quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A retórica da comparação


comparações só tem sentido, e permitem algum aprendizado, quando elas tomam em conta as bases materiais concretas sobre as quais se sustentam e constroem estas abstrações macroeconômicas.
Por isto, tem pouca utilidade comparar o Brasil com estes pequenos países e seria uma insensatez ainda maior propor que o Brasil seguisse o modelo de crescimento destas verdadeiras "ilhas monoexportadoras". (...)
A partir de agora - goste-se ou não --, este é o novo "grupo de referência" do Brasil, e ao mesmo tempo, é o grupo dos países que disputam com o Brasil os mercados mundiais.

José Luís Fiori
Na década entre 2003 e 2012, a taxa média de crescimento anual do PIB do Uruguai, Bolívia e Equador foi superior à taxa média de crescimento do Brasil. E o mesmo aconteceu com a taxa de crescimento das exportações destes três países, que também cresceu mais que o Brasil. Mais do que isto, o Uruguai obteve a segunda maior taxa de crescimento da América do Sul, superior às taxas do Chile e da Colômbia. E todos estes países seguirão crescendo mais do que o Brasil no ano de 2104. Diferente do Chile, da Colômbia e do Peru, o Uruguai pertence ao Mercosul, a Bolívia está ingressando e o Equador está a caminho. Mas o que realmente pesa e interessa é que todos estes países são pequenas economias exportadoras de commodities com baixíssimo grau de industrialização e limitados mercados internos de consumo.
O uso da comparação como método de conhecimento e aprendizado social e político começou na Grécia e se generalizou depois de Maquiavel. Mas foi só na segunda metade do século XX que os avanços quantitativos da Contabilidade Nacional permitiram fazer comparações macroeconômicas abstratas entre países. O problema é que estas comparações só tem sentido, e permitem algum aprendizado, quando elas tomam em conta as bases materiais concretas sobre as quais se sustentam e constroem estas abstrações macroeconômicas.
Por isto, tem pouca utilidade comparar o Brasil com estes pequenos países e seria uma insensatez ainda maior propor que o Brasil seguisse o modelo de crescimento destas verdadeiras "ilhas monoexportadoras". A economia do Uruguai é do tamanho da de Santa Catarina, e as do Chile e Peru são mais ou menos do tamanho da economia do Rio de Janeiro. Comparar o Brasil com estes países seria como comparar um elefante com um coelho, e copiar seu modelo de crescimento seria como tentar dirigir um caminhão usando um manual de instruções de um patinete.
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José Luís Fiori – Professor titular de economia política internacional da UFRJ – 30.07.2014
IN Valor Econômico, versão impressa.