quinta-feira, 19 de julho de 2012

A hora do Supremo


 Impressiona a lista de casos que vem sendo enfrentada pelo STF, como confirmar poderes do CNJ e reconhecer direitos de minorias É tudo da Lei.


Oscar Vilhena Vieira
Com a Constituição de 1988 o STF assumiu posição de grande proeminência em nosso sistema político. Afinal, guardar uma Constituição tão ambiciosa não é missão destituída de enormes desafios. Impressiona a qualquer um a lista de casos relevantes enfrentada pelo Supremo nos últimos anos. Importante que se diga, no entanto, que na ampla maioria desses casos o STF apenas reagiu a demandas formuladas por atores políticos e sociais inconformados com suas derrotas sofridas no plano democrático. Ou seja, sua atuação predominante se deu no campo da análise de políticas públicas ou medidas legislativas aprovadas e colocadas em prática pelo sistema representativo. O que indica que a proeminência do STF não resulta da omissão do Executivo e do Legislativo, mas, sobretudo, em função de políticas promovidas por governos reformistas que desagradaram a setores da sociedade.
O caso das ações afirmativas e do ProUni, julgado nessa semana, constituem bom exemplo. Essas políticas foram desenhadas e implementadas pelas universidades, pelo governo federal e pelo legislador, cumprindo ao Supremo apenas convalidá-las da perspectiva constitucional. Não há, portanto, que se falar em uma postura ativista. O mesmo poderia ser dito em relação a decisão tomada pelo tribunal no caso da lei de biossegurança, que autorizou a utilização de embriões congelados inviáveis para a realização de pesquisa com células-tronco; da decisão que legitimou a proibição estabelecida pelo governo em relação à importação de pneus usados da União Europeia, que se tornariam um enorme ônus ambiental para a sociedade brasileira; ou, ainda, da decisão que confirmou a demarcação de Raposa Serra do Sol. Nessa mesma linha, o STF proferiu decisões relevantíssimas para o aprofundamento do Estado de Direito e da democracia, ao confirmar os poderes do CNJ, criado pela emenda 45, e respaldar a Lei da Ficha Limpa, o que certamente produzirá efeitos saneadores sobre nossas instituições políticas e jurídicas.
O tribunal foi mais ousado, no entanto, ao reconhecer direitos de minorias insulares e tradicionalmente excluídas do processo político, como os homossexuais ou as mulheres portadoras de fetos anencéfalos. Aqui, a ausência de norma legal foi superada por uma decisão que extraiu diretamente da Constituição, mais especificamente do princípio da dignidade humana, a proteção devida. Ao expressar publicamente a constitucionalidade de políticas e extrair sentido concreto do texto constitucional, o Supremo favorece o enraizamento de nosso pacto constitucional, estabiliza o sistema político e permite que as mudanças que a sociedade brasileira exige sejam realizadas sem maiores conflitos. Ao proferir o último voto no caso das ações afirmativas, o novo presidente da corte, ministro Carlos Ayres Britto, reivindicou que o STF estaria dando sua contribuição ao processo de construção de uma verdadeira nação, que a todos reconhece como sujeitos de direito e obrigações. Vejo nessa reivindicação uma aguda percepção de que o direito pode ter um importante papel no processo de desenvolvimento de uma sociedade e para isso é indispensável que as instituições cumpram, sem tergiversar, seu papel.
Ao assumir tamanhas responsabilidades, no entanto, o Supremo demonstra suas fragilidades e angaria adversários. O recente projeto voltado a conferir ao Congresso poderes para suspender atos normativas é uma demonstração rústica dos descontentes que não deve prosperar. O momento, no entanto, é oportuno para que o Supremo qualifique seu processo decisório de forma a ampliar a autoridade de suas decisões. Deveriam constar de uma agenda de reformas de nosso processo constitucional as seguintes medidas: racionalização e transparência da agenda do tribunal. Não se pode aceitar que questões de alta relevância durmam por décadas nos gabinetes enquanto outras sejam julgadas em semanas e é urgente reduzir as decisões monocráticas no Supremo, pois essas subvertem a própria natureza de um tribunal. Aquele que tem por responsabilidade dar a última palavra deve se cercar de todos os cuidados para que essa seja a palavra mais certa possível; a construção de decisões consensuais, que expressem razões e a interpretação dada pela maioria dos ministros da corte. Hoje, mesmo em decisões unânimes, temos a concorrência de 11 votos, cada um com sua lógica, o que dificulta o estabelecimento de precedentes que pautem as demais instâncias do Judiciário, do poder público e da sociedade. Para que o STF possa continuar exercendo sua missão de garantir a Constituição, é indispensável que sua transparência, autoridade e a integridade de suas decisões estejam reforçadas.




Oscar Vilhena Vieira – Professor de Direito Constitucional, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em SP - 06 de maio de 2012











O perigoso charme do Supremo


O Supremo está discutindo o que deveria ser debatido pelos partidos – da marcha da maconha às cotas.

Fernando Abrúcio
O aumento do poder do STF tem sido interpretado, geralmente, de dois modos. De um lado, há aqueles que louvam a visão progressista de seus ministros, capazes de resolver de forma parcimoniosa problemas como o da reserva Raposa Serra do Sol ou de solucionar questões que o Congresso evita deliberar, como a união homoafetiva ou a recente decisão contra a guerra fiscal. De outro, existem os críticos a esta maior judicialização da política, uma vez que os togados não foram eleitos pelo povo e estariam usurpando funções dos que têm voto – como no caso da verticalização das eleições.
As duas interpretações contêm parcelas da verdade. Obviamente que é perigoso repassar a não eleitos atividades que deveriam ficar com os políticos, depositários últimos da soberania popular. Mas também é fato que o Supremo tem garantido espaço a uma agenda essencial ao país que não tem sido resolvida pelo Congresso Nacional. Por essa razão, a legitimidade do STF tem se fortalecido, tornando a instituição cada vez mais respeitada.
Mais ativista, o Supremo Tribunal Federal gera, a um só tempo, desequilíbrio na relação entre os Poderes e aumento da necessidade de atuação do Executivo e, sobretudo, do Legislativo em temáticas centrais para a sociedade. Em outras palavras, o STF pode se envolver nas funções dos demais, mas também incentivá-los a reagir e a atuar mais intensamente na agenda que interessa ao país. No jogo entre esses dois vetores, nem sempre a melhor resposta será obtida. Talvez somente o aprendizado cotidiano com o sistema democrático nos leve, ao longo do tempo, a melhores resultados.
O ponto mais preocupante não está numa pretensa usurpação de poderes, embora, por vezes, ministros togados exagerem no exercício de seu poder. Também não creio, em hipótese alguma, no esvaziamento do Executivo ou do Legislativo por conta do ativismo do Supremo. O Executivo continua com grande força por conta de seus instrumentos burocráticos, financeiros e políticos. A centralidade da Presidência no sistema político é evidente. O Congresso em muitas ocasiões abdica ou delega poderes, mas também é fato que assuntos fulcrais passam por sua alçada, como recentemente foram os casos do Código Florestal e do sigilo dos documentos oficiais.
O STF está discutindo aquilo que deveria ser debatido pelos partidos políticos e estes, infelizmente, não conseguem se posicionar sobre o que mais importa à sociedade brasileira. Afinal, para além dos discursos genéricos e vazios, qual é a visão de PT e PSDB sobre a reforma tributária? Alguém pode dizer que essa é uma questão muito complexa. Retruco: em relação ao Código Florestal, tão em voga e que será definido em breve pelo Congresso Nacional, o que tucanos e petistas pensam como agremiação política? Passando para o terreno dos valores, o que as duas maiores siglas do país acham da decisão do Supremo de liberar a “marcha da Maconha”? Ou sobre as cotas para negros, tema que será definido pelos ministros togados no próximo semestre?
Poderia fazer essas mesmas perguntas ao PMDB, DEM, PSB e outros. Obviamente que não as faria ao PSD, que já se disse ser de todos os espectros ideológicos. Se a resposta permanecer basicamente a mesma, fica a constatação de uma grande preocupação: os partidos não discutem e nem se definem em relação ao que é central na agenda do país. No contraste com esta situação, e diante da fragmentação da sociedade brasileira, é que se afirma o perigoso charme do STF.


Fernando Abrúcio – Doutor em ciência política pela USP e professor na FGV – 24.06.2011