quarta-feira, 23 de maio de 2012

Europa mexe na lei trabalhista contra crise



Países como Espanha, Itália e Grécia apostam na "flexibilização" de direitos, o que tem gerado grandes protestos.
Um dos pontos centrais é facilitar demissões; analistas questionam se menos proteção favorece crescimento.

Rodrigo Russo
Vários países da Europa apostam na reforma trabalhista para superar a crise econômica, mas não há nenhuma garantia de que atingirão seu objetivo, segundo analistas ouvidos pela Folha.
A única coisa que conseguiram até o momento foi despertar a ira dos sindicatos e da sociedade, como a greve que parou a Espanha na última quinta-feira deixou claro. Grécia, Portugal e Itália também vêm enfrentando protestos frequentes.
Virginia Doellgast, do Departamento de Administração da London School of Economics, explica que não há exemplos concretos de que menos proteção aos trabalhadores gere crescimento econômico. "Os EUA, uma das economias mais flexíveis, certamente não têm se saído muito bem na resposta à crise, por exemplo", compara.
Um dos focos das reformas propostas é a facilitação dos processos de demissão.
Atualmente, na Itália, demissões em empresas com mais de 15 funcionários estão sujeitas a um demorado processo judicial que pode obrigar a reincorporação do trabalhador demitido e o pagamento de indenização.
Pela proposta do governo, não haverá mais possibilidade de reintegração se a demissão ocorrer por motivos econômicos.
Doellgast comenta que a União Europeia busca um novo conceito para as relações trabalhistas: a "flexigurança". "Esse é um modelo de proteção trabalhista e gastos sociais que começou em países escandinavos, onde há poucas regras contra demissões, mas há muito investimento em treinamento e um bom seguro-desemprego, o que dá tranquilidade aos empregados", explica.
Ela elogia o sistema de proteção ao empregado na Alemanha. Um dos princípios da lei alemã é que a demissão deve ser a última medida a ser adotada, depois de esgotadas todas as possibilidades.
Mas essa receita não é o que os credores públicos do continente reunidos na chamada "troica"-Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional- oferecem aos países atingidos pela crise.
Grécia e Portugal, países que receberam grandes empréstimos para evitar a quebra de suas economias, são obrigados a flexibilizar a legislação trabalhista. A Grécia inclusive se comprometeu a reduzir o salário mínimo (hoje de 751) em 22% e cortar 150 mil empregos públicos.
Poul Thomsen, diretor do programa da "troica" para o país, disse na semana passada em Londres que a Grécia ainda precisa reduzir em 15% os seus custos trabalhistas para ter chance de recuperação. Na Espanha, a greve foi em protesto às reformas que o governo de Mariano Rajoy implementará, também afinadas com a "flexigurança".
Marcus Orione, professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, critica a adoção dessas medidas.
"O Estado de bem-estar social europeu é o máximo que uma sociedade capitalista já produziu de desenvolvimento social. Diminuir direitos para que e para quem, já que aquilo que qualquer Estado possa pretender é exatamente a segurança social ainda existente na Europa, embora já reduzida?", indaga.



Rodrigo Russo – 01.04.2012






Uma reforma da legislação não é a 
resposta no atual momento




A crise da Espanha foi causada por uma bolha imobiliária, não por gastos públicos excessivos (o caso da Grécia). (...) Assim chegamos à pergunta que vem ao caso: o que uma reforma trabalhista tem a ver com isso?



“The Guardian”
Esqueça a Grécia. A crise da Espanha foi causada por uma bolha imobiliária, não por gastos públicos excessivos. É também essa a causa principal do alto índice de desemprego espanhol, já que quase um terço dos desempregados é feito de operários da construção demitidos quando a crise financeira paralisou as construções.
Por sua vez, a bolha imobiliária ameaça o sistema dos bancos, enquanto o desemprego reduz o consumo. A combinação disso faz com que seja difícil para a Espanha conseguir empréstimos internacionais.
Assim chegamos à pergunta que vem ao caso: o que uma reforma trabalhista tem a ver com isso? A resposta: não muita coisa, na verdade.
Como os salários na Espanha são espantosamente baixos e o desemprego está em chocantes 23%, os custos da mão de obra e a "rigidez" não devem ser o problema que precisamos resolver. Isso não quer dizer que as mudanças não terão efeitos. Terão, mas no sentido errado.
Há poucas dúvidas de que, no contexto de uma recessão, mais flexibilidade significa mais demissões, mais contratos de curto prazo e salários mais baixos. Isso terá o efeito imediato de elevar o lucro dos empregadores, mas acabará prejudicando-os mais adiante, na medida em que as famílias terão menos renda disponível.
Por que, então, o governo espanhol está focando nisso? Infelizmente, acho que ele quer que seja visto "fazendo alguma coisa" para combater a crise, e mexer com uma lei é muito mais fácil e visível que começar a mudar o modelo econômico.
É fácil entender por que os governos não sabem o que fazer; ninguém sabe. Mas precisamos parar de nos iludir.





Análise do “The Guardian”– 01.04.2012







As leis trabalhistas na Europa

Reino Unido
Salário mínimo - € 1202
Aposentadoria – 60 anos para mulhere nascidas antes de abril de 1950 e 65 para homens. Chegará a 65 anos para todos em 2020 e subirá aos poucos até 68 em 2046. Pensão mínima é de 90,70 libras por semana.

França
Salário mínimo - € 1398
Aposentadoria – 62 anos, direito a pensão integral aos 67 , mínimo de € 7013,87 por ano.

Alemanha
Salário mínimo - Não há, depende de acordos coletivos das categorias.
Aposentadoria – Aos 65 anos, com cinco ano sde contribuição. Limite será aumentado para 67 anos.

Espanha
Salário mínimo - € 641
Aposentadoria – Aumentará de 65 para 67 anos, com 37 anos de contribuição para pensão integral. Só com 38,5 anos contribunido será possível se aposentar aos 65. Pensão mínima é de €530.

Portugal
Salário mínimo -  € 485
Aposentadoria – Aos 65 anos, com 15 anos de contribuição. São 14 pagamentos (bônus em julho e dezembro), com pensão mínima de €181,91.

Itália
Salário mínimo – Não há piso nacional, acordos coletivos definem.
Aposentadoria – 65 anos para homens, 60 para mulheres.

FONTE: OCDE, EUROSTAT, UNIÃO EUROPÉIA