Acredito que muitos
aqui vão defender a PM. Pelo menos é o que diz minha experiência ao tratar do
tema. É para esses que defendem a ação policial que o blog levanta uma
pergunta: o que ocorre quando aceitamos que um policial aja dessa maneira?
Bruno Paes Manso
Há um
caso chocante em andamento, mas que vem sendo pouco debatido nos jornais e nas
redes sociais. Trata-se de uma série de assassinatos anunciados, que
desmoraliza o Governo de São Paulo e as instituições paulistas. Uma chacina com
três mortes, ocorrida em Sapopemba, na zona leste, no final de janeiro. Outras
quatro pessoas já tinham sido feridas com tiros nas pernas dias antes. Se o
fato por si só já é trágico, mais grave é o longo processo que antecedeu os crimes,
período em que policiais militares esculacharam e humilharam moradores do
bairro, em ações documentadas em duas audiências públicas no bairro. A
Secretaria de Segurança Pública e oficiais da PM estavam cientes do que
acontecia e dos riscos da população. Só que articulação política dos moradores
não foi suficiente para evitar o desfecho fatal, escancarando como os matadores
não acreditaram na capacidade ou boa vontade das autoridades.
Diante
de fatos cabeludos, a gente até já se acostumou a ver o governador Geraldo
Alckmin afirmando, nas coletivas à imprensa, que o governo dele “não compactua
com o erro” e que “os culpados serão punidos”. Se essa postura convence alguns,
não foi suficiente para intimidar os assassinos. Hoje, às 17 horas, lideranças
de Sapopemba serão recebidas pelo secretário de Segurança Pública Fernando
Grella. As ameaças de morte continuam sendo feitas por PMs a moradores do
bairro.
Vamos
aos fatos:
Dia 23 de dezembro
Era
uma segunda-feira, perto das 19h30, antevéspera de Natal em Sapopemba. Dois
policiais militares tentam abordar um jovem que corre para a entrada de uma
viela. O PM Edmar Rodrigo Exposto Gomes, de 21 anos, desce do carro e persegue
o suspeito a pé quando um terceiro atinge o soldado com dois tiros. Colete e
armas são roubados.
Triste
e trágico. E um parêntese é necessário. Eu ainda me lembro de um torpedo que o
comandante atual da PM, Roberto Meira, me mandou quando um soldado morreu
assassinado. Ele cobrava a repercussão do caso na imprensa e a presença dos
jornalistas no enterro. Acho legítimo, assim como acho legítima a discussão
sobre aumentar a pena para quem pratica atentado contra representantes do
Estado como policiais e juízes. Também concordo que é lamentável a qualidade
das investigações. O problema é que a morte de PMs tem provocado desdobramentos
escandalosos. O procedimento de vingança tem virado regra. É disso que se
trata.
No
mesmo dia do crime, 23 de dezembro, PMs foram até um bar próximo ao local do
crime e jogaram diversas bombas de efeito moral, dispararam balas de borracha e
agrediram moradores do bar. Era o começo do pesadelo.
Semana de natal e ano novo
Toques
de recolher no fim do dia feito por mais de 30 PMs. Apesar da semana de festas
de fim de ano, churrascos são proibidos nos quintais. Revistas violentas e
bombas de gás são jogadas no meio da rua. Na tentativa de pedir socorro,
moradores fecham a Rua Glauber pondo fogo em pneus. Uma audiência pública é
organizada no dia seguinte, com representantes de entidades de direitos
humanos. A segunda audiência ocorre no dia 5 de janeiro e conta com a presença
da Ouvidoria de Polícia e dos oficiais da PM que comandam a área. Há relatos de
um portador de deficiência espancado por policiais e de uma grávida que perdeu
os filhos gêmeos. Um morador reclama: “Trabalhar o dia inteiro, ganhar pouco e
não poder ter uma vida melhor, tudo bem. Mas ainda por cima, chegar em casa e
ser chamado de lixo, de bandido, de verme, de vagabundo e ter uma arma apontada
na cabeça? Não dá… a gente quer dignidade”. Os moradores citam nomes e os
números das viaturas. Muitos policiais trabalham sem identificação.
Os
requintes de crueldade são extremos. Um policial perguntou a uma mãe que
carregava uma criança de 4 meses se ela já havia visto “o caixão de criança
saindo da comunidade”. Porque se pegar criança em hora errada, “vai morrer”. “É
fácil como matar inseto”, ele disse. Jovens foram feridos por bombas de gás.
Choques foram dados em casas invadidas, conforme os relatos. “Encheram uma
bacia d’água, desencaparam o fio e deram choque nele”. Um policial apontou a
arma para uma menina de 5 anos. Adolescentes ouviram insultos, dizendo que a
culpa era delas por “darem a buc… a bandidos”.
Meados de janeiro
As
ameaças de morte continuam. Viaturas passam nas ruas do bairro perguntando
sobre os organizadores das audiências. Policiais dizem aos moradores que os
motoqueiros de 2012 (ano em que integrantes do PCC e da polícia guerrearam)
poderiam voltar. No dia 8 de janeiro, um assessor da Secretaria de Segurança
Pública recebe moradores de Sapopemba para ouvir as denúncias.
Entre
os dias 10 e 15, começam a ocorrer os ataques contra os moradores. Nos
primeiros, ninguém morre. Em pelo menos três pontos diferentes de Sapopemba,
quatro pessoas recebem tiros na perna.
28 de janeiro
Ocorre
a chacina. Há três mortos e um ferido. O ataque começa às 2h30 da madrugada.
Segundo testemunhos, primeiro passa uma viatura (VW Space Fox). Cerca de um
minuto depois, um carro (Hyundai HB20, sedan, branco). Os ocupantes do carro
disparavam contra os que estavam na rua. A primeira vítima foi alvejada na
esquina da Rua Espinhel. A segunda, a terceira e a quarta vítima foram atingidas
em intervalos de distâncias de 200 metros.
Dias
antes o mesmo carro, segundo testemunhos, ficaram estacionados na rua dos
crimes. Três cápsulas das balas que mataram uma das vítimas foram coletadas e
serão entregues ao secretário. O sobrevivente foi fotografado por policiais e
tem medo de ser executado.
São Paulo no divã
Acredito
que muitos aqui vão defender a PM. Pelo menos é o que diz minha experiência ao
tratar do tema. É para esses que defendem a ação policial que o blog levanta
uma pergunta: o que ocorre quando aceitamos que um policial aja dessa maneira?
Minha
opinião não interessa. Mas vale alguns fatos. Os policiais que ganham passe
livre para matar são aqueles que depois se organizam para exercer seus poderes
sem limites na cidade e no Estado. Vocês acham que a sociedade está ficando
mais segura por que eles matam? Ledo engano. Os fatos mostram que esse é o
primeiro passo para depois ele se organizar em quadrilhas e se articular no
mundo do crime. Para ajudar os criminosos a assaltarem você.
Bruno Paes Manso – Formado em economia (USP) e jornalismo
(PUC-SP). Atualmente faz pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da
USP. Concluiu o mestrado e doutorado no departamento de ciências políticas da
Universidade de São Paulo, onde pesquisou o crescimento e a queda dos
homicídios em São Paulo – 11.02.2014
IN Blog São Paulo no Divã, de Bruno Paes Manso – http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/os-assassinos-que-desafiaram-o-governo-de-sp/
IN Blog São Paulo no Divã, de Bruno Paes Manso – http://blogs.estadao.com.br/sp-no-diva/os-assassinos-que-desafiaram-o-governo-de-sp/