sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Pochmann vê risco de retrocesso na redução da desigualdade no país


Márcio Pochmann – “Eu diria que há no Brasil, historicamente, uma tensão muito grande quanto à perspectiva do desenvolvimento econômico, entre o desenvolvimentismo e o que hoje é chamado de neoliberalismo. Há uma tensão entre os desenvolvimentistas e a escola que vê basicamente o desenvolvimento como produto do mercado, das forças do mercado. 
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Infelizmente, porém, estamos vivendo um momento de cólera, de ódio, que muitas vezes aquilo que é o nosso campo, que é o debate de ideias, acaba sendo ultrapassado por visões que a gente só pode lamentar, porque na verdade não são frutíferas.
A questão mais geral da disputa gira em torno do papel do Estado. Porque temos uma crença de que o capitalismo não se desenvolve, e nem resolve suas crises, que são inerentes, de modo próprio: ele pressupõe a ação do Estado.
Então essa é a grande diferença, porque há a crença, renovada em torno do neoliberalismo, que não cabe ao Estado qualquer ação porque, quanto mais houver liberdade da competição, mais ela, por si só, gera o desenvolvimento. Como se o desenvolvimento fosse algo espontâneo, autônomo. Nós não partimos desse pressuposto – acreditamos que o capitalismo, deixado livre à sua própria dimensão, produz mais crises “.

Jornal da Unicamp
O economista, pesquisador e docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, vê em 2015 um risco de retrocesso na trajetória de redução da desigualdade que o Brasil traçou na primeira década do século 21. “Neste ano temos um fato novo, que é um ponto de inflexão na trajetória, que vem dos anos 2000, em relação à questão da desigualdade”, disse ele. “Nós possivelmente deveremos ter um retrocesso. Já estamos observando um aumento do desemprego e uma queda na massa de salários, diante inclusive dos lucros apresentados pelos bancos: deveremos ter talvez quase 10% do PIB transferido para o sistema bancário em função das altas taxas de juros. Esse quadro põe um ponto de interrogação numa trajetória de redução da desigualdade”.
Pochmann falou com o Jornal da Unicamp no lançamento de seu livro Desigualdade Econômica no Brasil, que reúne dados sobre as diferenças de renda e riqueza entre os brasileiros, as classes sociais, municípios e regiões do Brasil, incluindo-os numa perspectiva histórica. “Em primeiro lugar, é preciso entender que a desigualdade que temos hoje tem a ver com o passado. Um passado que se forjou a partir de um processo de exclusão gerado pela escravidão”, lembrou. 
“É uma desigualdade que tem passado, mas também tem presente, e que resulta, por exemplo, nas ineficiências do Estado brasileiro, da fortaleza do Estado em tributar os pobres e não tributar os ricos: essa é uma questão que resulta das opções que o Brasil tem feito”, afirmou. “Mas eu diria que, pelas experiências recentes que tivemos, que o Brasil pode acelerar o passo e avançar mais rapidamente para construir uma sociedade menos desigual do que a que temos atualmente”.
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Márcio Pochmann – Ex-presidente do IPEA, Professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Carlos Orsi – 28.08.2015.
IN Jornal da Unicamp.