Controlar a discricionariedade da polícia no varejo de suas interações
cotidianas com os cidadãos é das missões mais espinhosas no Estado de Direito.
Aplicar à polícia o ideal do “Governo das leis e não dos homens”, em particular
num evento tão escorregadio e imprevisível quanto protestos, é uma empreitada jurídica altamente falível. São
zonas em que o direito mais rápido evapora e o arbítrio predomina se não
tivermos instituições bem preparadas para monitorar comportamentos, detectar
desvios, e admitir erros (que são inevitáveis).
Conrado Hübner Mendes
A democracia brasileira herdou uma
polícia que não joga em seu favor. Para quem ainda não conhecia este
fato, os últimos três anos ofereceram uma demonstração muito visível. Afinal,
sua violência gratuita se tornou mais palpável: das periferias e favelas se
expandiu para os centros urbanos a partir de manifestações
políticas de massa. Esses eventos ensinaram muito sobre a polícia
que não deveríamos ter, e deram mais clareza para as reformas há anos
recomendadas por estudiosos. Desmilitarização e unificação seriam o
norte de uma mudança para melhor. Propostas de emenda constitucional nessa
direção dormitam no Congresso sob o triste silêncio de lideranças políticas.
Há muito, portanto, que se fazer. Antes que a
política legislativa consiga dar esse passo mais ousado, contudo, mudanças
institucionais e comportamentais de menor envergadura poderiam evitar a
violência que assistimos nessa semana em São Paulo (e que se repetem em tantas
capitais do Brasil). Esses ajustes estão ao alcance do Governo
estadual, com o auxílio de instituições como judiciário e o Ministério
Público.
Foi interessante acompanhar, nos últimos dias, a disputa pela narrativa mais verossímil dos fatos que
ocorreram na av. Paulista. Dessa disputa participaram manifestantes,
jornalistas, PMs e seus superiores – governador e secretário de segurança.
Alguns presenciaram o evento direto da avenida, com seus cinco sentidos;
outros, de seus gabinetes e estúdios. Interpretações se multiplicaram, mas há
fatos incontroversos, documentados em vídeos, depoimentos e fichas
hospitalares. Houve pânico, correria e cerco policial a pedestres que não
participavam do protesto e não dispunham de vias de fuga. Houve bomba, gás e
cassetete. Dezenas de feridos.
(...)
Para
continuar a leitura http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/17/opinion/1453050835_346377.html
Conrado Hübner Mendes – Professor de direito constitucional na Faculdade de Direito da USP – 18.01.2016.
IN El Pais Brasil.