O Executivo no Brasil possui um imenso “poder de
agenda” e alguns de seus ramos uma alta “capacidade decisória”, concentrada em
alguns poucos cargos.(...) Como o poder de decidir sobre coisas importantes não
está espalhado pelas diferentes agências do Executivo, mas concentrado em ramos
estratégicos do governo, algumas áreas escapam da interferência direta da
coalizão.
Adriano Codato e Luiz Domingos Costa
Desde sua formulação pelo
cientista político Sérgio Abranches em 1988, a expressão “presidencialismo de
coalizão” tornou-se um verdadeiro mantra para definir a estrutura e o mecanismo
de funcionamento do regime político-institucional brasileiro.
Amplamente utilizada, a expressão
sugere a união de dois elementos. O que cada uma das palavras significa e como
a soma de ambas descreve e explica o nosso sistema político?
O “presidencialismo” é o sistema
de governo no qual o chefe do Executivo é eleito diretamente pelo sufrágio
popular e tem um mandato independente do Parlamento. A origem do presidente e
do Parlamento (os deputados e senadores) são distintas, posto que a eleição
para cada um pode ser desvinculada no tempo (ocorrendo em datas diferentes, o
que não é o caso do Brasil) ou, quando a eleição é “casada” (realizada na mesma
data, como no Brasil), o eleitor sempre pode optar por eleger um presidente de
um partido e um representante parlamentar de outra agremiação. Em resumo: o
presidencialismo difere do parlamentarismo justamente pelas origens distintas
do poder Executivo e do poder Legislativo. Ao passo que no parlamentarismo o
Executivo surge da correlação de forças entre os partidos eleitos para o
Parlamento, no presidencialismo o Executivo deriva da eleição direta do
presidente pelos cidadãos.
De outro lado, “coalizão”
refere-se a acordos entre partidos (normalmente com vistas a ocupar cargos no
governo) e alianças entre forças políticas (dificilmente em torno de idéias ou
programas) para alcançar determinados objetivos. Em sistemas multipartidários,
nos quais há mais do que dois partidos relevantes disputando eleições e
ocupando cadeiras no Congresso, dificilmente o partido do presidente possuirá
ampla maioria no Parlamento para aprovar seus projetos e implementar suas
políticas. Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo,
dando-lhe suporte político no Legislativo (em primeiro lugar) e influenciando
na formulação das políticas (secundariamente). Assim, alguns partidos, ou muitos,
dependendo da conjuntura política, se juntam para formar um consórcio de apoio
ao chefe de governo. Essa prática é muito comum no sistema parlamentarista, no
qual uma coalizão interpartidária disputa as eleições para o Legislativo
visando obter a maioria das cadeiras e com isso indicar (“eleger”) o
primeiro-ministro.
A peculiaridade do sistema
político brasileiro deve-se ao fato de conjugar o pacto interpartidos do
parlamentarismo e a eleição direta para o chefe do governo, traço típico do
presidencialismo. O observador político Fernando Henrique Cardoso acertou na
mosca quando disse que, por mais bem votado que tenha sido o presidente eleito,
seu capital eleitoral (“votos”) tem de ser, no dia seguinte, convertido em
capital político (“apoios”). Do contrário ele reina, mas sem a famosa “base
aliada”, não governa...
Como descrição do que ocorre na
cena política, a noção de “presidencialismo de coalizão” parece ser exata.
Contudo, vale duas observações para complicar o modelo explicativo do sistema
político nacional. O Executivo no Brasil possui um imenso “poder de agenda” e
alguns de seus ramos uma alta “capacidade decisória”, concentrada em alguns
poucos cargos.
Por poder de agenda entenda-se o
seguinte: é o Executivo, pela figura do presidente da República, que determina
o que será votado e quando será votado (e o que não será votado). O presidente
se elege com um programa, os deputados não.
Como o poder de decidir sobre
coisas importantes não está espalhado pelas diferentes agências do Executivo
(ministérios, secretarias especiais, conselhos, comissões etc.), mas
concentrado em ramos estratégicos do governo, algumas áreas escapam da
interferência direta da coalizão. É o caso da área financeira, representada
pela santíssima trindade nacional: Banco Central, Conselho de Política
Monetária, Ministério da Fazenda.
Esse pedaço do governo não entra
na barganha com os políticos porque se quer garantir a “racionalidade” da
política econômica. Mas na verdade, sob o argumento de barrar a fisiologia,
cria-se um feudo no sistema estatal incontrolável (pelo próprio presidente,
inclusive) e que escapa a qualquer supervisão social.
A conseqüência prática disso é
que elegemos políticos que efetivamente não governam. Se as metas de câmbio e a
política de juros condicionam todas as demais áreas estratégicas (política de
renda, política de emprego, por exemplo), ficamos com o pior de dois mundos: um
pedaço do Estado sem poder e loteado entre os políticos da “base”, que bem ou
mal elegemos; e um pedaço do Estado com muito poder (capacidade decisória), mas
que não elegemos nem controlamos. Daí que muitas vezes o fato da coalizão
interpartidária ocupar espaço no gabinete de governo por meio da posse de
pastas ministeriais seja menos importante, politicamente, que o comando que alguns
grupos sociais podem ter sobre a capacidade decisória do governo.
Referência: CODATO,
Adriano; COSTA, Luiz Domingos. O que é o presidencialismo de coalizão? Folha
de Londrina, Londrina - PR, p. 2, 27 dez. 2006.
Adriano Codato – Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e
coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira.
Luiz Domingos Costa - Mestre em Ciência Política na Unicamp e pesquisador do Núcleo de
Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, da UFPR – 2006
(A versão resumida deste artigo foi publicada na Folha de Londrina em 27 dez. 2006).
(A versão resumida deste artigo foi publicada na Folha de Londrina em 27 dez. 2006).
IN Blog Sociologia Política – http://adrianocodato.blogspot.com.br/2006/12/o-que-o-presidencialismo-de-coalizo.html