quarta-feira, 11 de julho de 2012

O transatlântico se move


Os bancos públicos anunciam novos cortes nas taxas. E os privados reagem.
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A inadimplÊncia é apontada pelos bancos como o maior entrave à queda dos juros. Mas é apenas de 3,7% e são as altas taxas de juros que geram inadimplência.


Luiz Antonio Cintra
Circulou recentemente uma pesquisa da Fecomercio, a federação paulista de lojistas, sobre o custo do crédito no Brasil. Causaram espanto as taxas cobradas, a começar pelas faturas atrasadas dos cartões de crédito, de três dígitos, exatos 238% na ocasião. Mas também o cheque especial, que em março passado bateu 185% anuais, alta de 2,2 pontos em relação ao mês anterior.
Os indicadores chamaram a atenção do economista chileno Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge, ainda que ele seja um profundo conhecedor dos caminhos e descaminhos das economias latino-americanas, seu objeto de estudos há décadas. Olhou a fatura do seu cartão de crédito inglês, constatou que pagaria no máximo 30% ao ano, uma diferença abissal.
“O que acontece no Brasil é algo anormal, é um equilíbrio perverso onde se empresta pouco e se ganha muito. Em um país civilizado, essas taxas de juro deveriam ser consideradas ilegais. E, na verdade, em alguns países isso é ilegal. Mesmo no Chile, com muitos defeitos semelhantes aos brasileiros, a taxa média nos cartões equivale a um terço do cobrado no Brasil e já e alta. No último balanço global do Santander, a distribuição regional dos lucros indicou que no Brasil ele foi equivalente ao dobro dos ativos que possui no País. Na Espanha e Reino Unido, de apenas 50% dos ativos. E não por causa da crise econômica, mas porque há regulação e concorrência.”
A comparação internacional indica que o peso do crédito na economia brasileira é mesmo pequeno. Aqui o total de empréstimos representa cerca de 50% do PIB. Nos países da OCDE, ultrapassa a marca de 100%, em alguns casos 150%, Em março passado, em viagem a São Paulo para um debate na FGV-SP, Palma ouviu de executivos do mercado financeiro a principal justificativa para o custo do crédito no País. Teria a ver com a alta inadimplência, aqueles empréstimos cujo pagamento atrasa mais de 90 dias. “Mas é exatamente o contrário: as taxas absurdamente altas é que levam à inadimplência.” E a linha de argumentação da Febraban, a federação dos bancos, que há quase um mês foi a Brasília negociar com o Ministério da Fazenda, ancorada em uma lista de “20 medidas” que abririam espaço para juros menores. Com foco na redução dos impostos sobre as operações de crédito, Murilo Portugal, presidente da entidade, pediu “contrapartidas do governo”. E com isso atingiu o humor do ministro Guido Mantega. para quem os lucros bancários permitiriam uma política de crédito menos conservadora.
Em sua batalha para trazer os bancos brasileiros ao mundo real, a estratégia do governo foi pressionar via instituições públicas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Particularmente a Caixa, cujo capital está totalmente no controle do Estado, ao contrário do BB, que possui ações negociadas na BM&FBovespa.
Na sexta-feira 20, a CEF divulgou a segunda rodada de cortes em menos de um mês, para empresas e pessoas físicas, dois dias após o Banco Central anunciar que a taxa básica, a Selic, caíra a 9% ao ano, próxima da mínima histórica de 8,75%. O BB também repetiu a dose. E em seguida vieram os privados, mais tímidos, contudo, com foco nos empréstimos consignados e nas contas-salário, de menor risco.
Não foi assim na Caixa. “Reduzimos inclusive as taxas de cheque especial para os correntistas recentes, aqueles com pouco relacionamento com o banco, sem conta-salário, que caiu de 8,25% para 4,27%, sem condicionantes ou asteriscos nos nossos produtos. Para as contas-salario, é ainda menor, de 3,5%. A postura da CEF sempre foi trabalhar com as melhores taxas e tarifas, mas aprofundamos essa estratégia de olho na curva de juros em queda. E com isso tivemos um crescimento na demanda por crédito de 21%”, diz Fábio Lenza, vice-presidente para pessoas físicas.
Na quarta-feira 25, a Caixa incluiu suas linhas de crédito imobiliário no rol de reduções, de 10% para 9% ao ano, no caso dos imóveis de até 500 mil reais. Ao mesmo tempo que ampliou as campanhas para divulgar as novas taxas, em sintonia com o governo, que considera decisiva a circulação dessas informações, de modo a chacoalhar a inércia dos correntistas e, por tabela, dos maiores bancos. Também lançou uma linha para os participantes do programa de financiamento residencial Minha Casa Minha Vida, no valor de 2 bilhões de reais, para a aquisição de móveis, geladeiras, fogões e máquinas de lavar. Parte da mesma estratégia de divulgação, a CEF abriu suas 500 principais agências uma hora antes do normal.
Na onda da redução de juros, Eríberto Silva, analista do Banco Central, conseguiu melhorar as condições de três financiamentos que apertavam o orçamento familiar. Silva Linha dois empréstimos com o Banco do Brasil e um com apropria Caixa. Na quarta-feira 25, saiu de uma agência da CEF com uma proposta que o agradou. Juros de 1,35% para empréstimos consignados. E um Crédito Direto ao Consumidor (CDC), que passou de 3,5% para 2,59%. Conseguiu ainda repactuar as 41 parcelas restantes, esticando o prazo para 60 meses
Mas alguns saíram ressabiados. Caso de Giovanni Ribeiro, que foi à Caixa saber das condições para financiar uma reforma. Foi oferecida uma taxa de 1,8% ao mês, em um crédito consignado. “Minha casa está sem acabamento, achei que seria uma oportunidade para investir, mas preciso avaliar ainda o impacto no meu salário”", diz o assistente administrativo, que planeja gastar no máximo 150 reais de prestação.
Roberto Nakano, dono de uma loja de utensílios e presentes na Rua Augusta, em São Paulo, diz que a queda nos juros deve ajudar no financiamento do capital de giro, mas a expectativa mesmo é que dê novo gás aos consumidores. “Quem conseguiu financiamento de carro, casa, deixou de comprar coisas pequenas.”
O comerciante ecoa uma das preocupações dos especialistas, que tendem a considerar como reduzida a contribuição do sistema bancário para o desenvolvimento da economia brasileira. “A partir de 2008, a crise financeira internacional reforçou a necessidade de termos um sistema bancário misto, com bancos públicos e privados. E é preciso deixar claro que a necessidade nada tem a ver com o grau de desenvolvimento do País, no sentido de que mais adiante eles serão dispensáveis”, diz Daniela Prates, professora do IE/Unicamp. “O sistema bancário é oligopolizado no mundo todo, talvez um pouco mais aqui, mas os bancos públicos têm peso e condições de forçar uma concorrência maior Agora a queda dos juros aconteceu, ainda que de forma limitada. O fato é que os bancos privados, após a crise, não voltaram a conceder créditos no mesmo patamar de antes, reduzindo principalmente a oferta para as empresas.”
Segundo a economista, é importante manter o capital da CEF fechado, para que o governo evite as “amarras” inerentes às empresas de capital aberto. Na quinta-feira 26, por sinal, os maiores bancos com ações na BM&FBovespa viram cair as cotações de seus papéis, movimento atribuído à inadimplência maior e ao corte da Selic. Mas será preciso aguardar para saber o quanto desse movimento pode ser atribuído aos altos e baixos da tradicional especulação.
De qualquer forma, os investidores não têm do que reclamar. Segundo levantamento da consultoria Economática, o saldo continua amplamente favorável aos bancos, em sintonia com a rentabilidade media anual de 15%. De 1º de janeiro de 2005 à quarta-feira 25, houve valorização expressiva: Bradesco subiu 329%; Banco do Brasil, 228% e Itaú, 154%, em todos os casos descontou-se a inflação no período.
Prates atenta para a argumentação dos bancos em torno do peso da inadimplência na composição do custo do crédito. “Os bancos provisionam uma parcela grande de seus recursos para arcar com as perdas, mas ex-post esses recursos se convertem em lucro.” Prática corrente dos bancos, o provisionamento atinge em alguns casos mais de 20% dos depósitos. Mas a inadimplência média é bem menor que isso, anda atualmente em 3,7%.
Segundo levantamento do BC, a composição do chamado spread bancário – a diferença entre as taxas pagas nas aplicações financeiras e o custo dos empréstimos – decorre de vários fatores, incluídos impostos, custos administrativos e os empréstimos compulsórios pelos quais as autoridades monetárias reduzem a oferta de recursos disponíveis para empréstimos. A matemática, contudo, é cristalina: a margem liquida de lucro é o item de maior peso, segundo o BC, atualmente com 34,9% de participação.
Como frisa a economista da Unicamp, a postura “ousada” dos bancos públicos resulta também dos inescapáveis cálculos empresariais, visando ampliar sua fatia no mercado e os lucros. “Nos últimos anos, o BB, por exemplo, ampliou a sua carteira de empréstimo e reduziu o peso do crédito rural, foco tradicional.”


Luiz Antonio Cintra – 27.04.2012