terça-feira, 30 de agosto de 2016

Por que o Brasil sofre uma das piores crises de sua história?


a crise brasileira é diferente das demais. É fundamental implementar políticas apropriadas para períodos de desalavancagem do setor privado. A causa da crise brasileira não é fiscal. Trata-se de uma crise minskyiana. Para consertá-la o ajuste fiscal não resolve. 


Felipe Rezende
A atual crise econômica é em grande parte agravada pela falha de diagnóstico compartilhada por grande parte dos economistas do país. Essa crise, entretanto, é diferente das anteriores e superá-la depende da correta avaliação das suas causas.
A visão convencional aponta para os erros de condução de política econômica durante o governo Dilma, em particular a chamada Nova Matriz Econômica implementada em 2011. Esta ao implementar um corte de impostos e subsídios contribuiu para o crescimento do déficit público, retomada da inflação, quebra de confiança e a queda do investimento empurrando a economia para a recessão atual. Logo, para recuperar o crescimento, sob esta visão, é fundamental o ajuste fiscal para restaurar a confiança na solvência do Estado e para a recuperação da confiança do empresariado.

Há entretanto uma visão alternativa. Um estudo recente* mostra a crescente fragilidade financeira do setor privado da economia brasileira. Os dados do IBGE mostram que, desde 2007, - exceto por 2009 em função dos efeitos de uma política fiscal anticíclica - as empresas não financeiras obtiveram déficits crescentes em suas contas, isto é, os lucros retidos foram menores que os investimentos. Isto quer dizer que o setor privado doméstico brasileiro, em particular as empresas não-financeiras, adotou uma postura Ponzi desde 2007, agravada nos anos seguintes. Ou seja, a aquisição líquida de ativos financeiros foi inferior à aquisição líquida de passivos, reduzindo, assim, o patrimônio líquido. Como Hyman Minsky nos ensinou, a postura Ponzi é insustentável.

(...)

Para continuar a leitura, acesse http://www.valor.com.br/opiniao/4658015/por-que-o-brasil-sofre-uma-das-piores-crises-de-sua-historia

 

 










 

Felipe Resende – Professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William SmithColleges, em Genebra - 04.08.2016.

IN Valor Econômico.


 

sábado, 27 de agosto de 2016

O julgamento da História


O julgamento histórico é implacável, seu tribunal não admite negociatas. Aos senadores que votarem pelo golpe, prováveis vitoriosos de hoje, lhes restará o repúdio das gerações futuras e um lugar cativo na lata do lixo da história.

Guilherme Boulos
O Senado inicia nesta quinta (25) o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff. Não será a primeira vez na história brasileira que se trama a deposição de um presidente sem qualquer fundamento constitucional. Em 1954 com Getúlio, em 64 com Jango e agora com Dilma. Processos distintos, é verdade, mas que contaram todos eles com uma "tríplice aliança", formada pelo engajamento do empresariado, a parcialidade da imprensa e a covardia do Congresso.
Em 22 de agosto de 1954, os militares liderados pelo brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado por Getúlio nas eleições de 50, lançaram um manifesto exigindo a renúncia do presidente e ameaçando apelar às armas. As condições para isso foram criadas ostensivamente pelos jornais de Carlos Lacerda, alimentando factoides contra o presidente e envenenando a opinião pública. No Congresso, os deputados endossaram os militares e clamavam pela renúncia presidencial, alegando que Getúlio não tinha mais "condições de governar". Deram a senha para o apoio ao golpe.
(...)






Guilherme Boulos – Formado em filosofia pela USP, é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana - 25.08.2016.
IN Folha de São Paulo.
  

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Drogas: outra política, não ausência de política


Os confrontos pela disputa do hipertrofiado mercado de drogas ilícitas e o combate policial militarizado são o resultado da guerra de mais de cinco décadas.
O QUE ESTÁ EM JOGO É QUAL POLÍTICA DE DROGAS TEREMOS E NÃO A MERA SUPRESSÃO NEGATIVA DA ATUAL POLÍTICA

Maurício Fiore
O paradigma proibicionista rege as políticas de drogas pelo mundo, mas nunca esteve tão enfraquecido. Hoje, a dúvida é o que entrará no lugar desse paradigma gestado na primeira metade do século 20 e tornado hegemônico depois dos anos 1960. Consolidado por três convenções das Nações Unidas (1961, 1971 e 1988), o proibicionismo se baseia em dois pressupostos: 1. O uso de determinadas substâncias psicoativas – chamadas de drogas – pode ser tão danoso para indivíduos e sociedade que os Estados têm legitimidade para proibi-lo; 2. A forma mais adequada de eliminar o uso dessas drogas é empreender uma guerra que, se não capaz de erradicá-las, pode, ao menos, controlar sua disseminação epidêmica.
Muito já foi e tem sido escrito sobre os equívocos de ambos. O primeiro, curiosamente forjado no período no qual a noção de liberdade individual se consolidava enquanto premissa democrática, é uma intromissão autoritária na esfera de decisão privada de cidadãos adultos. O segundo pressuposto ignora que o uso de substâncias psicoativas é um fenômeno intrínseco da experiência histórica humana. Esses dois pressupostos conferem sustentação lógica, mas a instauração do proibicionismo tem motivações muito mais amplas – econômicas, geopolíticas, racistas, religiosas, sanitárias e morais –, tornando-o mais do que uma formalização jurídica, uma parâmetro de relação entre seres humanos e drogas.
(...) 







Maurício Fiori – Coordenador Científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) – 01.02.2016
IN Nexo Jornal.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Programas policialescos têm carta branca para violar direitos


O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública contra a Record e a União em decorrência de violações de direitos no programa “Cidade Alerta”. Estudo aponta que programas policialescos violam cotidianamente 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais.

Helena Martins
“Atira, meu filho; é bandido”. Essa foi uma das frases proferidas por Marcelo Rezende, do programa Cidade Alerta, da Rede Record, ao transmitir, ao vivo, uma perseguição policial a dois homens que seriam suspeitos de roubo. A ação culminou com um tiro disparado à queima roupa pelo integrante da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) da Polícia Militar de São Paulo contra aqueles que, repetidas vezes, foram chamados de “bandidos”, “marginais” e “criminosos” pelo apresentador.
A cobertura, feita em junho do ano passado, foi objeto de representação elaborada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação e pela ANDI – Comunicação e Direitos ao Ministério Público Federal em São Paulo. As organizações apontaram que houve desrespeito à presunção de inocência e incitação à desobediência às leis ou decisões judiciais. No texto, foram descritas as cenas e também as leis desrespeitadas pelo canal, em especial a Constituição Federal, que veda a veiculação de conteúdos que violem direitos humanos e façam apologia à violência, e o Código Brasileiro de Telecomunicações, que determina que “os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinados às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão” (Art.38, d).
Agora, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a Rede Record e a União. O órgão pede que a emissora transmita uma retratação, por dois dias úteis, mostrando não compactuar com o comportamento hostil e com a incitação à violência perpetrada por Marcelo Rezende. Em caso de descumprimento, o grupo deverá pagar multa de R$ 97 mil por dia. O MPF requer ainda que a União cumpra com o seu dever e fiscalize o programa.
As medidas são importantes para enfrentar a perversidade praticada todos os dias pelos chamados programas policialescos. Não é mais possível calar diante de conteúdos midiáticos que se valem de uma concessão pública para ir ao ar e, então, violar direitos de forma sistemática, como comprova pesquisa realizada pela ANDI em colaboração com o Intervozes, a Artigo 19 e o Ministério Público Federal.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://ponte.org/policialescos-intervozes/





Helena Martins – Jornalista e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos – 21.01.2016.
IN Ponte Jornalismo.



sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Não, o Estado brasileiro NÃO é grande


Para quem ganha bem, o Brasil é praticamente uma Suíça, onde a arrecadação fiscal também é 28%, especialmente dadas as oportunidades de evasão. E quem ganha pouco é quem realmente mais contribui do que tem, e que menos recebe em troca.
De grande o Estado brasileiro não tem nada. Ele só é injusto mesmo. Muito injusto.

André Levy
Que grande Estado é esse que não coleta esgoto de metade da população, que deixa 3 de cada 4 cidadãos à mercê de um sistema de saúde precário, e em que mais da metade dos escolarizados são analfabetos funcionais?
Quando se fala de tamanho do Estado no Brasil, frequentemente refere-se à carga tributária. E frequentemente quando se refere à carga tributária, fala-se da arrecadação fiscal como percentual do PIB. Mas serviço público não é custo variável; não fica mais barato quando o PIB decresce. O Estado continua pagando o mesmo número de professores, médicos, enfermeiros, policiais… Falar de carga tributária como percentual de PIB é como colocar o aluguel da padaria no custo do pãozinho.
A carga tributária média mensal brasileira é Int$403 per capita [1]. É a 5a menor entre as 20 maiores economias do mundo, depois de China, Índia, Indonésia e Irã.
Mas mesmo como percentual do PIB, a arrecadação fiscal no Brasil é menor que a da Dinamarca, Bélgica, Suécia, França, Noruega, Finlândia, Áustria, Itália, Alemanha, Islândia, Holanda, Eslovênia, Hungria, Grã Bretanha, Espanha, Argentina, Portugal, Israel, Luxemburgo, Rep. Tcheca, Nova Zelândia e Bulgária.
Frequentemente, quando se aponta que mesmo percentualmente a arrecadação fiscal brasileira não é alta comparada a estes países, contra-argumenta-se que no Brasil paga-se impostos escandinavos para receber serviços públicos africanos. Há um truque retórico aí. É como se quisesse dizer: “com serviços públicos assim, não vale a pena; prefiro não pagar”. Então ao invés de melhorar a qualidade dos serviços públicos, fica todo mundo sem, e cada um que se vire.
Para dar um ar científico para o sofisma, aponta-se para o IRBES (Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade [2]) do IBPT (Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributária). O índice é calculado como a soma de 85% do IDH e 15% da arrecadação em percentual do PIB. O que se conclui disso? Praticamente nada. Primeiro, quanto maior for a arrecadação fiscal, maior é o índice do IBPT. Ou seja, um país que tributa 80% do seu PIB e tem IDH igual a 0,1, tem melhor “retorno” que um que tributa 10% e tem IDH de 0,2. Não faz o menor sentido.
(...)
Para continuar a leitura e ver todos os gráficos e dados do estudo, acesse http://7uvw.xyz/ocontraditorio/nao-o-estado-brasileiro-nao-e-grande/









André Levy – Doutorando em Finanças pela Universidade de New South Wales – s.d.
In O Contraditório. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Um clima de inquisição


A moralidade é um direito republicano, mas não podemos, em nome dela, esquecer e desrespeitar os demais direitos. Não podemos, em nome da justiça, submeter muitos à injustiça. Hoje, depois do triste espetáculo a que estamos assistindo, depois de vermos a honra de empresários e homens públicos ser violentada por acusadores indignos de crédito, o estatuto da delação premiada só interessa aos delatores.

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Afinal, a quem interessa a delação premiada? Como ela está regulada em lei, o pressuposto é o de que essa instituição interessa à sociedade brasileira, porque é uma forma de desvendar os crimes e apontar os criminosos. De fato, a luta pela moralidade pública que se trava hoje no Brasil não teria ido tão longe se não fosse o incentivo legal à delação. Mas eu cada vez me convenço mais que essa luta está indo longe demais, ou, em outras palavras, que seu custo está se tornando bem maior do que seu benefício.
A operação Lava Jato surgiu para proteger a Petrobrás, seus acionistas, e os brasileiros em geral contra uma quadrilha de bandidos que lá se instalou. Maravilha, mas, considerando-se apenas o aspecto econômico, o prejuízo que ela já causou à própria Petrobrás e às grandes empresas fornecedoras envolvidas em propinas é muito maior do que o benefício. Estamos enfraquecendo nossa maior empresa e arriscando a sobrevivência de suas grandes empresas fornecedoras que representam um patrimônio econômico para o Brasil. Sem dúvida, é necessário punir seus dirigentes, mas os acordos de leniência com as empresas já deviam ter sido celebrados.
Mas o ataque às empresas proporcionado pela delação premiada e as diversas operações policial-judiciais que estão sendo conduzidas as tendo como base não se limitam às empresas empreiteiras. De repente, vemos outras grandes empresas onde ainda sobrevive o capital nacional – bancos e agora a Embraer – também vítimas das delações. Está na hora de dar um basta a isso.
Mas há os benefícios e custos morais. Sim, queremos ver os corruptos punidos; sim, queremos elevar o padrão moral da sociedade, do mundo dos negócios, e dos políticos brasileiros. Mas o mundo não se fez em um dia. A corrupção dos meios empresariais e políticos brasileiros é ampla e profunda, e só melhorará quando os brasileiros souberem defender melhor seus direitos e exercer melhor seus deveres republicanos. Além do custo econômico que envolve a campanha moralista em curso, há o custo moral – o custo em termos de direitos. Também de repente, com base nas mesmas delações premiadas, vemos todos os políticos brasileiros serem desmoralizados a partir da imediata transformação da delação em manchetes da mídia; vemos os políticos transformados em ladrões, ou então em autores de obstrução da justiça, sem outra prova senão a delação feita por um reconhecido e confesso bandido. Neste caso, o custo moral é imenso. O sistema judicial está ameaçando os direitos civis das pessoas – está ameaçando seu direito à liberdade e ao direito de só ser julgado de acordo com os devidos procedimentos legais, e só ser condenado desde que fique provado seu crime. São esses direitos fundamentais que estamos vendo ser violados todos os dias. A Câmara dos Deputados aprovou um impeachment sem que a presidente houvesse cometido crime de responsabilidade. A Justiça e a mídia estão julgando e condenando informalmente as pessoas com base em delações premiadas. A Justiça assim age, porque alguns juízes deixam de ser magistrados para se transformarem em Robespierres, porque esses juízes prendem pessoas para forçá-las a delatar, porque fazem vazar as delações, e porque a Justiça maior permanece paralisada diante dos abusos cometidos por seus membros menores: a mídia, porque disputa leitores ou audiência na base do escândalo originado das delações.
Os objetivos políticos maiores das sociedades modernas são a garantia dos direitos civis (liberdade individual), dos direitos políticos (democracia), dos direitos sociais (melhoria dos padrões de vida e diminuição das desigualdades), e dos direitos republicanos (direito a que o patrimônio público, inclusive o meio ambiente, seja usado para fins públicos). A moralidade é um direito republicano, mas não podemos, em nome dela, esquecer e desrespeitar os demais direitos. Não podemos, em nome da justiça, submeter muitos à injustiça. Hoje, depois do triste espetáculo a que estamos assistindo, depois de vermos a honra de empresários e homens públicos ser violentada por acusadores indignos de crédito, o estatuto da delação premiada só interessa aos delatores. Repito, está na hora de darmos um basta ao que está acontecendo, de pensarmos melhor e rejeitarmos o clima de Inquisição que foi montado no Brasil nestes dois últimos anos.

 

Luiz Carlos Bresser-Pereira – 04.08.2016.
IN Página do Facebook do autor.

 

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Precarização afeta mais as mulheres

 

Helena Hirata – “O Projeto de Lei El Khomri, também chamado “Lei do Trabalho”, altera a legislação no sentido de maior flexibilidade na contratação e demissão. As mulheres e os jovens são os mais afetados. Mas as mulheres serão mais ainda. Elas são majoritárias nesse segmento precário e informal, representado, no Brasil, sobretudo pelo trabalho informal e, na França, pelo trabalho em tempo parcial e pelo contrato por tempo determinado. Apenas em alguns segmentos de emprego na França, como o dos “aprendizes” ou dos “temporários”, as mulheres não são majoritárias. Claro que as mudanças na legislação em relação à aposentadoria também tendem a afetar mais as mulheres cujas rendas de aposentadoria são muito menores do que as dos homens nos dois países, em virtude da descontinuidade na sua vida profissional”.

Jorge Felix
Com mais de 40 anos dedicados aos estudos das diferenças de gênero no mercado de trabalho, Helena Hirata é uma autoridade internacional no tema, pesquisadora emérita do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris. Coorganizadora (com Alice Rangel de Paiva Abreu e Maria Rosa Lombardi) do recém-lançado “Gênero e Trabalho no Brasil e na França – Perspectivas Interseccionais” (Boitempo), ela alerta para o risco de a flexibilização das leis trabalhistas, em discussão no Brasil e na França, piorar ainda mais a situação das mulheres. “Elas são mais penalizadas com a precarização, pois, além do gap salarial, são mais vulneráveis à informalidade”, diz.
O livro é uma compilação de estudos comparativos entre os dois países, no entanto, uma viscosidade global das questões sociais abordadas permite avançá¬las além dos limites da França e do Brasil. Nesta entrevista ao Valor, Helena Hirata aborda outros temas do livro como a suposta “vocação” da mulher ao trabalho de cuidadora de idosos, acentuado com o envelhecimento populacional, e a robotização fabril e doméstica suscitada pela chamada “Quarta Revolução Industrial”.
(...)
Para continuar a leitura e ler toda a entrevista, acesse






Jorge Felix – 08.07.2016.
Helena Hirata – Pesquisadora emérita do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris. Coorganizadora (com Alice Rangel de Paiva Abreu e Maria Rosa Lombardi) do recém-lançado “Gênero e Trabalho no Brasil e na França – Perspectivas Interseccionais” (Boitempo).
IN Valor Econômico, Caderno Eu e Fim de Semana (Republicado em Granadeiro Guimarães Advogados).


sábado, 13 de agosto de 2016

Reduzir velocidade de automóveis para salvar vidas é obrigação dos políticos


A prefeitura [de São Paulo] tem sido alvo de reclamações de opositores por estabelecer em 50 km/h o limite em praticamente toda a cidade, mas os resultados já começam a aparecer.

Os automóveis e congêneres mataram 147 pessoas durante o feriado de Ano Novo, apenas nas rodovias federais, informa Sandra Annenberg, durante edição do Jornal Nacional de 5 de janeiro de 2016. A íntegra da nota: “147 pessoas morreram e 2073 ficaram feridas em acidentes nas rodovias federais no feriado de Ano Novo. Os dados preliminares da Polícia Rodoviária Federal foram registrados de 28 de dezembro a três de janeiro. Houve um aumento de quase 15% no número de mortes em relação ao balanço do ano passado”. Fim da notícia.
Por que uma tragédia dessas chama pouca atenção? A queda de um jato, talvez; ou um transatlântico indo a pique provavelmente chamaria, mas as mortes isoladas provocadas por automóveis, caminhões e ônibus conseguem pouco espaço no noticiário, mesmo sendo considerada uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 500 mil brasileiros morreram entre 2012 e 2013, de acordo com dados da WRI Cidades, ONG que estuda e estimula o conceito de sustentabilidade urbana. A ONG promoveu um debate no final de dezembro, em São Paulo, e reuniu especialistas do Brasil, da Austrália e da Inglaterra para debater ações para reduzir as mortes no trânsito.
Marta Obelheiro, coordenadora de saúde da WRI, trouxe alguns números sobre os custos desse tipo de morte no Brasil. Em 2012, morreram no Brasil 44.800 pessoas, que geraram custo estimado de R$ 39 bilhões, dinheiro destinado a hospitais, pagamento de indenizações e perda de produtividade. Já em 2014, o dinheiro de 52% das 595 mil indenizações por invalidez permanente foi concedido a jovens entre 18 e 34 anos. Os números da realidade brasileira estão condizentes com a média do terceiro mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, exibimos um índice de 24 mortes por 100 mil habitantes, próximo da média africana, de 21 mortes e muito longe do padrão Europa, de 9 mortes por 100 mil.
(...)



Rogério Vidueto – 06.01.2016.
IN Observatório do 3º Setor.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Afastamento de Dilma é hipocrisia como jamais houve no Brasil

                           

Do primeiro ato à conclusão de Anastasia, e até o final, o processo político de impeachment é uma grande encenação. Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo – às econômicas, porque as humanas, jamais.

Jânio de Freitas
Quem não aceita ver golpe partidário na construção do impeachment de Dilma Rousseff pode ainda admitir, para não se oferecer a qualificações intelectual ou politicamente pejorativas, que o afastamento da presidente se faz em um estado de hipocrisia como jamais houve por aqui.
O golpe de 64 dizia-se “em defesa da democracia”, é verdade. Mas o cinismo da alegação não resistia à evidência dos tanques na rua, às perseguições e prisões nem aos crimes constitucionais (todos os militares do golpe haviam jurado fidelidade à Constituição que acabavam de trair: sem exceção, perjuros impunes). Todos os golpes tentados ou consumados antes, incluída a Proclamação da República, tiveram na formação aquele mesmo roteiro, com diferença de graus. A força das armas desmoralizava a hipocrisia das palavras.
Os militares, hoje, não são mais que uma lembrança do que foi a maior força política do país ao longo de todo o século 20. Ao passo que a política afunda na degeneração progressiva, nos últimos 20 anos os militares evoluíram para a funcionalidade o mais civilizada possível no militarismo ocidental. A aliança dos civis e militares no golpismo foi desfeita. A hipocrisia do lado civil não tem mais quem a encubra, ficou visível e indisfarçável.
(...)




Jânio de Freitas – 03.08.2016.
IN Folha de São Paulo.


segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Cada vez mais próximos de Hitler


 Não estaríamos atualmente a assistir a uma espécie de autodestruição das democracias parlamentares?
  
Vladimir Safatle
Aqueles que estão a debater sobre a possibilidade ou não de publicar livros de Hitler deveriam voltar sua atenção para um fenômeno que tem modificado radicalmente a natureza do que chamamos até agora de sociedades democráticas.
Do ponto de vista jurídico, o nazifascismo tinha dois pilares fundamentais. O primeiro era a transformação do estado de emergência em modo normal de governo. O segundo era a possibilidade de espoliar legalmente sujeitos de toda sua condição de cidadãos.
Certas constituições preveem a decretação do estado de emergência em situações de guerra, insegurança nacional e catástrofes de várias naturezas. Sob estado de emergência, o governo pode suspender garantias legais, impor censura e tomar decisões por meios que não seriam aceitáveis em situações normais. Assim, o governo assume claramente a posição de poder soberano que está, ao mesmo tempo, dentro e fora da lei. Dentro, porque é o seu fundamento. Fora, porque pode suspendê-la.
(...)





Vladimir Safatle – Professor de Filosofia da Usp – 12.02.2016.
IN Folha de São Paulo (Republicado no blog "A casa de vidro").

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Escracho


O Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo.

Eleonora de Lucena
A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.
Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.
Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão geram lucros.
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso.
(...)

 

 




 

Eleonora de Lucena – Jornalista – 26.07.2016.
In Folha de São Paulo (Republicado em Blog do Murilo).

terça-feira, 2 de agosto de 2016

14 perguntas e respostas sobre o Escola sem partidos


Existe doutrinação em sala de aula? Criar leis para regular o ensino e processar professores resolve? Tire suas dúvidas sobre as propostas do movimento.

Rodrigo Ratier
A Educação brasileira tem dezenas de problemas graves, complexos e bem conhecidos. Nos últimos meses, o movimento Escola Sem Partido (ESP) ganhou força e visibilidade com o argumento de que essa lista precisa crescer. Para o grupo, a militância político-partidária dos professores e discussões sobre sexualidade e gênero estão entre as questões mais sérias e urgentes da Educação no Brasil.
Para resolvê-las, o movimento, fundado pelo advogado e procurador do Estado de São Paulo Miguel Nagib, propõe três soluções: divulgar testemunhos de alunos que teriam sido vítimas desses educadores, estimular leis contra o abuso na liberdade de ensinar e enviar notificações extrajudiciais ameaçando com processos professores que adotarem determinadas condutas em sala de aula. Nos últimos meses, os debates sobre gênero foram os alvos dessas notificações.
Claro que a doutrinação - palavra que remete à pregação - é algo inadequado em qualquer aula. A pluralidade de visões e o questionamento de cada uma delas é o caminho mais fértil para levar os alunos a pensar por conta própria, como discute a reportagem de capa de NOVA ESCOLA de junho/julho de 2016. Mas o problema é tão grave quanto o Escola Sem Partido alega? Ele seria realmente urgente e grande a ponto de levar a escola para o tribunal? Ele deveria ser o foco das discussões públicas sobre Educação nesse momento? Quais são as consequências dentro da sala de aula?
Em busca de algumas respostas, pesquisamos evidências para entender o assunto. O resultado está na lista de perguntas e respostas abaixo, coletada em livros, pesquisas e conversas com professores e gestores. Se você tiver mais alguma dúvida ou contribuição ao debate, NOVA ESCOLA está aberta. O debate livre, sem amarras, é a melhor forma de avançar. 
(...)






Rodrigo Ratier – 23.06.2016
IN Nova Escola.