas. Afinal de contas, quem não é pelo bem compactua com o mal. Porto
Alegre? MBL? Mostra queer? Não. Este texto começou em Munique, onde, há exatos
80 anos, em 1937, um certo Adolf Hitler transformou a mostra "Arte
degenerada" em uma de suas principais peças de propaganda ideológica.
Nas paredes e no espaço, obras de Piet Mondrian, Emil Nolde e Oskar Schlemmer,
entre outros grandes nomes da arte moderna. Esteticamente, eles representavam a
ruptura com a ideia de verossimilhança e com o sistema de representação
ordenado e hierárquico vigente desde o Renascimento.Simbolicamente, apontavam
para a arte como um horizonte de ambiguidades, de opacidade e de ficção; um
campo sem compromisso com o real; um impulso sempre faminto de liberdade e de
utopia. E, é claro, um perigo avassalador para a intolerância e o discurso
monocórdio de Hitler. A exposição "Arte degenerada" deu ao ditador a
chancela para a destruição de obras dos artistas participantes e também de
Picasso, Kandinsky e Matisse — todos vistos como vetores
"judaico-bolcheviques". O resto da história conhecemos bem — ou ao
menos deveríamos: obras de arte queimadas, escondidas, destruídas. Artistas e
pensadores fugindo ou morrendo.
(...)
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Daniela Name – Crítica de arte e curadora – 12.09.2017;
IN O Globo.