segunda-feira, 12 de março de 2012

O sonho europeu


Jovens da África subsaariana se arriscam em busca de uma vida melhor enquanto governos da União Europeia adotam medidas cada vez mais severas para evitar que africanos entrem em seus países.

Adriana Delorenzo
Uma preocupação faz parte do cotidiano da senegalesa Aline Fall, moradora de São Luís, ilha localizada no noroeste do país que faz fronteira com a Mauritânia. Bana Fall, seu irmão, trabalhava como pescador na cidade quando vendeu seu barco e partiu para a Espanha, deixando esposa e um filho. A partida aconteceu há três anos, mas nos últimos 12 meses Aline não tem qualquer notícia do irmão. “Não tenho como falar com ele, não sei se está bem, se está vivo”, lamenta. A aflição não é à toa. Ela diz que nas viagens rumo à Europa muitos africanos acabam morrendo pelas péssimas condições das viagens, feitas em barcos de pescaria, as pirogas. “Em toda família tem uma pessoa que foi embora, a maioria são homens jovens e poucos voltam”, afirma.
Imigrar é o sonho de muitos jovens do Senegal. Em geral, o destino é a Espanha, em razão da proximidade. A rota principal é pelo Atlântico até as Ilhas Canárias. No entanto, a Marcha dos migrantes que aconteceu durante o Fórum Social Mundial de Dacar, realizado entre 6 e 11 de fevereiro deste ano, denunciou a morte de 14.006 migrantes que tentavam chegar à Europa pelas Ilhas. Todos eram da África subsaariana. A marcha expôs uma lista de 40 metros com os nomes de todos os africanos e cobrou o direito à livre circulação, duramente violado.
A imigração de africanos nos últimos anos principalmente em direção à Europa chega a ser chamada de uma nova diáspora.  O antropólogo Kabengele Munanga, por exemplo, divide a diáspora africana em três momentos. A primeira baseia-se no princípio de que o continente é o berço da humanidade e foram os africanos que povoaram o mundo e, portanto, toda a humanidade é descendente dos povos da África.  A segunda se refere à escravidão, quando milhões de negros foram deportados compulsoriamente como escravos para a América, onde produziram riquezas. Já a terceira diáspora diz respeito ao período pré-independência das colônias, na segunda metade do século XX, quando muitos viajavam em busca de melhores condições de vida, já que a colonização estava longe de prover isso. Ainda hoje, o que leva os africanos a deixar seus países é a oportunidade de uma vida melhor. Mas os imigrantes que vão tentar a sorte em outro país recebem salários menores do que os outros trabalhadores nativos e, assim como árabes e ciganos, convivem com a discriminação e o racismo.
De acordo com a Organização Internacional para a Migração (International Organization for Migration – IOM), uma em cada 33 pessoas vive em um país diferente de onde nasceu. A estimativa é que na Europa vivam entre 3,5 e 8 milhões de migrantes da África subsaariana, principalmente na França, Itália, Espanha, Portugal e Reino Unido, conforme números de 2009 do Conselho da Europa. Com a imigração ilegal, o órgão destaca que o número é subestimado.
Para a socióloga Aoua Bocar Ly-Tall, professora do Instituto de Mulheres da Universidade de Ottawa, no Canadá, é natural que os africanos queiram imigrar. “Primeiro, foram os europeus que foram explorar a África, pegaram nossos recursos naturais e humanos, exploraram as pessoas. Assim, é normal que os jovens queiram retornar a esses países para dividir as riquezas, que foram produzidas pelos africanos e retiradas do continente.” Ela destaca que os jovens vão para a Europa ou aos Estados Unidos “não para mendigar, nem para conquistar, vão para trabalhar”.
Apesar disso, os africanos não são recebidos como trabalhadores, com todos os direitos – sociais, políticos e culturais – reconhecidos. Segundo o coordenador do Centro de Apoio ao migrante (Cami) e secretário da Rede Espacio sin Fronteras (ESF), Paulo Illes, há dois enfoques no modo de receber os migrantes: como trabalhadores ou simplesmente como estrangeiros, quando há espaço para hostilidade.



Cerco aos migrantes
Em tempos de crise, a União Europeia tem adotado medidas drásticas para evitar a entrada de africanos, utilizando-se da atual situação econômica do Velho Mundo para ganhar apoio de setores conservadores da sociedade. “Há uma criminalização internacional contra os migrantes, tanto na Europa, como nos Estados Unidos”, diz Paulo.  “Na lei do estado de Arizona, nos EUA, só pelo fato de a pessoa ter rosto de migrante ela pode ser presa”, relata, lembrando que após a Segunda Guerra Mundial o mesmo país deportou milhares de chineses porque pareciam japoneses.
No caso dos africanos que arriscam a vida em barcos para chegar à Espanha, a situação é dramática. Nos últimos anos foram construídos diversos centros de internação de estrangeiros (CEIs), três deles nas Canárias. Os migrantes que são pegos sem documentação ficam presos nesses locais até serem deportados. “Não são como presos, porque o preso tem garantias jurídicas, visita da família, pode comunicar-se com seu advogado, já o migrante, não”, explica Iván Forero Robayo, da Comissión Española de Ayuda al Refugiado (Cear).  
Por muito tempo, segundo Iván, a Espanha utilizou-se da mão de obra subsaariana para o seu crescimento econômico fulminante. A principal rota para se chegar ao país era partindo pelo Marrocos. “Até que foi firmado um acordo entre os dois países para construir um muro e as pessoas começaram a buscar outras alternativas.” Barcos que eram usados para a pesca na Mauritânia e no Senegal começaram a ser utilizados na travessia, saindo da Mauritânia. Iván destaca que esses “pescadores foram prejudicados pelas multinacionais com equipamentos modernos que arrasaram o litoral”.
A partir de meados de 2000, muitos subsaarianos chegavam ao Senegal ou Mauritânia e pegavam essas pirogas. “São barcos absolutamente inseguros”, diz. Com o controle cada vez mais forte das fronteiras, menos migrantes estão conseguindo entrar no país. Até 2006 chegavam às Canárias cerca de 40 mil pessoas por ano; em 2010, segundo o último informe do Ministério do Interior Espanhol, apenas 190 pessoas entraram nas ilhas.” O governo espanhol divulgou em fevereiro que os três centros de internação de estrangeiros das Canárias estão praticamente vazios, com 67 pessoas (64 homens e três mulheres), sendo que, somados, eles dispõem de 1.530 vagas.
Várias estratégias foram utilizadas para reprimir a entrada de africanos, como, por exemplo, um sistema de radares que identifica todos os barcos. Além disso, foi construído um centro de internamento na Mauritânia, onde estrangeiros suspeitos são detidos. “Quanto mais estratégias dentro da África, menor é o controle dos movimentos sociais e da imprensa”, afirma Paulo. Ele ressalta que em 2008 o governo espanhol fez um acordo com o governo do Senegal para repatriar cinco mil senegaleses. “O governo de Abdoulaye Wade recebeu 15 milhões de euros, trouxeram os migrantes para Dacar e os que não eram da capital receberam 15 euros para chegarem até suas comunidades de origem.”
Estratégias para barrar a entrada de migrantes do sul pelos países do norte têm sido utilizadas também pelo governo italiano na Líbia e pelos EUA no México. Na Espanha, Iván ressalta que houve a tentativa de se aprovar uma diretiva que autorizava prender quem abrigasse um migrante em casa sem documentação. “Seria a criminalização da solidariedade”, avalia.



Novos fluxos
Com as dificuldades de alcançar o sonho de uma vida melhor na Europa, Brasil e África do Sul poderão ser novas rotas de boa parte dos migrantes. Paulo acredita que com a presença de estatais brasileiras na África, o fluxo de comunicação aumentará e, naturalmente, a imigração. “Na última anistia no Brasil, em 2008, cerca de quatro mil africanos foram regularizados. Em 1998, eram 80”, compara.
O Brasil já faz parte dos sonhos de Baye Mon Talla Samb, um jovem senegalês de 28 anos. Engenheiro de som, ele desistiu da profissão por causa do baixo salário e hoje vende os quadros que pinta para os turistas. Baye diz que no Senegal, onde mais da metade da população tem menos de 19 anos, quase todo mundo é desempregado. Apesar de a taxa oficial de desemprego ser de 48%, ele acredita que deva chegar a 80%. Segundo Baye, viver de turismo não é nada fácil, mas é a alternativa para grande parte da população. Na baixa temporada a maioria vive de recursos enviados pelos parentes que imigraram. Ele diz que com 100 mil CFA, em torno de 330 reais, é possível viver com o mínimo de dignidade, comer e dividir o aluguel de um quarto. Mas, em geral, as pessoas vivem com muito menos: em torno de 40 mil CFA e até 30 mil por mês.
“Todos os jovens do Senegal pensam a mesma coisa, viajar. Não só do Senegal, mas de toda a África. Os jovens querem ir para os EUA, Espanha, Itália, França, Inglaterra e também para o Brasil. O sonho dos jovens é sair daqui. Não é fácil viver na África. É terrível”, retrata Baye, que sonha ir para Salvador dar aulas de percussão.  
Resta saber como o Brasil receberá os futuros migrantes. Para Paulo Illes, o Brasil, em termos de recepção de migrantes, tem uma experiência muito diferente da União Europeia.  “Os bolivianos estavam há mais de 15 anos em condições análogas ao trabalho escravo. O que o Brasil fez? Fez um acordo de livre residência no Mercosul. Hoje o boliviano chega e tem todos os direitos trabalhistas de um brasileiro. Assim, acaba o que chamamos de concorrência desleal”. Como desafio, Paulo destaca a necessidade de rever a Lei do Estrangeiro, que é de 1980. “Com a legislação, esse migrante nunca poderá ser o gerente da empresa, estamos em luta para mudar isso.”

União da África e diáspora
No último dia do Fórum Social Mundial de Dacar, ocorreu a assembleia de convergência para ação sobre a reunificação da África com a diáspora e os povos de ascendência africana. O encontro reuniu diversas lideranças e intelectuais do Senegal e de outros países africanos, inclusive representantes do movimento negro brasileiro. “Temos que criar uma ponte entre a África e a diáspora, unir os migrantes e restabelecer os laços com essas pessoas. Resgatar o orgulho de fazer parte dessa nação”, sustenta Ly-Tall, que é discípula do historiador senegalês Cheik Anta Diop (1923-1986). Considerado pai do pan-africanismo, Diop comprovou a origem negra da civilização egípcia por meio de estudos físicos – analisando a melanina em múmias –, linguísticos e históricos. “Cometeram um crime contra a humanidade. Chegaram ao ponto de falsificar as estátuas de faraós do Egito dizendo que eram brancos, tiravam narizes de africanos e colocavam os de ocidentais”, comenta a socióloga.
Diop dizia que só uma África unida seria capaz de superar o subdesenvolvimento. Essa é a luta do jovem Ibrahima Souané, membro da Rede de Estudantes e Jovens pelos Estados Unidos da África. O grupo está partindo para a quarta caravana entre os países vizinhos do Senegal. Em cada uma delas, partem três ônibus com cerca de 150 pessoas. “Durante as caravanas de integração falamos com os jovens, as mulheres, os estudantes, para que todos eles nos apoiem.” Ele diz que a rede já conta com o apoio de 27 chefes de Estado, dos 53 da África. Para arrecadar dinheiro para a caravana, eles vendem cartões a 1 mil CFA, cerca de 4 reais.
Alinhado com o pensamento de Diop, Ibrahima diz que os Estados Unidos da África trariam muitos benefícios para o povo. “As pessoas poderiam circular livremente entre os países, também haveria a uniformização da educação, ou seja, os diplomas seriam reconhecidos em todo o continente, as organizações se juntariam e teríamos mais potencial para agir, teríamos um só exército”, estima. Hoje, Ibrahima diz que há muitas dificuldades para passar pelas fronteiras entre os países. “A todo o momento temos que mostrar os documentos e somos obrigados a pagar.”
Um mundo sem muros é o objetivo da Carta dos Migrantes, lançada no dia 5 de fevereiro após a Assembleia dos Migrantes, na Ilha de Gorée. Do local, partiram mais de 20 milhões de escravos no século XVII. O documento foi escrito por mais de cinco mil pessoas, cuja “ambição é validar, a partir de situações enfrentadas pelos migrantes no mundo, o direito universal de circulação e permanência no nosso planeta”.  A justificativa é simples: “Todos nós pertencemos à Terra, toda pessoa tem o direito de escolher o seu local de residência e lá se estabelecer e viver, ou ainda de circular livremente, sem restrições em qualquer parte da Terra”.


Adriana Delorenzo – Jornalista – Maio de 2011
IN “Revista Forum” - http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9215







Que el derecho no se detenga a la puerta

de los Centros de Internamento de

Extrangeros


La sociedad civil no puede ser excluída del proceso de elaboración del Reglamento que regulará el funcionamiento de estos espacios donde miles de personas permanecen detenidas por no tener su situación administrativa regularizada. Son nuestras vecinas y vecinos, parte importante de una sociedad en la que no cesaremos en nuestro empeño de que sean respetados los Derechos de las personas, independientemente del lugar donde hayamos nacido.


Manifesto de ONGs espanholas
Las organizaciones sociales, entidades y ciudadanos abajo firmantes pedimos el cierre de los Centros de Internamiento de Extranjeros (CIE), espacios contrarios a los instrumentos internacionales de derechos humanos firmados y ratificados por España, y mostramos nuestra preocupación por el oscurantismo con que el Gobierno español está elaborando el Reglamento que regulará el funcionamiento de estos Centros. Margina así a la sociedad civil en el tratamiento de uno de los puntos más cuestionados y represivos de la política migratoria: la privación de libertad a personas que no han podido obtener o renovar el permiso de residencia.
Son meses esperando conocer el borrador de este reglamento que está elaborando el Ministerio de Interior pese a que la última modificación de la LOEX, de 11 de diciembre de 2009 dispuso que se aprobaría en el plazo de 6 meses, sin que haya sido posible saber sus líneas básicas ni mucho menos poder intervenir mínimamente para que se garanticen en él la totalidad de los Derechos de las personas que son internadas en los CIE. Esta ausencia de diálogo sólo puede presagiar la imposición de una norma restrictiva y limitadora de derechos que dé continuidad a la actual inseguridad jurídica propiciada por la imposición unilateral y arbitraria de las normas de cada centro.
Las denuncias documentadas sobre el funcionamiento de los CIE, formuladas en los últimos años por el movimiento asociativo que trabaja a pie de calle, así como por entidades europeas, comisiones del Parlamento Europeo e instituciones españolas como el Defensor del Pueblo, y equivalentes autonómicos, o la propia Fiscalía General del Estado, no pueden obviarse en el próximo Reglamento. Por ello, pedimos una interlocución oficial que permita al movimiento asociativo y al resto de entidades implicadas, una participación real en el debate en torno al futuro Reglamento.
La sociedad civil no puede ser excluida del proceso de elaboración del Reglamento que regulará el funcionamiento de estos espacios donde miles de personas permanecen detenidas por no tener su situación administrativa regularizada. Son nuestras vecinas y vecinos, parte importante de una sociedad en la que no cesaremos en nuestro empeño de que sean respetados los Derechos de las personas, independientemente del lugar donde hayamos nacido.
Es necesaria, entonces, la implicación de todos los estamentos de nuestra sociedad para conseguir dicha interlocución. El pronunciamiento de las entidades sociales, de las que se mueven en el ámbito jurídico, en el mundo universitario, en el campo de la salud pública, de la enseñanza, etc. puede favorecer que Interior apruebe un Reglamento que garantice y desarrolle los derechos básicos de las personas encerradas en los CIE.
Insistimos en que el único derecho limitado por el ordenamiento jurídico a dichas personas es el de la libertad ambulatoria. Por ello, el Reglamento ha de garantizar el cumplimiento de todos los demás derechos: a la integridad física y psicológica, a la salud, a la asistencia jurídica y social, a la comunicación sin trabas y respetando el derecho a la intimidad, al conocimiento y ejercicio de sus derechos, a unas instalaciones en condiciones.
Y en tanto los tiempos conduzcan a un cierre de estos centros, se ha de acabar con el oscurantismo sobre su funcionamiento, garantizando el respeto a los derechos fundamentales de los internos e internas, el acceso de las entidades sociales y proporcionando información pública y estadísticas precisas sobre las personas que pasan por los CIES, su situación jurídica, la duración del encierro y la resolución final del mismo, su expulsión o puesta en libertad.


Manifiesto de ACSUR, Andalucía Acoge, Asociación Pro Derechos Humanos de Andalucía (APDHA), Asociación Española para el Derecho Internacional de los Derechos Humanos (AEDIDH), Campaña “CIE’s No” (Valencia), Comisión Española de Ayuda al Refugiado (CEAR), Convivir Sin Racismo, Federación Estatal de Asociaciones de SOS Racismo, Ferrocarril Clandestino, Fundación Acción Pro Derechos Humanos, Grupo Inmigrapenal, Médicos del Mundo, Migreurop, Mugak, Plataforma de Solidaridad con los/las Inmigrantes (Málaga), Pueblos Unidos, Observatorio del Sistema Penal y Derechos Humanos (Universidad de Barcelona), Parroquia San Carlos Borromeo (Madrid) – 16.06.2011
In “Periodismo Humano” – http://tomalapalabra.periodismohumano.com/2011/06/16/que-el-derecho-no-se-detenga-a-la-puerta-de-los-cies/