Para reformar a segurança pública no país, será preciso desconstruir
falsas polaridades porque, segundo inúmeros estudos internacionais, é a
construção do outro como inimigo desumanizado que motiva um ser humano a se
armar e matar outro ser humano. Nos anos pesquisando jovens vulneráveis do Rio
de Janeiro, deparei-me com a definição de um inimigo ameaçador que justifica os
ataques letais contra ele. É com base nessa construção imaginária que os meninos
da favela se transformam em traficantes soldados. É com ela que os policiais,
fardados ou não, se transformam em policiais guerreiros. Para isso, contam com
a simbologia e a eficácia de armas de fogo que matam rápida e eficazmente,
dando aos que as usam a sensação de poder sobre a vida e a morte dos outros.
Nada mais atraente para os homens em busca de afirmação e poder. Nada mais
ilusório, pois quem usa armas é alvo preferencial de tiros.
Alba Zaluar
Há muitos projetos bem montados no país para diminuir a violência letal
entre os homens jovens, mas esta continua aumentando.
Simultaneamente, há a interpretação dada por movimentos sociais que
denunciam o extermínio dos jovens negros no Brasil. A afirmação é feita como se
houvesse uma política oficial, explícita e persistente de matar jovens negros,
uma política racista e de crime contra a Humanidade. Mas nenhuma política de
extermínio foi implementada aqui. No máximo, há efeitos não intencionais de
políticas repressivas praticadas por policiais mal preparados em governos
dirigidos por políticos indiferentes ao destino dos cidadãos mais pobres. As
palavras têm importância simbólica. Ao insistir que se trata de genocídio não
se está, sem intento, impossibilitando relações menos conflitivas entre moradores,
jovens ou não, e policiais?
Não se pode negar o morticínio de homens jovens negros no Brasil. Falar
das mortes cometidas por agentes do Estado é de crucial importância para termos
uma polícia comprometida com o Estado de direito que não abuse do uso da força,
especialmente das armas que legalmente portam. A participação das polícias
nessas mortes representa uma vergonha para todos os que querem o Estado de
direito consolidado no país. No entanto, falar apenas delas provoca não só uma
grave distorção dos fatos, mas também o fortalecimento de atitudes reativas de
policiais que se sentem injustamente culpados pelas mortes que eles sabem ter
outros perpetradores. Não estará estimulando o excesso de flagrantes forjados
como tentativa de se precaver de acusações? As denúncias assim postas, feitas
há tantos anos, conseguiram resolver o problema da segurança pública? O peso
das culpas, postas nos ombros dos policiais que já gritam que só a polícia não
resolve, ficou insuportável.
(...)
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Alba Zaluar – Socióloga – 26.09.2016.
In O Globo.