A maior chacina de 2015, em São Paulo, mostra que
as palavras começam a matar antes da morte e seguem assassinando os vivos
depois.
Eliane Brum
As fotos
do 13 de agosto mostram mulheres lavando o sangue dos mortos com rodo, como nos
filmes B de terror. Se o rio vermelho escorre pelos degraus, as palavras ecoam
para além da extensa fila de cadáveres. Elas matam lentamente, como balas em
câmera lenta, que perfuram os corpos, se espatifam por dentro e vão corroendo
os órgãos. Dia após dia, dia após dia, dia após dia. Mata-se e morre-se também
na linguagem. As palavras silenciam os mortos para além da morte. E calam os
vivos, mesmo quando eles pensam gritar.
1) “Estava no lugar errado,
na hora errada”
“Ele nunca teve nada a ver
com crime. Era pacato, de família.Estava no lugar errado na
hora errada. O nome Deivison foi porque
meu pai gostava das motos Harley-Davidson.”
(Jorge Henrique Lopes
Ferreira, 31, técnico de celulares, sobre o irmão, Deivison Lopes Ferreira, 26,
assassinado em 13 de agosto. O pai de ambos foi assassinado há 18 anos, no
mesmo bairro, da mesma maneira, num crime jamais esclarecido.)
“O Thiago estava
desempregado havia um mês, mas era uma pessoa excelente e infelizmente estava na hora errada, no lugar errado.”
(Alessandra de Lima, 37,
dona de casa, sobre o irmão Thiago Marcos Damas, 32, assassinado.)
“Eu vou ter de voltar à
normalidade, seguir a minha vida. Perdi um companheiro e um amigo. Por mais que
eu queira, infelizmente não posso mudar de casa. Foi o caso de estar no lugar errado e na hora
errada.”
(Jean Fábio Lopes, 34,
ajudante em lanchonete, sobre o companheiro, Eduardo Oliveira dos Santos, 41,
artesão, assassinado)
“Foi muito rápido e muito
trágico. Estava no lugar errado e na
hora errada.”
(Alberto Martins, sobre o
irmão, Fernando Luiz de Paula, 34, pintor, assassinado)
“Estava no
lugar errado e na hora errada” foi o comentário mais frequente dos familiares
dos 18 mortos, seis feridos, na periferia deOsasco e
Barueri, na Grande São Paulo, na maior chacina de 2015. A expressão dá conta de
uma máxima: “na periferia há preto ladrão, branco ladrão e aquele que está no
lugar errado e na hora errada”. A frase também culpa, ainda que indiretamente,
aquele que morre.
(...)
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Eliane Brum – Escritora, repórter e documentarista – 19.08.2015.
IN El País Brasil.