Ao esconder a existências dessas regras e
o modo funcionamento da mídia em outros países, essas entidades empresariais é
que estão praticando censura e manifestando a visão autoritária que tem sobre o
tema. O acesso à informação de qualidade é um direito. Aqui estão dez regras
adotadas em outros países que os barões da mídia brasileira escondem da
população
Marco Aurélio Weissheimer
O debate sobre regulação do setor de comunicação social no Brasil, ou
regulação da mídia, como preferem alguns, está povoado por fantasmas, gosta de
dizer o ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República,
Franklin Martins. O fantasma da censura é o frequentador mais habitual,
assombrando os setores da sociedade que defendem a regulamentação do setor,
conforme foi estabelecido pela Constituição de 1988.
Regulamentar para quê? – indagam os que enxergam na proposta uma
tentativa disfarçada de censura. A mera pergunta já é reveladora da natureza do
problema. Como assim, para quê? Por que a comunicação deveria ser um território
livre de regras e normas, como acontece com as demais atividades humanas? Por
que a palavra “regulação” causa tanta reação entre os empresários brasileiros
do setor?
O que pouca gente sabe, em boa parte por responsabilidade dos próprios
meios de comunicação que não costumam divulgar esse tema, é que a existência de
regras e normas no setor da comunicação é uma prática comum naqueles países
apontados por esses empresários como modelos de democracia a serem seguidos.
O seminário internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias,
realizado em Brasília, em novembro de 2010, reuniu representantes das agências
reguladoras desses países que relataram diversos casos que, no Brasil, seriam
certamente objeto de uma veemente nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ)
e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT)
denunciando a tentativa de implantar a censura e o totalitarismo no Brasil.
Ao esconder a existências dessas regras e o modo funcionamento da mídia
em outros países, essas entidades empresariais é que estão praticando censura e
manifestando a visão autoritária que tem sobre o tema. O acesso à informação de
qualidade é um direito. Aqui estão dez regras adotadas em outros países que os
barões da mídia brasileira escondem da população:
1. A lei inglesa prevê um padrão ético nas
transmissões de rádio e TV, que é controlado a partir de uma mescla da atuação
da autorregulação dos meios de comunicação ao lado da ação do órgão regulador,
o Officee of communications (Ofcom). A Ofcom não monitora o trabalho dos
profissionais de mídia, porém, atua se houver queixas contra determinada
cobertura ou programa de entretenimento. A agência colhe a íntegra da
transmissão e verifica se houve algum problema com relação ao enfoque ou se um
dos lados da notícia não recebeu tratamento igual. Após a análise do material,
a Ofcom pode punir a emissora com a obrigação de transmitir um direito de
resposta, fazer um pedido formal de desculpas no ar ou multa.
2. O representante da Ofcom contou o seguinte exemplo
de atuação da agência: o caso de um programa de auditório com sorteios de
prêmios para quem telefonasse à emissora. Uma investigação descobriu que o
premiado já estava escolhido e muitos ligavam sem chance alguma de vencer. Além
disso, as ligações eram cobradas de forma abusiva. A emissora foi investigada,
multada e esse tipo de programação foi reduzida de forma geral em todas as
outras TVs.
3. Na Espanha, de 1978 até 2010, foram aprovadas
várias leis para regular o setor audiovisual, de acordo com as necessidades que
surgiam. Entre elas, a titularidade (pública ou privada); área de cobertura (se
em todo o Estado espanhol ou nas comunidades autônomas, no âmbito local ou
municipa); em função dos meios, das infraestruturas (cabo, o satélite, e as
ondas hertzianas); ou pela tecnologia (analógica ou digital).
4. Zelar para o pluralismo das expressões. Esta é uma
das mais importantes funções do Conselho Superior para o Audiovisual (CSA) na
França. O órgão é especializado no acompanhamento do conteúdo das emissões
televisivas e radiofônicas, mesmo as que se utilizam de plataformas digitais.
Uma das missões suplementares e mais importantes do CSA é zelar para que haja
sempre uma pluralidade de discursos presentes no audiovisual francês. Para
isso, o conselho conta com uma equipe de cerca de 300 pessoas, com diversos
perfis, para acompanhar, analisar e propor ações, quando constatada alguma
irregularidade.
5. A equipe do CSA acompanha cada um dos canais de
televisão e rádio para ver se existe um equilíbrio de posições entre diferentes
partidos políticos. Um dos princípios dessa ação é observar se há igualdade de
oportunidades de exposição de posições tanto por parte do grupo político
majoritário quanto por parte da oposição.
6. A CSA é responsável também pelo cumprimento das
leis que tornam obrigatórias a difusão de, pelo menos, 40% de filmes de origem
francesa e 50% de origem européia; zelar pela proteção da infância e quantidade
máxima de inserção de publicidade e distribuição de concessões para emissoras
de rádio e TV.
7. A regulação das comunicações em Portugal conta com
duas agências: a Entidade reguladora para Comunicação Social (ERC) – cuida da
qualidade do conteúdo – e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que
distribui o espectro de rádio entre as emissoras de radiodifussão e as empresas
de telecomunicações. “A Anacom defende os interesses das pessoas como
consumidoras e como cidadãos.
8. Uma das funções da ERC é fazer regulamentos e
diretivas, por meio de consultas públicas com a sociedade e o setor. Medidas
impositivas, como obrigar que 25% das canções nas rádios sejam portuguesas, só
podem ser tomadas por lei. Outra função é servir de ouvidoria da imprensa, a
partir da queixa gratuita apresentada por meio de um formulário no site da
entidade. As reclamações podem ser feitas por pessoas ou por meio de
representações coletivas.
9. A União Européia tem, desde março passado, novas
regras para regulamentar o conteúdo audiovisual transmitido também pelos
chamados sistemas não lineares, como a Internet e os aparelhos de
telecomunicação móvel (aqueles em que o usuário demanda e escolhe o que quer
assistir). Segundo as novas regras, esses produtos também estão sujeitos a
limites quantitativos e qualitativos para os conteúdos veiculados. Antes,
apenas meios lineares, como a televisão tradicional e o rádio, tinham sua
utilização definida por lei.
10. Uma das regras mais importantes adotadas
recentemente pela União Europeia é a que coloca um limite de 12 minutos ou 20%
de publicidade para cada hora de transmissão. Além disso, as publicidades da
indústria do tabaco e farmacêutica foram totalmente banidas. A da indústria do
álcool são extremamente restritas e existe, ainda, a previsão de direitos de
resposta e regras de acessibilidade.
Todas essas informações estão disponíveis ao público na página do Seminário Internacional Comunicações
Eletrônicas e Convergências de Mídias. Note-se que a relação
não menciona nenhuma das regras adotadas recentemente na Argentina, que vem
sendo demonizadas nos editoriais da imprensa brasileira. A omissão é
proposital. As regras adotadas acima são tão ou mais "duras" que as
argentinas, mas sobre elas reina o silêncio, pois vêm de países apontados como
"exemplos a serem seguidos" Dificilmente, você ouvirá falar dessas
regras em algum dos veículos da chamada grande imprensa brasileira. É ela, na
verdade, quem pratica censura em larga escala hoje no Brasil.
Marco Aurélio Weissheimer – 11.11.2011
IN “Carta Maior” – http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18942