Fábio
Venturini tratou
de “como a economia nacional foi colocada em
função das grandes corporações nacionais, ligadas às corporações internacionais
e o Estado funcionando como grande financiador e impulsionador deste
desenvolvimento, desviando de forma legalizada — com leis feitas para isso — o
dinheiro público para a atividade empresarial privada”.
Luiz Carlos Azenha
Fabio Venturini fez o mestrado na Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo sobre os empresários e o golpe de 64.
Está concluindo o doutorado sobre os empresários e a Constituição de 1988.
Ele esmiuçou os detalhes de “como a economia
nacional foi colocada em função das grandes corporações nacionais, ligadas às
corporações internacionais e o Estado funcionando como grande financiador
e impulsionador deste desenvolvimento, desviando de forma legalizada —
com leis feitas para isso — o dinheiro público para a atividade empresarial
privada”. Segundo ele, é isto o que nos afeta ainda hoje, já que os empresários
conseguiram emplacar a continuidade das vantagens na Carta de 88.
Venturini cita uma série de empresários que se
deram muito bem durante a ditadura militar, como o banqueiro Ângelo Calmon de
Sá (ligado a Antonio Carlos Magalhães, diga-se) e Paulo Maluf (empresário que
foi prefeito biônico, ou seja, sem votos, de São Paulo).
Por outro lado, apenas dois empresários se deram
muito mal com o golpe de 64: Mário Wallace Simonsen, um dos maiores
exportadores de café, dono da Panair e da TV Excelsior; e Fernando Gasparian.
Ambos eram nacionalistas e legalistas. A Excelsior, aliás, foi a única emissora
que chamou a “Revolução” dos militares de “golpe” em seu principal telejornal.
Sobre as vantagens dadas aos empresários: além da
repressão desarticular o sindicalismo, com intervenções, prisões e cassações,
beneficiou grupos como o Ultra, de Henning Albert Boilesen, alargando prazo
para pagamento de matéria prima ou recolhimento de impostos, o que equivalia a
fazer um empréstimo sem juros, além de outras vantagens. Boilesen, aliás, foi
um dos que fizeram caixa para a tortura e compareceu pessoalmente ao DOI-CODI
para assistir a sessões de tortura. Foi justiçado por guerrilheiros.
Outros empresários estiveram na mira da
resistência, como Octávio Frias de Oliveira, do Grupo Folha, que apoiou o
golpe. Frias e seu sócio Carlos Caldeira ficaram com o espólio do jornal que
apoiou João Goulart, Última Hora, além de engolir o Notícias
Populares e, mais tarde, ficar com parte do que sobrou da Excelsior.
Porém, o que motivou o desejo da guerrilha de justiçar Frias foi o fato de que
o Grupo Folha emprestou viaturas de distribuição de jornal para campanas da
Operação Bandeirante (a Ultragás, do Grupo Ultra, fez o mesmo com seus
caminhões de distribuição de gás). Mais tarde, a Folha entregou um de seus
jornais, a Folha da Tarde, à repressão.
“Se uma empresa foi beneficiada pela ditadura, a
mais beneficiada foi a Globo, porque isso não acabou com a ditadura. Roberto
Marinho participou da articulação do golpe, fez doações para o Ipes [Instituto
de Pesquisas Econômicas e Sociais, que organizou o golpe]. O jornal O
Globo deu apoio durante o golpe. Em 65, o presente, a contrapartida
foi a concessão dos canais de TV, TV Globo Canal 4 do Rio de Janeiro e Canal 5
São Paulo”, diz Fabio Venturini.
“Porém, na década de 70, a estrutura de
telecomunicações era praticamente inexistente no Brasil e foi totalmente
montada com dinheiro estatal, possibilitando entre outras coisas ter o primeiro
telejornal que abrangesse todo o território nacional, que foi o Jornal
Nacional, que só foi possível transmitir nacionalmente por causa da estrutura
construída com dinheiro estatal”, afirma o pesquisador.
“Do ponto-de-vista empresarial, sem considerar o
conteúdo, a Globo foi a que mais lucrou”, continua, já que em 1985, no ocaso da
ditadura, “Roberto Marinho era o dono da opinião pública”.
Segundo Fabio Venturini, na ditadura imposta a
partir de 1964 os militares se inspiraram na ditadura de Getúlio Vargas.
Lembra que, naquela ditadura, o governo teve vários
problemas para controlar um aliado, o magnata das comunicações, Assis
Chateaubriand.
“No golpe de 64 o Assis Chateaubriand já estava
doente, o grupo Diários Associados estava em decadência. O Roberto Marinho foi
escolhido para substituir Assis Chateaubriand. Tinha o perfil de ser uma pessoa
ligada ao poder. Tendo poder, tendo benefício, ele estava lá. A Globo foi
pensada como líder de um aparato de comunicação para ser uma espécie de BBC no
Brasil. A BBC atende ao interesse público. No Brasil foi montada uma empresa
privada, de interesse privado, para ser porta-voz governamental. Se a BBC era
para fiscalizar o Estado, a Globo foi montada para evitar a fiscalização do Estado.
Tudo isso tem a contrapartida, uma empresa altamente lucrativa, que se tornou
uma das maiores do mundo [no ramo]“, conclui.
Venturini fala em pelo menos dois mistérios ainda
não esclarecidos da ditadura: os dois incêndios seguidos na TV Excelsior, em poucos
dias, e a lista dos empresários que ingressaram no DOI-CODI para ver sessões de
espancamento ou conversar com o comandante daquele centro de torturas, Carlos
Alberto Brilhante Ustra.
Na entrevista abaixo, o pesquisador também fala do
papel central no golpe desempenhado por Julio de Mesquita Neto, do Estadão [leia aqui reportagem da revista Fortune, de setembro
de 64, que deixa isso claro].
Comenta a tese, muito comum na Folha de S.
Paulo, de que houve um contragolpe militar para evitar um regime comunista,
o que chama de “delírio” [leia aqui como o PCB havia assumido, na época,
compromisso com a via eleitoral].
Venturini também fala do papel de Victor Civita, do
Grupo Abril, que “tinha simpatia pela ordem” e usou suas revistas segmentadas
para fazer a cabeça de empresários, embora não tenha conspirado.
Finalmente, explica a relação dos empresários com
as nuances da ditadura pós-golpe. Um perfil liberal, pró-americano, em 64; um
perfil ‘desenvolvimentista’, mais nacionalista, a partir de 67/68.
Luiz Carlos Azenha – 27.03.2014
Operação
ditabranda a todo vapor
a
sensação que eu tenho é de que se deflagrou uma verdadeira “operação
ditabranda”, na qual os escribas da mídia fazem um joguinho sujo: tentam
relativizar a ditadura.
Miguel do Rosário
São todos muito espertos, muito astutos, muito
inteligentes. Os donos do dinheiro sabem escolher a dedo aqueles que merecem
espaço em seus jornais.
Alguns são tão espertos que é possível ler seus
textos de duas maneiras. Aqueles que são contra a ditadura, lêem-nos como uma
crítica a ditadura. Os que são a favor da ditadura, lêem como um elogio à
mesma.
É preciso tirar o chapéu. Eles merecem os altos salários
que ganham!
Todos eles tomam extremo cuidado, naturalmente,
quando falam do golpe. Ninguém quer se contra a democracia. Não queriam nem em
1964, tanto é que deram o golpe em nome da “democracia”!
Mas a sensação que eu tenho é de que se deflagrou
uma verdadeira “operação ditabranda”, na qual os escribas da mídia fazem um
joguinho sujo: tentam relativizar a ditadura.
Primeiro foi o Jabor, dizendo que o golpe de 64 foi uma
“porrada necessária”.
Depois veio Elio Gaspari, com um discurso um pouco mais disfarçado, porém
conseguindo, com incrível eficácia, enfiar uma associação de Dilma com a
ditadura.
Gaspari é mestre na técnica de dar um significado
duplo ao texto: pode-se ler o texto da esquerda para a direita, ou da direita
para a esquerda.
Por exemplo, ele escreve que “hoje as duas visões
sobrevivem e no ano passado a doutora Dilma flertou com uma Constituinte
exclusiva com adereços plebiscitários”.
Adereços plebiscitários?
O dispositivo do plebiscito está na Constituição e
deveria ser mais usado. É a voz do povo. Volto a tirar o chapéu para Gaspari: a
expressão “adereço plebiscitário” usa, de forma brilhante, a técnica de
transformar democracia em golpe e golpe em democracia.
Nesta sexta-feira, a Folha publica um artigo de
Carlos Chagas (que é pai da Helena Chagas, ex-Secom, mas prefiro acreditar que
isso não quer dizer nada) que me pareceu um exemplo magnífico de astúcia.
É um artigo tão inteligente! O título é tipicamente
“ditabranda”: Não foi bem assim como dizem hoje. Mas até aí tudo bem. Nada é
bem assim como dizem hoje. É um raciocínio coringa, que pode ter qualquer
sentido.
Chagas vai criticando a ditadura, elogiando a
democracia, até que encerra com uma pirueta bizarra, fazendo um elogio babão e
“patriótico” ao golpe:
“O mundo não está dividido entre mocinhos e
bandidos, mesmo que muitos sejam mais bandidos do que mocinhos. Apesar de tudo,
o Brasil continua. Os militares cometeram erros grotescos. Execráveis. Mas
também contribuíram para esse verdadeiro milagre que é a preservação da unidade
nacional. Eles e quantos existiram antes e quantos vieram e virão depois”.
O mundo não está dividido entre mocinhos e
bandidos? Ah, o Homer Simpson vai adorar ler isso! Os militares “contribuíram
para esse verdadeiro milagre que é a preservação da unidade nacional”.
Permitam-me uma manifestação bem vulgar:
?????????????????
O que isso quer dizer?
Isso me lembra muito um rapaz bobinho que eu
conheci uma vez, que veio com o papo de que “Hitler” construiu muitos trens.
Ele não era exatamente um rapaz de “direita”. Não tinha ideologia nenhuma. Era
um programador que tinha lido “Minha Luta”, do Hitler, e achado “legal”. Depois
procurou alguns textos elogiosos ao ditador alemão e engoliu.
Ainda na sexta-feira, outro colunista da Folha,
Reinaldo Azevedo, completa o show. Azevedo tem seu estilo próprio, de macaco
numa loja de cristais. Não tem sutileza nenhuma. Mas dá conta do recado. Ele
encerra o texto chamando Goulart de “golpista incompetente”.
Ora, se Goulart era “golpista”, então os que o
derrubaram eram “democratas”.
Pelo jeito, teremos que esperar mais cinquenta anos
para que a ditadura não seja relativizada.
Miguel do Rosário –
29.03.2014
IN TIJOLAÇO – http://tijolaco.com.br/blog/?p=15989