Muito do que está
associado à esquerda, porque ela é mais "social", pode na verdade
caber no mundo liberal. Cotas, por exemplo. Mas temos liberais no Brasil?
Difícil dizer. Quem se declara liberal, aqui, com frequência é apenas contra o
poder do Estado, e ainda assim somente quando o governante for escolhido pelos
mais pobres. Por isso, não se trata de liberais, mas de conservadores. Também
por isso, me reservo o direito de apenas reconhecer como liberal quem lute pela
igualdade de oportunidades, em pensamentos, palavras e atos.
Renato
Janine Ribeiro
Defendo o diálogo entre as forças democráticas, isto é, a esquerda e a
direita não autoritárias. Mas, como minhas simpatias estão com a esquerda
moderada, quero expor o que poderia ser um programa audacioso e avançado de
direita ou, se preferirem, liberal. Parto da grande tese do liberalismo: cada
indivíduo tem capacidades únicas, notáveis, que para florescerem só precisam
que sejam removidas as ervas daninhas. O Estado ou qualquer externalidade,
inclusive as Igrejas, mais prejudicam do que ajudam. Claro que essas
instituições devem remover obstáculos - e o grande exemplo é a repressão
policial ao crime - mas não devem impor direção às riquezas singulares de cada
pessoa.
Liberal nada tem a ver com
"libertarian", expressão frequente só nos Estados Unidos e que não se
confunde com libertário, que no resto do mundo é sinônimo de anarquista. O
anarquista é contra o poder - do Estado, da Igreja, do capital ou do partido.
Já o "libertarian" é só contra o poder estatal, mesmo democrático;
mas aceita a desigualdade social, mesmo aguda, ou o poder econômico, mesmo
abusivo. Muito ao contrário disso, todo liberal autêntico tem uma teoria do
homem, literalmente uma "antropologia", que afirma a riqueza
inesgotável de cada indivíduo. Ora, o resultado lógico dessa convicção é que
ele defenda uma radical igualdade de oportunidades, para que todas as flores,
na sua diferença, floresçam.
A igualdade deve estar na partida - mas
não na chegada. A desigualdade social se justifica, para o liberal, em
decorrência do empenho e desempenho de cada um, de seu talento e mérito. Um
mote liberal seria: igualdade absoluta de oportunidades, incentivo à diferença
e à criatividade, recompensa do esforço e do empenho. A riqueza interna de cada
um deve se expressar. Portanto, a desigualdade prévia à estreia de cada qual no
trabalho deve ser a menor possível. No limite, como propunha um dos liberais
mais avançados da história francesa, o jornalista Jean-Jacques
Servan-Schreiber, autor do best-seller "O desafio americano", a
herança deveria ser abolida, porque desnivela os pontos de partida. Tal medida,
difícil que é de implantar, estaria não obstante no horizonte liberal.
(...)
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Renato
Janine Ribeiro – Professor
titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo – 11.08.2014
IN Valor Econômico, versão impressa.