terça-feira, 27 de março de 2012

Fonte vital


estamos longe de gerenciar bem os recursos hídricos que seriam uma grande vantagem competitiva. "Mais de 50% da população não têm acesso sequer à coleta de esgoto, que dirá ao esgoto tratado", diz. "Com isso, as fontes próximas ficam inutilizáveis e nossas cidades vão buscar água cada vez mais longe, o que torna o abastecimento cada vez mais caro, além de afetar o fornecimento em outras áreas urbanas, como acontece com São Paulo em relação a Campinas, por exemplo," aponta Canedo.

Carlos Vasconcellos
A preservação dos recursos hídricos será um dos temas de destaque da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, que será realizada no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho. Como anfitrião do encontro, o Brasil encontra-se em uma posição privilegiada no panorama global. Com cerca de 3% da população mundial, o país detém aproximadamente 13% das reservas de água doce do planeta. Água abundante, predominantemente superficial, que não está congelada em geleiras e é fácil de ser usada.
Esse, no entanto, é apenas o lado "meio cheio" do copo. Na verdade, cerca de 70% dessas reservas estão localizadas na Amazônia, distantes dos grandes centros urbanos onde vive a maior parte da população brasileira. "Nossas reservas são mal distribuídas", diz o geógrafo Wagner Costa Ribeiro, da USP. "Com isso temos dois grandes problemas: abastecer as grandes metrópoles, que já vivem uma condição crítica em termos de fornecimento de água, e o Semiárido nordestino, que representa 10% do território nacional e é a região mais povoada do mundo com esse tipo de clima."
E o problema pode se agravar. "Quanto mais a população se urbaniza, quanto mais aumenta a renda, mais aumenta o consumo de água. Isso já é visível em conglomerados urbanos como a região de Campina Grande, na Paraíba, onde vivem cerca de meio milhão de pessoas", diz.
De fato, o padrão de consumo é um dos pontos-chave para o futuro das reservas hídricas mundiais. "Somos educados para enxergar apenas o consumo doméstico", afirma Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe-UFRJ. "Ninguém se dá conta de que gastamos 11 mil litros de água para produzir uma calça jeans, três mil litros para produzir uma camiseta, 15 mil litros para produzir um quilo de picanha", enumera. "Os EUA gastam 400 litros de água por habitante ao dia. O mundo não comporta oito bilhões de pessoas com esse nível de gasto", diz Canedo.
Diante desse quadro, o Brasil pode ter boas oportunidades no futuro, aponta o especialista. "Com a dificuldade de produção de alimentos, podemos nos tornar um supermercado para o mundo, pois temos água, terra e variedade climática para isso."
Por outro lado, aponta Canedo, estamos longe de gerenciar bem os recursos hídricos que seriam uma grande vantagem competitiva. "Mais de 50% da população não têm acesso sequer à coleta de esgoto, que dirá ao esgoto tratado", diz. "Com isso, as fontes próximas ficam inutilizáveis e nossas cidades vão buscar água cada vez mais longe, o que torna o abastecimento cada vez mais caro, além de afetar o fornecimento em outras áreas urbanas, como acontece com São Paulo em relação a Campinas, por exemplo."
Isso é uma realidade também no Rio de Janeiro, onde 70% do abastecimento provém do sistema do Guandu, interligado à Bacia do Paraíba do Sul. "Isso traz uma certa fragilidade, embora tenhamos uma relativa abundância hídrica no Estado", diz a presidente do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea) do Rio, Marilene Ramos. Canedo, por sua vez, aponta um possível conflito futuro entre Rio e São Paulo, no momento em que São Paulo precisar avançar até a Bacia do Paraíba do Sul para buscar água para sua região metropolitana.
Enquanto isso não acontece, os investimentos não podem parar. "Em 2011, demos início a uma Parceria Público-Privada para aumentar a vazão de 10 m3 para 15 m3 por segundo no sistema do Alto Tietê, e neste mês terminaremos a modelagem de nova PPP, para aumentar em 4,7 m3 por segundo a vazão na Bacia de Ribeira do Iguape", diz o secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, Edson Giriboni.
As ações da secretaria, explica Giriboni, não se limitam aos investimentos em transposições e obras para aumentar a oferta. "Temos vários projetos no âmbito do Programa Mananciais, como o projeto de recuperação das bacias Guarapiranga e Billings, vamos começar a incentivar programas para o reúso da água nas indústrias e também firmamos um acordo com o banco japonês Jica, para financiar um programa de redução de perdas no sistema da Sabesp ", diz.
Vicente Andreu, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), órgão que tem como função regular o uso da água bruta nos corpos hídricos de domínio da União e implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, aponta alguns avanços no gerenciamento das águas no país, inspirado no modelo francês, que prevê a criação de comitês gestores por bacias hidrográficas. "O Brasil foi destacado, junto com a África do Sul, como um dos países com a legislação mais moderna para a gestão de recursos hídricos no 6º Fórum Mundial das Águas."
No entanto, Andreu admite que ainda há um longo caminho a percorrer. E a poluição continua sendo um problema dramático. "Embora o último Atlas de Abastecimento Urbano da ANA aponte que mais de 70% das águas tenham boa qualidade, e 11% tenham ótima qualidade, isso não acontece nas grandes cidades", explica. "Além disso, começam a surgir problemas de contaminação por agrotóxicos e fertilizantes no Cerrado e de poluição por esgoto e dejetos no Nordeste."
Entre 2001 e 2011, o Programa Nacional de Despoluição de Bacias Hidrográficas, da ANA, investiu R$ 200,82 milhões na instalação de 55 estações de tratamento de esgoto, que custaram R$ 720 milhões. A universalização dos serviços de saneamento, no entanto, continua uma meta distante. "O governo federal vem investindo fortemente, mas o atraso é grande e não vamos cumprir as Metas do Milênio da ONU nessa área", diz Andreu. Apesar dos esforços, 2011 registrou uma queda de 20% nos investimentos do setor em relação ao ano anterior.
Segundo a própria ANA, seriam necessários R$ 40,8 bilhões de investimentos em coleta e R$ 7 bilhões em tratamento até 2015 para implantar uma rede apenas nos municípios em que o lançamento de esgotos tem potencial para poluir mananciais de captação para o abastecimento público de água. O nó, explica Andreu, não é a falta de recursos, mas de capacidade de aplicação do dinheiro. "Os municípios não têm capacidade para elaborar projetos nessa área", diz. "Por isso, estamos começando a financiar não apenas obras, mas também a elaboração de projetos."
Para Giriboni, o país precisa avançar mais rápido nesse campo. "A sociedade e os agentes políticos precisam se conscientizar de que o dinheiro gasto nessa área não é a fundo perdido, ele traz ganhos para a economia, a saúde e o ambiente", diz o secretário de Saneamento de São Paulo, que defende a desoneração do PIS/Cofins para o setor.
Outro fenômeno negativo apontado por Andreu é o que ele chama de "guerra ambiental" entre Estados e municípios, que aliada a estruturas ineficientes de fiscalização, pode aumentar o problema de escassez. "Na pressa de atrair e garantir investimentos, muitos Estados e municípios aceleram a concessão de licenças ambientais sem o devido cuidado e os conselhos gestores de recursos hídricos acabam se tornando meros validadores, autorizando o uso em projetos que podem ameaçar o abastecimento de água no futuro", explica.
Uma solução, defende o diretor-presidente da ANA seria vincular os financiamentos públicos de projetos, à regularização das outorgas para a utilização de água.


Carlos Vasconcellos 22.03.2012
IN “Valor Econômico”, caderno especial – http://www.valor.com.br/especiais/2581410/fonte-vital



Campanhas eficazes são as que mudam a atitude das pessoas

Gilmar Altamirano, diretor-presidente da Universidade da Água, aponta três fatores para tornar as campanhas mais efetivas: medo da lei, conduta moral, que se aprende em casa, e aprovação social. "Na campanha para estimular o respeito à faixa de pedestres, por exemplo, falta ainda a reprovação social, ou seja, a pessoa ter medo ou vergonha de infringir a lei na frente dos outros, e isso demora", explica.

Maria Carolina Nomura
Não há como contestar a importância das campanhas de conscientização sobre o uso racional da água, mas sua eficácia só é percebida quando há, de fato, uma mudança no comportamento de quem utiliza esse recurso natural. E para isso, segundo os especialistas, é preciso que se coloquem em prática projetos de educação continuada que ensinem não só o valor da água como bem de consumo, mas sua relevância para a vida em si.
"Não basta dizer tome banho em cinco minutos, use a água racionalmente ou não lave a calçada com mangueira. É preciso, primeiro, entender qual é a relação do ser humano com a água e mostrar qual é o sua importância por meio de ações permanentes", explica José Galizia Tundisi, especialista em recursos hídricos, livre-docente em Ecologia pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE).
Mais do que falar é preciso fazer. "Uma coisa é dizer que não se deve escovar os dentes com a torneira aberta. Outra, é distribuir copos para as crianças na escola e dizer que elas só poderão escovar os dentes com a quantidade de água que cabe neles. Fazendo assim, a criança assimila muito mais a mensagem e consegue replicá-la em casa", exemplifica.
Gilmar Altamirano, diretor-presidente da Universidade da Água, aponta três fatores para tornar as campanhas mais efetivas: medo da lei, conduta moral, que se aprende em casa, e aprovação social. "Na campanha para estimular o respeito à faixa de pedestres, por exemplo, falta ainda a reprovação social, ou seja, a pessoa ter medo ou vergonha de infringir a lei na frente dos outros, e isso demora", explica.
Outra deficiência é a abordagem excessivamente técnica das campanhas, diz Yazmín Trejos, gerente de comunicação corporativa da Mexichem. A empresa, que integra o grupo Kaluz, lançou neste mês o Projeto Hydros, uma campanha permanente que estimula a reflexão e a ação. Todo o material do projeto é oferecido gratuitamente na internet para ser divulgado em todas as redes sociais, pessoais e corporativas.
Mais do que espalhar mensagens de preservação da água, é preciso que as pessoas acreditem que esse recurso é finito, afirma Albano Araújo, coordenador de estratégia de água doce da ONG TNC (The Nature Conservancy). Wilson Passeto, diretor da ONG Água e Cidade e empreendedor social da Ashoka, dá como exemplo o programa Água na Escola, promovido pela ONG, cujo foco são crianças e professores dos ensinos básico e médio. Durante sete anos, a ONG realizou ações em escolas de Cachoeiro de Itapemirim (ES), cidade de 200 mil habitantes. "Capacitamos professores que educaram mais de 29 mil alunos. Como resultado, o consumo diário de água caiu de 178 litros por habitante, em 2000, para 121 litros em 2009. Com um investimento inferior a R$ 250 mil a cidade diminuiu o impacto ambiental hídrico em mais de 30%."


Maria Carolina Nomura 22.03.2012