Crédito mais barato,
desoneração fiscal e incentivos à inovação tentam garantir a competitividade do
microempresário diante do avanço das importações.
André Siqueira
O Brasil dá sinais de ter aprendido uma lição importante no período após
a crise financeira que derrubou a economia mundial entre o fim de 2008 e o
início de 2009. A partir dai, as micro e pequenas empresas (MPEs) lideraram a
geração de empregos no País, no papel de protagonistas no processo de
aquecimento do mercado interno que reduziu os impactos da debacle externa. E
agora, em meio a um novo recrudescimento da crise financeira internacional, o
governo anuncia uma série de medidas, algumas das quais em vigor, que marcam um
novo ponto de inflexão no tratamento conferido aos negócios de pequeno porte.
Apenas nas últimas semanas foram anunciadas novas condições para as
operações de microcrédito, desoneração para o microempreendedor individual
(MEI) e linhas de financiamento mais atraentes para a MPE, E são esperadas para
breve alterações no sistema tributário Simples Nacional e a criação de uma
secretaria especifica para o setor, com status de ministério. As mudanças
tentam amenizar os efeitos danosos da crescente concorréncia externa, que tem
abocanhado parte da receita gerada pelo também crescente mercado doméstico.
Os produtos importados são um adversário a mais para quem enfrenta uma
série de problemas internos. Um estudo recente da consultoria BDO RCS sugere
que os mecanismos de facilitação tributária ainda não são suficientemente
abrangentes. Mais de 70% de uma amostragem de 150 empresas de micro a
médioportepesquisadasgastam21%do faturamento com pagamento de impostos.
"Ainda há muitas atividades, sobretudo na área de prestação de serviços,
que não podem ser incluídas no Simples.
Além disso, as alíquotas mais altas do programa em alguns casos são
desvantajosas para as empresas", explica o gerente da Divisão Tributária d
a consultoria, Ricardo André Tortoriello.
O especialista afirma que as empresas, ao se aproximarem do teto do
faturamento do Simples, são prejudicadas pela dificuldade de realizar
planejamento tributário. "Como estão acostumadas a uma tributação única,
deixam de levar em conta os benefícios de adotar o sistema de faturamento
presumido, ou de se mudar para um município ou estado que dê incentivos à
atividade. Isso se torna uma barreira para o crescimento.
O deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), presidente da Frente Parlamentar
Mista da Micro e Pequena Empresa, lembra outro problema que ainda afeta
diretamente as MPEs: a substituição tributária, que altera a cobrança de ICMS
em muitos estados e pode elevar a fatia a ser paga por empresas optantes pelo
Simples. Segundo o parlamentar, a questão tem sido discutida com o Conselho
Nacional de Política Fazendária (Confaz). "As medidas adotadas em defesa
da microempresa têm se mostrado positivas, mas é preciso aperfeiçoar sempre.
Em 24 de agosto, foi lançado o Programa Crescer, com a promessa de
baixar dos atuais 60% para 8% ao ano o custo do chamado microcrédito produtivo
orientado, empréstimos voltados a empreendedores informais e individuais com
faturamento de até 120 mil reais ao ano. A tarifa de abertura de crédito (TAC)
será reduzida de 3% para 1%, em empréstimos que podem chegar a 15 mil reais.
Outra meta é destravar a oferta de microcrédito na rede bancária, que atribuía
ao alto custo das operações o descumprimento da exigência de destinar à
modalidade 2% dos depósitos à vista. O governo federal espera driblar esse
obstáculo com o desembolso de 843 milhões de reais para que o Banco do Brasil,
a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia atinjam a
meta. Instituições financeiras privadas também poderão solicitar o subsídio, desde
que ofereçam as taxas previstas no programa.
No mesmo dia em que foram anunciados os novos moldes do microcrédito
orientado, os microempreendedores individuais receberam a notícia de que o teto
do faturamento máximo para enquadramento na categoria será elevado de 36 mil
para 60 mil reais anuais. Vargas lembra que, no início de agosto, o Senado
aprovou a medida provisória que reduz de 11% para 5% a contribuição mínima do
MEI à Previdência Social. "Na prática, o custo mensal para o empreendedor
caiu de 59,95 reais para 27,25 reais.
Segundo Vargas, desde a criação da figura do MEI, dois anos atrás, 1,3
milhão de profissionais foram enquadrados na categoria. A maioria estava antes
na informalidade. "A formalização não só não derrubou, como reforçou a
receita de estados, municípios e União. Esse efeito contribuiu decisivamente
para o aumento dos empregos formais e para que assim a Previdência urbana
passasse a ser superavitária. Além disso, não há dúvida de que parte da classe
média emergente é formada por empreendedores individuais.
As facilidades de um regime tributário diferenciado serão estendidas no
caso do Simples Nacional, também chamado de Supersimples. O Projeto de Lei
Complementar 591 (PLC), de 2010, que deverá ser votado ainda neste ano para
alterar a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, vai ampliar de 2,4 milhões
para 3,6 milhões de reais anuais o teto de faturamento para o enquadramento no
sistema. Além disso, corrige as aliquotas de impostos a serem pagos de acordo
com a receita e a área de atividade das empresas.
O PLC 591 vai tornar possível o parcelamento de tributos atrasados, algo
que, pelas regras atuais, resulta em descredenciamento do programa. E oferecerá
uma vantagem adicional às empresas exportadoras, que poderão efetuar vendas ao
exterior até o dobro do limite máximo para enquadramento sem serem excluídas do
Simples Nacional.
A criação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, bandeira de campanha
de Dilma Rousseff, é outra medida à espera da aprovação do Congresso. Em
agosto, a chefe do Executivo pediu urgência para a votação, que passará
primeiro pela Câmara dos Deputados e depois terá de ser referendada pelo Senado
em até 45 dias. A empresária Luiza Helena Trajano, presidente da cadeia
varejista Magazine Luiza, foi convidada para assumir a pasta.
"A bola da vez é a microempresa", afirma o diretor do
Departamento de Micro, Pequenas e Médias Empresas do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Nunes. "Essa aposta
permite ao governo precaver-se contra os impactos do ambiente externo
negativo." Uma prova de que as MPEs tornaram-se peça fundamental na
estratégia de defesa do mercado nacional é o destaque dado ao segmento no
Programa Brasil Maior, anunciado no início de agosto. Segundo Nunes, a
regulamentação a ser definida no conjunto da nova política industrial para o
estímulo à inovação deverá dar espaço para o crescimento de pequenas empresas
que apresentem soluções eficientes e criativas para o aperfeiçoamento de
cadeias industriais. "Será dada preferência a fornecedores inovadores nas
compras governamentais e de estatais, que também vão ser feitas de forma cada
vez mais descentralizada.
Além do reforço ao sistema de defesa comercial, que deverá beneficiar
indistintamente grandes e pequenos empresários, o Brasil Maior inclui a
criação, ampliação e renovação de linhas voltadas aos de menor porte. Um
exemplo é a melhora das condições e prazos do Progeren, oferecido pelo BNDES a
MPEs que atendem à indústria da transformação, de petróleo e gás e de
mineração, além das localizadas em municípios cobertos pelos Fundos
Constitucionais do Norte e do Nordeste.
"O esforço para chegar ao micro e pequeno empresário não é recente,
mas sem dúvida tem amadurecido", afirma o gerente do Departamento de
Relacionamento com Agentes Financeiros e outras Instituições do BNDES, Nelson
Tortosa. "Hoje, 42% dos desembolsos realizados pelo banco são voltados
para esse público.
O principal instrumento da instituição no relacionamento com as MPEs é o
cartão BNDES, que oferece um crédito pré-aprovado para efetuar compras de mais
de 32 mil fornecedores, com uma taxa de juro que era de 1% ao mês em agosto.
Mais de 420 mil cartões foram emitidos até hoje, e os limites oferecidos
atingiram 20 bilhões de reais. "Neste ano, a expectativa é financiar mais
de 7,2 bilhões de reais em compras, com valor médio de 14 mil reais por
operação."
De acordo com o executivo do Mdic, no fim de julho, o Fórum Permanente
da MPE celebrou sete acordos com órgãos públicos para incentivar, de maneiras
diferentes, o desenvolvimento de pequenos negócios. O Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) vai desenvolver estudos sobre a inserção dos pequenos
em cadeias produtivas. Os vendedores de artesanato serão incluídos pelo
Ministério do Turismo em rotas turísticas oficiais. O acesso a patentes deverá
ser facilitado pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). O
Conselho Federal de Administração propôs oferecer capacitação aos
empreendedores. O trâmite de questões judiciais de pequenos empresários será
acelerado pelo Ministério da Justiça.
Finalmente, em uma parceria entre a Frente Nacional dos Prefeitos, a
Confederação Nacional dos Municípios e o Sebrae, começarão a ser formados os
agentes de desenvolvimento, profissionais treinados para orientar MPEs em suas
regiões de origem. "Queremos dar capilaridade ao sistema de apoio ao
empresário, para que as decisões tomadas em Brasília cheguem ao maior número
possível de pessoas", diz Nunes.
De acordo com o diretor-técnico do Sebrae Nacional, Carlos Alberto dos
Santos, a grande tarefa do governo é ampliar a cobertura das linhas de
financiamento específicas para a MPE. "Há duas referências de custo no
sistema financeiro. Quem tem acesso ao crédito direcionado paga taxas reais
realmente baixas, mas os recursos livres ainda estão entre os mais caros do
mundo. E o problema é que, embora tenha aumentado a oferta de empréstimos
direcionados, as grandes empresas são responsáveis pela maior parte da demanda.
Entre as iniciativas necessárias à criação de um ambiente de negócios
mais favorável à pequena empresa, Santos cita o aperfeiçoamento dos modelos de
análise de crédito e risco utilizados pelos bancos, que não consideram
especificidades das MPEs, e o estímulo a mecanismos como as sociedades de
garantia de crédito, que facilitam a contratação de empréstimos. "Os
grandes bancos ainda estão descobrindo as pequenas empresas.
O ritmo da formalização, segundo Santos, tende a se acelerar nos
próximos meses, o que torna ainda mais difícil garantir o acesso de crédito a
todas as empresas. "Nos últimos dois anos,1,4 milhão de empreendedores se
formalizaram, o que equivale a cerca de 3 mil por dia. Não tenho notícia de
outro país em que esse processo tenha ocorrido tão rapidamente." Somente
em julho, durante um evento promovido pelo Sebrae em 60 grandes cidades, 44 mil
empresas se legalizaram em cinco dias.
"A demanda que surge com a formalização em massa nos coloca tarefas
de grande magnitude", diz o diretor do Sebrae. Entre elas, orientar o novo
empresário, que assume obrigações como o recolhimento mensal de taxas ao
governo. "A informalidade abre espaço para a ilegalidade, e essa
constatação, por si só, justifica o esforço a ser feito para manter as novas
empresas em situação regular." -
André Siqueira – 16.09.2011
IN “Carta Capital” – http://rio-negocios.com/alem-das-boas-intencoes/