quarta-feira, 5 de abril de 2017

Armadilhas da segurança pública


Para reformar a segurança pública no país, será preciso desconstruir falsas polaridades porque, segundo inúmeros estudos internacionais, é a construção do outro como inimigo desumanizado que motiva um ser humano a se armar e matar outro ser humano. Nos anos pesquisando jovens vulneráveis do Rio de Janeiro, deparei-me com a definição de um inimigo ameaçador que justifica os ataques letais contra ele. É com base nessa construção imaginária que os meninos da favela se transformam em traficantes soldados. É com ela que os policiais, fardados ou não, se transformam em policiais guerreiros. Para isso, contam com a simbologia e a eficácia de armas de fogo que matam rápida e eficazmente, dando aos que as usam a sensação de poder sobre a vida e a morte dos outros. Nada mais atraente para os homens em busca de afirmação e poder. Nada mais ilusório, pois quem usa armas é alvo preferencial de tiros.

Alba Zaluar
Há muitos projetos bem montados no país para diminuir a violência letal entre os homens jovens, mas esta continua aumentando.
Simultaneamente, há a interpretação dada por movimentos sociais que denunciam o extermínio dos jovens negros no Brasil. A afirmação é feita como se houvesse uma política oficial, explícita e persistente de matar jovens negros, uma política racista e de crime contra a Humanidade. Mas nenhuma política de extermínio foi implementada aqui. No máximo, há efeitos não intencionais de políticas repressivas praticadas por policiais mal preparados em governos dirigidos por políticos indiferentes ao destino dos cidadãos mais pobres. As palavras têm importância simbólica. Ao insistir que se trata de genocídio não se está, sem intento, impossibilitando relações menos conflitivas entre moradores, jovens ou não, e policiais?
Não se pode negar o morticínio de homens jovens negros no Brasil. Falar das mortes cometidas por agentes do Estado é de crucial importância para termos uma polícia comprometida com o Estado de direito que não abuse do uso da força, especialmente das armas que legalmente portam. A participação das polícias nessas mortes representa uma vergonha para todos os que querem o Estado de direito consolidado no país. No entanto, falar apenas delas provoca não só uma grave distorção dos fatos, mas também o fortalecimento de atitudes reativas de policiais que se sentem injustamente culpados pelas mortes que eles sabem ter outros perpetradores. Não estará estimulando o excesso de flagrantes forjados como tentativa de se precaver de acusações? As denúncias assim postas, feitas há tantos anos, conseguiram resolver o problema da segurança pública? O peso das culpas, postas nos ombros dos policiais que já gritam que só a polícia não resolve, ficou insuportável.
(...)



Alba Zaluar – Socióloga – 26.09.2016.
In O Globo.