Atualmente, os partidos de
direita têm condições privilegiadas de captação de dinheiro privado para as
eleições, inclusive para as eleições parlamentares.
Devem ser pensadas
soluções que reduzam o poder corruptor das empresas e aumentem o poder de
fiscalização da sociedade e das instituições públicas sobre o poder econômico
privado e os eleitos, e também sobre as instituições que mediam esta relação,
os partidos politicos.
Maria Inês Nassif
Em 1971, durante o período mais sombrio da ditadura militar, o do
governo Emílio Garrastazu Médici, foi promulgada a Lei Orgânica dos Partidos
Políticos, a de número 5682. Condizente com a ideia "revolucionária"
que levou ao golpe de 1964, de que a política democrática era intrinsicamente
corrupta e os políticos, desonestos por princípio, foram definidas regras
financeiras muito rígidas para os partidos. Teoricamente, foi instituído o
financiamento público: as únicas duas legendas com direito a funcionamento
legal, o MDB e a Arena, mantinham os partidos com um fundo composto por multas
e penalidades aplicadas no decurso das eleições, recursos orçamentários e
doações particulares (desde que destinadas a todo o fundo, e não a partido
político). Nem o partido, nem o candidato, podiam receber recursos diretamente
de empresas públicas ou privadas, ou de entidades de classe ou sindicais.
A distribuição era feita de uma forma que favorecia francamente o
partido do governo, a Arena, enquanto a legenda não despencou ladeira abaixo,
junto com o "milagre econômico" e a popularidade dos governos
militares: 80% dos recursos eram distribuídos proporcionalmente ao número de
cadeiras na Câmara dos Deputados e apenas 20% divididos igualmente entre os
dois partidos.
A lei foi mantida após o fim do bipartidarismo, em 1979. E foram essas
as regras que comandaram as primeiras eleições presidenciais diretas do período
democrático, em 1989. Sem a possibilidade de financiamento privado legal,
apeado num partido de ocasião, o PRN, e portanto sem grande participação no
fundo público, e disposto a vencer com a ajuda das novíssimas técnicas de
marketing político, o então governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello,
usou outros instrumentos. Dois anos depois, a CPI do PC Farias, o nome do
tesoureiro de sua campanha e intermediário das conversas entre primeiro o
candidato, depois o poder público, e os financiadores de campanha, chegaria à
conclusão de que havia sido inaugurado, junto com o voto secreto e direto para
presidente, o caixa dois de campanha.
A conclusão, após o processo de impeachment do presidente Collor, em
1992, era a de que a impossibilidade de financiamento privado de campanha
acabou por estimular o financiamento eleitoral por debaixo dos panos.
Em 1995, a Lei 9096 alterou a anterior. Criou um fundo partidário,
instituindo recursos orçamentários correspondentes a R$ 0,35 por eleitor
inscrito (valor de 1995), também levando em conta os critérios de composição da
bancada da Câmara Federal: 99% do fundo é, até hoje, distribuído de acordo com
a bancada federal dos partidos; 1% é dividido igualmente entre todos os
partidos. Além disso, a lei permitiu que os partidos e candidatos recebessem
diretamente doações de pessoas físicas ou jurídicas, desde que os recursos
fossem declarados à Justiça Eleitoral.
Dezesseis anos e vários escândalos depois, a discussão sobre o
financiamento de campanha torna-se o centro do debate, novamente como a solução
para todos os problemas do sistema político brasileiro. O financiamento
público, de fato, democratiza as condições de disputa eleitoral, mas se for
tomado separadamente, sem que se leve em conta as outras variáveis de nosso
sistema político, corre o risco de ser responsabilizado, daqui a alguns anos,
por outros desmandos políticos.
O fundo público de campanha é uma solução democrática para o problema,
desde que o financiamento privado não seja visto exclusivamente como único
problema da política brasileira, e os partidos políticos como os grandes
responsáveis por todos os seus males. Segundo as crenças pré e
pós-redemocratização, os partidos são, em princípio, os agentes da corrupção.
A ideia de que todo político, porque eleito, é corrupto, é uma
demonização, uma quase caricatura. Para a média da opinião pública, o político
é aquele que, em princípio, achaca empresários bem-intencionados, que são
obrigados a comprar a boa vontade de governos futuros, contribuindo para as
campanhas. Não existe a ideia de que corruptos e corruptores são parte do mesmo
sistema político.
Se as empresas usam caixa dois para financiar campanhas, é por duas
razões: primeiro, porque dispõem de caixa dois; segundo, para não ficarem
expostas futuramente, quando tiverem interesses atendidos pelo governo, ou
assumidos por um parlamentar. A primeira coisa a se considerar, num sistema
político com financiamento público, é que as instituições devem coibir caixa
dois das empresas, sob pena de manterem o caixa dois dos partidos (além, é
lógico, de provocar evasão fiscal e de divisas). Os mesmos partidos que
combatem com violência o financiamento público de campanha foram os mesmos que
lutaram com a mesma virulência contra a Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF), um instrumento importante de controle do caixa
das empresas, sob o argumento de que o país não aguentava pagar mais impostos.
Se fosse mantida, a CPMF teria feito muito mais pelo sistema político, por dar
instrumentos de controle de empresas e partidos, do que todas as medidas punitivas
que foram tomadas ao longo de muitos escândalos, que acabam virando letra morta
por conta das dificuldades de apuração dos delitos. Os instrumentos de controle
do Estado sobre a renda das empresas - e portanto arrecadação de impostos - é
fundamental nesse debate.
Outro tema que entra timidamente no debate da reforma política é a forma
de distribuição desses recursos. Da forma como tradicionalmente é dividido o
fundo partidário no país, as legendas maiores são as mais beneficiados pelos
recursos. Um partido pequeno, com um nome competitivo mas com poucos deputados
na bancada federal, terá certamente dificuldades de ter um candidato a
presidente, por exemplo, se for instituído um fundo público exclusivo para
campanha sem que se altere as regras de distribuição dos recursos - a não ser
que lance mão de recursos de caixa dois. Da mesma forma, uma legenda em
crescimento terá condições limitadas à sua participação no fundo para aumentar
a sua bancada federal - e, assim, sua participação no fundo.
Atualmente, os partidos de direita têm condições privilegiadas de
captação de dinheiro privado para as eleições, inclusive para as eleições
parlamentares. Os partidos com maiores chances de vitória também. Caso seja
instituído o financiamento público de campanha, sem que se altere as regras de
distribuição de recursos, os partidos maiores sempre começarão a disputa
eleitoral em condições privilegiadas.
Para que as chances de corromper e ser corrompido se reduzam, o sistema
político jamais deve ser olhado como um ente que paira acima das demais
instituições e dos demais setores da sociedade. Devem ser pensadas soluções que
reduzam o poder corruptor das empresas e aumentem o poder de fiscalização da
sociedade e das instituições públicas sobre o poder econômico privado e os
eleitos, e também sobre as instituições que mediam esta relação, os partidos
politicos. As instituições de controle e fiscalização devem ter agilidade. A
Justiça deve julgar e condenar.
Eleger a política, entendida como o sistema representativo constituído
pelo voto direto, secreto e livre, como o ente corrupto por excelência da nossa
tenra democracia, é desservir a democracia. Na democracia, cada poder tem que
assumir o seu papel: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E todas as
instituições estão em xeque quando a sociedade se propõe a fazer um debate mais
amplo sobre as distorções do sistema. Não consta que as instituições de
controle não sujeitas ao voto estejam em melhor situação do que as definidas
pela escolha popular.
Maria Inês Nassif
– Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo – 26.10.2011