O governo quer alterar as regras da
aposentadoria do funcionalismo.
A distância entre esses dois mundos - o
dos servidores federais e o do INSS - é de fato enorme quando se olha para os
principais números da Previdência. Do lado público, 958 mil servidores
aposentados receberão neste ano 53 bilhões de reais. No INSS, 24 milhões de
cidadãos receberão 43 bilhões de reais, e praticamente 70% dos aposentados
recebem até um salário mínimo ao mês.
Luiz Antonio Cintra
Discussão em torno das regras que regulam a aposentadoria dos servidores
públicos federais entrou na pauta do Congresso Nacional, após quatro anos
hibernando diante da resistência dos sindicatos e lideranças partidárias
ligadas ao funcionalismo. Agora virou prioridade para o governo Dilma Rousseff,
que concedeu ao PL 1.992/07 a tramitação em regime de urgência.
A expectativa do governo é aprovar a medida com rapidez para que o projeto
siga ao Senado após o recesso e entre em vigor ainda no primeiro trimestre de
2012. Com isso, os servidores contratados por concurso a partir de 2012 entrariam
sob as novas regras, alterando a trajetória do déficit da previdência no médio
prazo, que tem crescido ano a ano. Em 2011, a expectativa é que chegue a 57
bilhões de reais, ante 51 bilhões de 2010.
Por causa do regime de urgência, os deputados federais terão 45 dias
para apreciar o esboço de lei ordinária, que desde a segunda-feira 21 tranca a
pauta de votações da Câmara. Com a medida, o governo pretende igualar o teto
da aposentadoria dos futuros servidores ao dos aposentados da iniciativa
privada que recebem pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), hoje
em 3.691,41 reais. Os servidores teriam ainda a opção de aderir a um fundo de
previdência complementar, o Fundo de Previdência Complementar do Servidor
Público Federal (Funpresp), previsto no projeto. A regulação prevê uma
contribuição dividida em partes iguais, até o máximo de 7,5% para a União.
Caberá aos gestores do Funpresp aplicar os recursos no mercado financeiro,
como fazem os fundos de pensão, de modo a garantir os recursos necessários para
bancar as aposentadorias futuras. O governo diz que com o acréscimo dos rendimentos
do fundo a aposentadoria dos servidores equivalerá ao provento sob as regras
atuais, que usa a média salarial dos últimos anos da ativa. Para a União,
representaria uma economia, já que hoje ela contribui com 22% do salário e os
servidores com 11%.
Segundo especialistas, a pressa do governo seria uma estratégia para evitar
que os sindicatos dos servidores historicamente próximos do PT, mas também do
PDT, PSB e PCdoB, todos da base governista - impeçam a apreciação da medida,
ainda que os efeitos se restrinjam aos funcionários contratados a partir da
data da promulgação da lei.
Os defensores da medida, por sua vez, argumentam que o PL trata de
seguir o espírito da Emenda Constitucional 41, aprovada no primeiro mandato do
governo Lula, que pretendia aproximar os regimes de previdência do setor
público e aquele dos trabalhadores da iniciativa privada, que recebem pelo
INSS.
A distância entre esses dois mundos - o dos servidores federais e o do
INSS - é de fato enorme quando se olha para os principais números da Previdência.
Do lado público, 958 mil servidores aposentados receberão neste ano 53 bilhões
de reais. No INSS, 24 milhões de cidadãos receberão 43 bilhões de reais, e
praticamente 70% dos aposentados recebem até um salário mínimo ao mês, Índice
que sobe a mais de 90% no caso das aposentadorias rurais.
"Esses números foram a fonte que inspirou a buscar a convergência
das regras. Não é justo que haja essa discrepância de regras e regimes",
diz Helmut Schwarzer, ex-secretário do Ministério da Previdência Social, hoje
pesquisador sênior em seguridade social da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), baseado em Genebra. Em 2007, Sehwarzer participou do grupo
interministerial que elaborou o PL 1.992/07, com representantes dos ministérios
da Previdência Social, Fazenda e Planejamento. "Foi esse o sentido da
Emenda Constitucional 41, que entrou em vigor em 2004, com a qual a União
passou a economizar até 0,5% do PIE ao ano, recursos que abriram espaço no
Orçamento inclusive para ampliar politicas de proteção social como o Bolsa
Família", diz Schwarzero Àquela altura, o governo preferiu deixar de
lado a discussão em torno do sistema de previdência dos militares, que seguirá
com regras diferenciadas e não será afetado pelo projeto.
Na ocasião, ficou evidente que o Funpresp teria condições de ganhar
relevância financeira com o passar do tempo. Segundo Schwarzer, a estimativa
é que o fundo chegue a ocupar a quinta posição em volume de recursos em um
prazo de 20 anos. Hoje equivaleria à posição ocupada pelo fundo de funcionários
da Vale, o Valia, cujo patrimônio é de cerca de 14 bilhões de reais. Ainda que
distante do primeiro colocado, o Previ, cujos ativos somam mais de 150 bilhões
de reais, trata-se de um volume de recursos considerável.
Especialistas em contas públicas também veem com bons olhos o projeto
de lei. "Hoje os aposentados do setor público recebem basicamente salário
integral quando se aposentam, com pensões muito favorecidas. E com o aumento
da expectativa de vida o setor público acaba pagando essas aposentadorias
durante muitos anos", diz o economista Raul Veloso. "Essa situação
aumenta muito os gastos da União e está fora de sintonia com o que se passa no
INSS ou nas estatais. O PL cria uma trajetória de gasto muito diferente, ainda
que no curto prazo represente algum custo extra para a União."
A análise do consultor Amir Khair segue na mesma direção. "O
governo deveria jogar com muita força. Seria uma vitória importante, pois o
déficit do setor público é crescente", afirma o especialista, para quem
o regime geral, do INSS, seria sustentável, desde que se reduzam a
inadimplência, as licenças médicas 'e alguns "exageros" nas pensões.
"Essa discussão se arrasta desde o início do governo Lula, mas parece que
a sociedade acordou", explica Khair, que foi secretário de Finanças da
Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina.
Os sindicatos de servidores públicos e alguns parlamentares
apresentaram sua argumentação contrária ao PL. "Essa proposta não é boa
nem para o Brasil nem para os servidores", diz o deputado Roberto
Policarpo (PT-DF), cuja trajetória política começou em um sindicato ligado aos
servidores do Judiciário do Distrito Federal.
"O problema do déficit está nos servidores do Executivo, que desde os
anos 90 passou por um desmonte. Com as terceirizações e demissões, a relação
de servidores da ativa e aposentados passou a ser de um para um, quando o desejável
seria de três da ativa para cada aposentado. No Judiciário, onde cssa relação
é de quatro para um, o problema não existe. Defendo o tratamento igual (entre
servidores e aposentados do INSS), mas desde que seja para melhorar, não para
piorar", diz o deputado, que sugere a retirada do regime de urgência para
mais discussões.
Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal, Pedro Delarue também afirma que o projeto não deve ser aprovado.
"O funcionalismo público é uma carreira diferente da do setor privado,
com limitações e compromissos. osso regime é de dedicação exclusiva para o
Estado, não podemos fazer 'bicos' ou ter dois empregos. Para conseguir um
aumento, é preciso que se crie uma lei, não basta pedir aumento ao chefe. Se
cometer algum crime, a pena é maior quando se trata de um funcionário público.
E a nossa contribuição (de 11%) incide sobre o salário da ativa, não sobre o
teto da aposentadoria, como no INSS", diz o sindicalista.
Para Delarue, a sociedade será a maior prejudicada no médio prazo, caso
o PL vire lei. "Se não houver atrativos, não há como fisgar as melhores
cabeças para atuar no Estado. Um ministro do STF, por exemplo, que ganha no
topo da carreira perto de 26 mil reais, contribui com 2,8 mil reais ao mês. O
problema do INSS é que o patrimônio do FGTS foi dilapidado ao longo do tempo,
por isso existe esse déficit."
Assim como o Sindifisco Nacional, outros sindicatos de servidores sinalizaram
a intenção de recorrer à Justiça caso a mudança seja aprovada.
Entre os pontos mais criticados está a obrigatoriedade de terceirizar para a
iniciativa privada a gestão do Funpresp.
"A expectativa é que eja aprovado nas próximas semanas", diz o
deputado Ricardo Berzoini (PT- P). "Consideramos legítimas as críticas
dos sindicatos, mas a bancada petista de modo geral aceitou o conceito. Como
precisaremos perto de 250 votos para aprovar, acho que não teremos problemas.
A urgência justifica-se porque o governo tem a necessidade de contratar
bastante no ano que vem."
Também da base, o deputado Silvio Costa (PTB-PE) defende a aprovação com
veemência, inclusive por considerar um "escândalo" o modelo vigente.
"Aprovar esse projeto é uma questão de responsabilidade pública. Ou resolvemos
esse problema ou vai faltar dinheiro para pagar os aposentados."
Nas negociações recentes, contudo, o projeto original começou a sofrer
alterações. De um lado, a necessidade de terceirizar a gestão "subiu no
telhado". Além disso, também está em discussão fatiar o Funpresp em três
fundos, um para cada Poder.
Schwarzer, da OIT, critica as duas alterações em negociação e recorda
os princípios que nortearam a discussão técnica. "A terceirização da gestão
afastaria o risco de a administração dos recursos sofrer pressão política.
Assim como é equivocado criar três institutos. Seria como repetir o erro
histórico do passado, aliá, de toda a América Latina, que fragmentou o sistema
previdenciário, abrindo espaço para os tratamentos diferenciados."
Luiz Antonio Cintra – Editor de economia da Carta Capital – 27.11.2011
IN “Carta Capital” – http://www.cartacapital.com.br/author/luiz-antonio-cintra/