ESTRATÉGIA DO BANCO ENVOLVE O ESTÍMULO A SETORES PRIORITÁRIOS, À INOVAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS E À FORMAÇÃO DE GRANDES CONGLOMERADOS NACIONAIS COMPETITIVOS NO MERCADO INTERNACIONAL.
Karen Fernandez Costa
O debate sobre o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) traz questões importantes e que merecem uma discussão franca e
aberta, pois tangenciam o tema crucial do desenvolvimento brasileiro. Há os que
simplesmente negam a necessidade de bancos de desenvolvimento e os que defendem
uma instituição deste tipo, mas questionam as políticas atualmente empreendidas
pelo BNDES. De modo geral, afirma-se que a instituição premia empresas que
supostamente conseguiriam crédito no mercado e realizariam seus investimentos,
ainda que não obtivessem o auxílio da instituição. Considera-se também que o
financiamento à infraestrutura deveria ocorrer apenas no caso de projetos com
baixo interesse do setor privado. Define-se como papel dos bancos de desenvolvimento
financiar bons projetos, que não tenham acesso a crédito, e ajudar o mercado
nos momentos de crise.
O papel decisivo desempenhado pelo BNDES (e, de modo geral, pelos bancos
públicos) na redução do impacto da crise no Brasil, em 2008, foi amplamente
reconhecido pelo governo, por analistas e pelos formadores de opinião.
Já a política de financiamento das grandes empresas é motivo de ampla
controvérsia. Para tratar desse tema é importante ter como parâmetro as
estratégias de desenvolvimento delineadas por outros países em desenvolvimento.
O exaltado e bem sucedido modelo de desenvolvimento sul-coreano, por exemplo,
não prescindiu do estímulo e do financiamento das grandes empresas (os
chaebols) por parte do Estado. Essas corporações, hoje marcas mundialmente
conhecidas, se tornaram grandes competidoras no mercado internacional.
Portanto, conceder financiamento a grandes empresas pode ser vantajoso,
especialmente quando isso se coaduna com uma estratégia de desenvolvimento que
contempla a definição de setores prioritários, o incentivo à P&D e o
estímulo à formação de empresas mundialmente competitivas. Alice Amsden,
referência nas discussões sobre estratégias de desenvolvimento, descreve em
"A ascensão do resto", de forma elogiosa, a estratégia empreendida,
na década de 1990, por Coreia do Sul, Índia e China de primar pelo aumento da
competitividade de líderes nacionais no mercado global. Com algum atraso, o
Brasil parece querer se inspirar nesse caminho. Ao observar a trajetória
recente do BNDES, não resta dúvida de que a estratégia de desenvolvimento por
ele perseguida envolve o estímulo a setores prioritários, à inovação das
empresas brasileiras e à formação de grandes conglomerados nacionais
competitivos no mercado internacional.
Há controvérsias em torno do incentivo às pequenas e médias empresas.
Questiona-se, por exemplo, se o investimento em um projeto como a abertura de
uma loja se justificaria, já que seu impacto social é reduzido. Não existe
razão para conceber o financiamento a esses dois tipos de projetos de maneira
excludente, isto é, ou um ou outro. Até porque ao incentivar empreendimentos em
que não há um impacto social evidente ou, num primeiro momento, potencial
inovador, o BNDES cumpre outro papel, qual seja, o de possibilitar o acesso ao
crédito mais barato (o que, no Brasil, é uma tarefa muito relevante) e a
sobrevivência do pequeno empresário, cujos empreendimentos são importantes
geradores de emprego. Portanto, o apoio a pequenas empresas que geram empregos
e que teriam dificuldades de sobreviver sem esse apoio também gera um impacto
social significativo. Além disso, qualquer empresa pode se tornar inovadora,
até mesmo uma loja em qualquer lugar que seja. No outro caso, o papel da
instituição é garantir que práticas inovadoras e de evidente impacto social
tenham crédito e isto a instituição tem feito, inclusive com o comprometimento
de recursos não-reembolsáveis.
No que diz respeito ao financiamento à infraestrutura, não há dúvida de
que o investimento por parte do setor privado seria o ideal, até porque
permitiria que os recursos aplicados nesse setor pelo banco fossem direcionados
a outras prioridades. Há, no entanto, dificuldades históricas de viabilizar o
investimento do setor privado em projetos de longo prazo como os que caracterizam
essa área. E isso não apenas no Brasil, mas em países como os Estados Unidos em
que a intervenção do Estado não é tão agraciada e conta com profundas
resistências. Em documento publicado pela Casa Branca em fevereiro de 2011 (A
Strategy for American Innovation), o investimento em infraestrutura por parte
do governo é apresentado como essencial e prioritário e se sugere a criação de
um banco nacional para o financiamento de infraestrutura (National
Infrastructure Bank), cujo objetivo seria maximizar o retorno das aplicações do
governo nesse setor.
Por fim, o papel de um banco de desenvolvimento não é apenas atuar para
corrigir falhas de mercado e/ou financiar projetos de impacto social.
Desenvolver a capacidade nacional de inovação tecnológica, por exemplo, pode
não matar a fome no curto prazo, mas certamente capacita o país a dar um salto
de qualidade em sua estrutura econômica que, sem dúvidas, resultará em grandes
impactos sociais. Evidentes impactos sociais não são apenas de empresas que
produzem comida ou remédios. As funções de formular estratégias, promover a
competitividade e estimular a inovação nas empresas, financiar investimentos em
infraestrutura e priorizar setores estratégicos são inerentes à tarefa de
instituições como o BNDES.
No entanto, defender um banco de desenvolvimento atuante e capaz de
colaborar decisivamente com a estratégia de desenvolvimento definida pelo
governo, bem como com as políticas industrial e de inovação por ele traçadas
não significa fechar os olhos para o risco de práticas particularistas em que
os interesses do desenvolvimento saem por completo de cena.
Karen Fernandez Costa – Doutora
em Ciência Política pela Unicamp, pesquisadora e pós-doutoranda do INCT-Ineu
(Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para o Estudo sobre os Estados
Unidos) – 07.05.2012
IN “Valor
Econômico” – http://www.valor.com.br/opiniao/2646922/precisamos-do-bndes-para-o-desenvolvimento