O principal limite ao exercício do poder é formado pelos direitos e
garantias fundamentais, verdadeiros trunfos contra a opressão (mesmo que essa
opressão parta de maiorias de ocasião, da chamada “opinião pública”). Sempre
que um direito ou garantia fundamental é violado (ou, como se diz a partir da
ideologia neoliberal, “flexibilizado”) afasta-se do marco do Estado Democrático
de Direito. Nada, ao menos nas democracias, legitima a “flexibilização”
de uma garantia constitucional, como, por exemplo, a presunção de inocência
(tão atacada em tempos de populismo penal, no qual a ausência de reflexão – o
“vazio do pensamento” a que se referia H. Arendt – marca a produção de atos
legislativos e judiciais, nos quais tanto a doutrina adequada à Constituição da
República quanto os dados produzidos em pesquisas sérias na área penal são
desconsiderados em nome da “opinião pública”).
Rubens Casara
“Que
teríamos feito sem os juristas alemães?”
– Adolf
Hitler
Em 1938, o líder nazista Adolf Hitler foi escolhido o “homem do ano” da
revista Time. Antes disso, Hitler figurou na capa de diversas revistas
europeias e norte-americanas, no mais das vezes com matérias elogiosas acerca
de sua luta contra a corrupção e o comunismo que “ameaçavam os valores
ocidentais”. Seus discursos contra a degeneração da política (e do povo) faziam
com que as opiniões e ações dos nazistas contassem com amplo apoio da opinião
pública, não só na Alemanha. O apelo transformador/moralizador da política e as
reformas da economia (adequada aos detentores do poder econômico) fizeram
emergir rapidamente um consenso social em favor de Hitler e de suas políticas.
Diversos estudos apontam que a população alemã (mas, vale insistir, não
só a população alemã) apoiava Hitler e demonizava seus opositores, inebriada
por matérias jornalísticas e propaganda, conquistada através de imagens e da
manipulação de significantes de forte apelo popular (tais como “inimigo”,
“corrupção”, “valores tradicionais”, etc.).[1] Em material de repressão aos
delitos, os nazistas, também com amplo apoio da opinião pública, defendiam o
lema “o punho desce com força”[2] e a relativização/desconsideração de direitos
e garantias individuais em nome dos superiores “interesses do povo”.
A “justiça penal nazista” estabeleceu-se às custas dos direitos e
garantias individuais, estas percebidas como obstáculos à eficiência do Estado
e ao projeto de purificação das relações sociais e do corpo político
empreendida pelo grupo político de Hitler. Aliás, a defesa da “lei e da ordem”,
“da disciplina e da moral” eram elementos retóricos presentes em diversos
discursos e passaram a integrar a mitologia nazista. Com o apoio da maioria dos
meios de comunicação, que apoiavam o afastamento de limites legais ao exercício
do poder penal, propagandeando uma justiça penal mais célere e efetiva,
alimentou-se a imagem populista de Hitler como a de um herói contra o crime e a
corrupção, o que levou ao aumento do apoio popular a suas propostas.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://justificando.com/2016/03/12/vamos-comemorar-um-tribunal-que-julga-de-acordo-com-a-opiniao-publica/
Rubens Casara – Juiz de Direito – 12.03.2016.
IN Justificando.