quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Quem vai salvar a polícia da política?


Controlar a discricionariedade da polícia no varejo de suas interações cotidianas com os cidadãos é das missões mais espinhosas no Estado de Direito. Aplicar à polícia o ideal do “Governo das leis e não dos homens”, em particular num evento tão escorregadio e imprevisível quanto protestos, é uma empreitada jurídica altamente falível. São zonas em que o direito mais rápido evapora e o arbítrio predomina se não tivermos instituições bem preparadas para monitorar comportamentos, detectar desvios, e admitir erros (que são inevitáveis).

Conrado Hübner Mendes
A democracia brasileira herdou uma polícia que não joga em seu favor. Para quem ainda não conhecia este fato, os últimos três anos ofereceram uma demonstração muito visível. Afinal, sua violência gratuita se tornou mais palpável: das periferias e favelas se expandiu para os centros urbanos a partir de manifestações políticas de massa. Esses eventos ensinaram muito sobre a polícia que não deveríamos ter, e deram mais clareza para as reformas há anos recomendadas por estudiosos. Desmilitarização e unificação seriam o norte de uma mudança para melhor. Propostas de emenda constitucional nessa direção dormitam no Congresso sob o triste silêncio de lideranças políticas.
Há muito, portanto, que se fazer. Antes que a política legislativa consiga dar esse passo mais ousado, contudo, mudanças institucionais e comportamentais de menor envergadura poderiam evitar a violência que assistimos nessa semana em São Paulo (e que se repetem em tantas capitais do Brasil). Esses ajustes estão ao alcance do Governo estadual, com o auxílio de instituições como judiciário e o Ministério Público.
Foi interessante acompanhar, nos últimos dias, a disputa pela narrativa mais verossímil dos fatos que ocorreram na av. Paulista. Dessa disputa participaram manifestantes, jornalistas, PMs e seus superiores – governador e secretário de segurança. Alguns presenciaram o evento direto da avenida, com seus cinco sentidos; outros, de seus gabinetes e estúdios. Interpretações se multiplicaram, mas há fatos incontroversos, documentados em vídeos, depoimentos e fichas hospitalares. Houve pânico, correria e cerco policial a pedestres que não participavam do protesto e não dispunham de vias de fuga. Houve bomba, gás e cassetete. Dezenas de feridos.
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Conrado Hübner Mendes – Professor de direito constitucional na Faculdade de Direito da USP – 18.01.2016.
IN El Pais Brasil.