Após a privatização das rodovias, a Dersa acumulou prejuízos bilionários.
Rodrigo Martins
As
privatizações das rodovias paulistas i9niciadas no fim dos anos 1990 prometeram
o céu: pistas melhores e menos gastos públicos. As estradas são realmente boas.
Quanto à redução das despesas do governo... Basta ver a situação da Dersa
(Desenvolvimento Rodoviário S.A.), que operou as rodovias por 40 anos e hoje
está em situação calamitosa. Em 2919, a empresa de economia mista vinculada à
Secretaria Estadual de Logística e Transportes, apurou um prejuízo de 583
milhões de reais. Com esse resultado, o roombo acumulado pela companhia desde a
sua fundação ultrapassou a marca dos 8,32 bilhões de reais. No fim do ano
passado, se a empresa tivesse de fechar as portas, o seu patrimônio não seria
suficiente para quitar os débitos. Faltariam 967,2 milhões de reais para honrar
todos os compromissos.
O
cenário é ruim, mas, de acordo com uma auditoria da KPMG, poderia ser melhor
caso o governo do estado tivesse quitado as indenizações que deve à empresa
pelas rodovias que entregou à iniciativa privada com o Programa Estadual de
Desestatização. A dívida soma 2,5 bilhões de reais. Esse valor, por sinal,
seria bem maior hoje se a companhia não tivesse abdicado de cobrar juros e
correção monetária sobre o débito. O prejuízo da Dersa em 2010, por exemplo,
seria 40% menor, uma diferença de ao menos 240 milhões de reais, segundo os
cálculos da KPMG.
Em
2009, a empresa perdeu a operação das últimas três estradas que controlava,
encerrando uma história de 40 anos como concessionária de rodovias. A
Eco-pistas pagou 595 milhões de reais e prometeu investir outros 828 milhões
para explorar, por 30 anos, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Já a
rodovia D. Pedro I foi outorgada à concessionária Rota das Bandeiras por 1,39
bilhão de reais, mais investimentos de 2,1 bilhões até 2039. Como a Dersa
poderia explorar esses corredores por mais 13 anos, ficou acertado que a
empresa receberia 1,58 bilhão de reais a título de indenização no primeiro caso
e 935 milhões no outro. A Dersa não sabe estimar quanto deixa de arrecadar em
pedágios atualmente pela privatização dessas estradas. No último ano em que as
operou por 12 meses completos, faturou 281 milhões.
O que chama mais a atenção no relatório da KPMG, datado de 29 de março, é a
constatação de que "a continuidade das operações da companhia depende do
aporte de recursos financeiros do governo do estado de São Paulo, seu principal
acionista, e do recebimento das indenizações citadas anteriormente". Além
disso, o texto assinado pelo auditor Wagner Petelin levanta "dúvida
significativa quanto à capacidade de continuidade operacional" da empresa.
É por essa razão que o deputado Luiz Claudio Marcolino (PT), da Comissão de
Transportes da Assembleia Legislativa de São Paulo, pretende incluir
questionamentos sobre a saúde financeira da Dersa durante uma audiência a ser
realizada no parlamento paulista. A oposição espera convocar o presidente da
empresa, Laurence Casagrande Lourenço, para esclarecer o excesso de aditivos em
obras da Dersa. "Os empreendimentos costumam terminar com um preço bem superior
ao do contrato original e causa estranhamento saber que, apesar de estar à
frente das maiores obras viárias do estado, a Dersa tenha acumulado prejuízos
tão elevados."
De
acordo com Márcio Cammarosano, professor de Direito Administrativo da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os administradores da
Dersa podem exigir o pagamento das indenizações devidas pelo governo paulista,
mesmo sendo o estado o seu principal acionista. "Trata-se de uma empresa
de economia mista, que também deve satisfações aos seus sócios privados. Se a
Dersa tinha direito a explorar essas rodovias por mais tempo e foi impedida,
deve ser ressarcida, porque isso pode afetar a economia interna da
empresa", avalia. É pouco provável, no entanto, que os sócios privados da
companhia venham requerer alguma coisa. Eles detêm apenas 0,000001% das ações
da Dersa. O restante pertence à Fazenda paulista. "Normalmente, numa
situação como essa, a administração da empresa entra em acordo com o estado, o
principal acionista."
Por
meio de nota, a Dersa diz ter solicitado ao Estado "autorização para
converter em capital social a parcela do passivo não circulante, registrada
como `adiantamento parafuturo aumento de capitar. Em outras palavras, o governo
pode autorizar o aporte de 3,4 bilhões de reais para tapar o buraco contábil da
empresa. "Tão logo sejamos autorizados pelo nosso acionista, faremos a
atualização contábil e passaremos a uma situação de patrimônio líquido
positivo".
Esse
investimento, contudo, não diz respeito ao pagamento das indenizações devidas à
Dersa pela privatização das rodovias, um débito que deve ser quitado pelo
Departamento de Estradas de Rodagem (DER). A nota afirma ainda que a Dersa está
negociando com o DER, mas informa que a empresa também possui dívidas com o
órgão estadual, sem, no entanto, especificar esses valores. "Ao final das
tratativas teremos um encontro de contas, com resultado positivo em favor da
Dersa, e um plano de quitação desse débito", completa o texto. Quanto à
decisão de não cobrar juros e correção monetária correspondente às
indenizações, a companhia alega ter agido em conformidade com o "princípio
da prudência", uma vez que "não existia naquele momento uma
expectativa do correspondente ingresso financeiro imediato".
Atualmente,
a Dersa sobrevive com a receita das travessias de lanchas e ferry-boats que
operam no litoral paulista e a prestação de serviços técnicos no campo da
infraestrutura de transportes e logística, sobretudo no apoio a grandes
projetos viários do governo. A empresa garante não ser dependente do Tesouro
paulista, "o que significa que os aportes de capital do acionista são
dirigidos somente a investimentos da empresa". Por essa razão, as contas
da Dersa não são registradas no Sistema de Informações Gerenciais da Execução
Orçamentária (Sigeo), mecanismo de controle dos gastos públicos aberto aos
parlamentares. No fim, a empresa virou uma caixa-preta que não permite avaliar
até que ponto as privatizações de rodovias prejudicaram a Dersa e, a despeito
do pagamento das concessões, criaram, na prática, um rombo a ser coberto pelos
cofres públicos.
Rodrigo Martins
– 17.08.2011
IN “Carta Capital” – http://www.cartacapital.com.br/politica/veja-os-destaques-da-edicao-impressa-de-cartacapital-4