sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Aluno não é cliente


O crescimento do número de instituições particulares não democratiza o acesso à informação, apenas diminui o nível médio dos formandos.

John Holmwood
Em junho deste ano, o governo britânico anunciou uma série de mudanças no sistema de ensino do Reino Unido. Elas acabam com todo tipo de financiamento público para cursos universitários, com exceção de algumas poucas áreas consideradas prioritárias das ciências e da medicina. Todas as outras faculdades serão bancadas por fundos de empresas e pelos alunos. 
Isso significa o fim do ensino público no país. E serve de alerta para todas as nações que estão investindo pesado na educação universitária privada, como o Brasil. Este novo modelo, que vem sendo adotado em larga escala no mundo desenvolvido, é um retrocesso e vai reduzir a qualidade da formação profissional das próximas gerações. O processo começou em 1997, quando surgiram as primeiras taxas para estudantes de universidades públicas e privadas. Com a nova proposta, os preços do financiamento estudantil vão subir muito — chegam a 9 mil euros por ano. Agora, também estão escancaradas as portas para o financiamento vindo de grandes corporações do ramo educacional, como a americana Apollo Group. A proposta é tratar os estudantes como clientes e estimular a eficiência financeira da educação, o que significa cortar custos sempre que necessário. 
Existe um motivo para o ensino ser caro. Da construção de laboratórios de ponta à formação de bons professores, é preciso de tempo e dinheiro para criar centros verdadeiramente capacitados. Não é por acaso que as melhores universidades são centenárias. Este investimento não é desperdiçado: os alunos de universidades públicas são mais bem-sucedidos na vida profissional do que os de faculdades privadas porque não aprendem apenas técnicas de trabalho. Eles são instruídos a pensar por conta própria, questionar as motivações de seus chefes, colegas e concorrentes e enxergar o mercado de ângulos inusitados. 
Ensino de qualidade não combina com a lógica de mercado apressada e o processo educativo não pode ser resumido em planilhas. Mas o novo modelo britânico tem um outro problema, além de colocar em risco séculos de tradição. Ele reforça um círculo vicioso: em geral, a elite recebe a melhor instrução a fim de continuar na elite. É o que acontece na sociedade inglesa hoje, mas no Brasil trata-se de uma verdadeira ferramenta para escavar o fosso social do país.

Na Inglaterra, 80% dos presidentes de empresas e 85% dos políticos vieram de faculdades públicas. São eles que conduzem o país, na verdade, e foram devidamente formados para isso. Em vez de procurar formas de terceirizar o ensino, deveriam estar preocupados em resolver um problema mais sério: fornecer vagas em universidades públicas para todos os jovens que quiserem estudar. Esta é uma obrigação de qualquer governo, tão importante quanto o acesso constitucional a alimentos, saúde e moradia. Sem educação pública de qualidade, estes outros direitos básicos correm perigo. 



John Holmwood - Sociólogo da Universidade de Nottingham e um dos líderes da Campanha pela Universidade Pública na Inglaterra – Novembro 2011