Nossos jornalões engoliram a lorota, transigiram no
rigor democrático sem perceber que se precisarem denunciar Hugo Chávez num
próximo surto autoritário não poderão mostrar-se tão intransigentes em defesa
da liberdade de expressão.
Alberto Dines
Foi pronta a reação da
grande imprensa brasileira ao impeachment do presidente paraguaio Fernando
Lugo.
Pronta
e pífia: no dia seguinte, sábado (23/6), já apareciam aqueles editoriais
chochos, resignados e malandros, considerando legal a destituição votada pelo
Congresso do país vizinho [ver no link editoriais da Folha, do Estado e do
Globo].
Este
“legalismo” desconsidera o espírito das leis, comprometido apenas com as
formalidades e o faz de conta. Não leva em conta que o Estado de Direito exige
também o pleno cumprimento dos ritos e o respeito à liturgia.
O
Congresso paraguaio fez um justiçamento sumário, estilo banana republic,
e a imprensa do poderoso vizinho se comportou com os paradigmas de uma
republiqueta. O Legislativo fingiu que oferecia ao chefe do Executivo o direito
de defesa e iniciava o devido processo, mas na realidade maquiava a
arbitrariedade com apressados artifícios.
Princípios
democráticos
Nossos
jornalões engoliram a lorota, transigiram no rigor democrático sem perceber que
se precisarem denunciar Hugo Chávez num próximo surto autoritário não poderão
mostrar-se tão intransigentes em defesa da liberdade de expressão.
Lugo
era incompetente como administrador e canhestro como estrategista, mas isso não
dá aos seus adversários o direito de derrubá-lo. O seu esquerdismo era tão
consistente quanto a sua religiosidade. Mas foi eleito e empossado. Nas
próximas eleições seria escorraçado.
Nossa
grande imprensa está precisando renovar a sua fé nos princípios democráticos e
com eles reexercitar seus instintos. Só assim poderá fazer as escolhas corretas
em situações de emergência.
Alberto Dines –
Jornalista e professor – 26.06.2012
IN “Observatório de
Imprensa”, Ed. 700 – http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/imprensa_de_republiqueta
Imprensa brasileira e os problemas da vizinhança
Os principais jornais brasileiros não querem a
Venezuela no Mercosul. Esses mesmos jornais nunca aceitaram bem a ideia de um
mercado comum regional no sul do continente americano. Preferiram sempre o
alinhamento automático com a porção mais ao norte.
Luciano Martins Costa
Os
principais jornais brasileiros não querem a Venezuela no Mercosul. Esses mesmos
jornais nunca aceitaram bem a ideia de um mercado comum regional no sul do
continente americano. Preferiram sempre o alinhamento automático com a porção
mais ao norte.
Para a
imprensa brasileira, a Venezuela passou a ser a morada do demônio desde que o
presidente Hugo Chávez Frías reagiu a uma tentativa de golpe de Estado, em
2002, e decidiu permanecer no poder enquanto encontrasse fundamentos legais
para isso. Apelando para plebiscitos e referendos, ele tenta se reeleger pela
terceira vez consecutiva no próximo mês de outubro, ao mesmo tempo em que luta
para sobreviver a um câncer.
Na
terça-feira (3/7), a imprensa brasileira registra que o ingresso da Venezuela
no Mercosul foi uma iniciativa do governo brasileiro, segundo o ministro das
Relações Exteriores do Uruguai.
Estopim
conveniente
A
revelação de que a aceitação da Venezuela como membro pleno do bloco regional
vinha provocando tensões entre o governo uruguaio e parlamentares da oposição
indica que a declaração do ministro das Relações Exteriores em Montevidéu tinha
como plateia preferencial a política interna uruguaia, mas sua tentativa de se
justificar diante da oposição local acabou ganhando destaque na imprensa brasileira.
Como o
Brasil tem uma posição quase hegemônica na política e na economia da região,
fecha-se o círculo de uma crise que a imprensa gostosamente alimenta.
O
estilo boquirroto de Hugo Chávez e sua permanente disposição para fazer
provocações ao governo dos Estados Unidos, por meio de acordos mais ou menos
inócuos com o Irã, declarações grandiloquentes contra o capitalismo e
intervenções canhestras na política internacional, provocam incômodos até mesmo
em seus parceiros mais moderados.
Para o
Brasil, o ingresso da Venezuela no bloco pode ser interessante do ponto de
vista econômico e até mesmo geopolítico, pois, integrado e cada vez mais
dependente de relações regionais, o país de Chávez tenderia a se tornar mais
disciplinado, a despeito dos discursos radicais de seu líder.
Tudo
isso se depreende de notícias e artigos coletados na imprensa brasileira, mas
essa observação depende do garimpo diário nas páginas dos jornais. Para o
leitor menos atento, ficam as impressões das manchetes.
Por
outro lado, observe-se o comportamento da mesma imprensa brasileira diante da
crise provocada no Paraguai pela destituição do presidente Fernando Lugo em
processo sumário de impeachment.
Inicialmente,
os jornais brasileiros, brandindo a bandeira do legalismo, deram a entender que
questionavam a decisão do Congresso paraguaio – ainda que tenham alimentado
publicamente ampla antipatia pelo ex-bispo Lugo. Mas as manifestações de
preocupação com a possibilidade da volta dos golpes de Estado às práticas
políticas da região logo deram lugar a editoriais chochos e complacentes,
sinalizando que, se dependesse da imprensa brasileira, o golpe parlamentar
estaria absorvido, como destacou Alberto Dines neste Observatório.
Agora,
a manifestação do chanceler uruguaio é usada como estopim pela imprensa para
acender nova crise, revertendo a direção do vento e mudando o rumo dos debates
em torno do golpe branco que derrubou Lugo.
O
articulador do golpe
Ao
colocar em cena a Venezuela de Hugo Chávez, a imprensa aumenta os decibéis das
discussões, deliberadamente, para abafar as sutilezas que precisam ser levadas
em conta na análise da situação política regional.
Como
não pode atacar as decisões econômicas que colocam o Brasil e, quase por
consequência, toda a região em situação mais ou menos tranquila diante da crise
mundial, trata-se de fazer ferver a panela das discussões ideológicas, onde há
muito material para controvérsias – simplesmente porque nesse caso não há
notícias, mas declarações, que podem ser selecionadas a critério dos editores.
Mas
sempre se pode achar em meio ao opiniário alguma informação mais esclarecedora.
Observe o leitor, por exemplo, a reportagem colocada no pé da página da Folha
de S.Paulo que noticia a declaração do chanceler uruguaio sobre o
ingresso da Venezuela no Mercosul. Trata-se de uma entrevista do empresário
paraguaio Horácio Cartes, acusado de haver articulado a derrubada de Fernando
Lugo e apontado como pré-candidato a presidente do Paraguai.
A Folha anota
que Cartes já foi vinculado ao narcotráfico em um daqueles telegramas do
Departamento de Estado americano vazados pelo Wikileaks.
Esse é
o detalhe que deveria recolocar a questão paraguaia no noticiário, mas o leitor
dificilmente vai ter essa oportunidade.
Luciano Martins Costa – 03/07/2012
Comentário
para o programa radiofônico do OI, 3/7/2012
IN “Observatório de
imprensa”, Ed. 701 – http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/imprensa_brasileira_e_os_problemas_da_vizinhanca
Apologia ao golpe de Estado paraguaio
de acordo com a cláusula democrática do Mercosul,
prevista no Protocolo de Ushuaia, “a plena vigência das instituições
democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de
integração entre os Estados partes do Protocolo”. Portanto, a suspensão do
Paraguai está de acordo com parâmetros do bloco econômico sul-americano.
Francisco Fernandes
Ladeira
Um dos
acontecimentos internacionais mais comentados nos últimos dias foi a
destituição, sob a alegação de “mau desempenho das suas funções”, do presidente
do Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo.
Logo
após a queda de Lugo, a maioria dos governantes sul-americanos prontamente
apontou que, na realidade, houve um “golpe de Estado” em Assunção. “O governo
do Equador não reconhecerá outro presidente do Paraguai que não seja o senhor
Fernando Lugo”, assegurou Rafael Correa. “Houve uma ruptura da ordem
democrática na República do Paraguai. Em minha opinião, parece uma paródia de
julgamento o que aconteceu contra Lugo porque não há no mundo um julgamento
político sem a possibilidade de defesa”, disse Cristina Kirchner. Evo Morales
afirmou que Lugo foi vítima de um “golpe congressual”. Opinião análoga foi
compartilhada por José Mujica, que classificou a destituição do ex-bispo de
“golpe de Estado parlamentar”. Por sua vez, Hugo Chávez chamou o novo
presidente paraguaio, Frederico Franco, de “usurpador”.
De
acordo com o editorial de um partido político da esquerda brasileira “Lugo, um
ex-bispo católico ligado ao movimento camponês, foi deposto para que os
interesses de multinacionais imperialistas, ávidas pelos lucros da exportação
de commodities,
continuassem a prevalecer no nosso vizinho Paraguai”. Segundo informações
divulgadas pelo WikiLeaks, um “despacho sigiloso da embaixada dos EUA em
Assunção, dirigido ao Departamento de Estado, em Washington, já informava, em
28 de março de 2009, a intenção da direita paraguaia de organizar um ‘golpe
democrático’ no Congresso para destituir Lugo”.
Escalada na violência no campo
Por
outro lado, a mídia hegemônica brasileira mostrou-se favorável ao “golpe de
Estado” na nação vizinha. Como bem observou Alberto Dines, em artigo publicado
no Observatório
da Imprensa, a “reação da grande imprensa brasileira ao impeachment do
presidente paraguaio Fernando Lugo foi pronta e pífia: no dia seguinte, sábado
(23/6), já apareciam aqueles editoriais chochos, resignados e malandros,
considerando legal a destituição votada pelo Congresso do país vizinho”. Para
Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, “a lei foi cumprida. A democracia continua em
pleno funcionamento. Os poderes instituídos e o povo do Paraguai reconhecem o
novo presidente”. Em um noticiário da Rede Globo, Arnaldo Jabor teceu o
seguinte comentário: “Na América Latina, existe [...] autoritarismo disfarçado
de democracia. Assim vive a Venezuela do Chávez, a Bolívia cocaleira do
Morales, a Argentina de Cristina Botóx e o Paraguai [...]. O Paraguai, é uma
caricatura desse esquerdismo direitista latino. [...] O bispo sem batina foi
‘impichado’ pelo Congresso, como está previsto pela Constituição do Paraguai.
Agora, a polêmica: foi golpe ou impeachment legal? Os tiranetes latinos já
gritam ‘golpe’. Mas golpe de quem? Da esquerda ou da direita?”
Já a
cobertura realizada pela Rede Bandeirantes merece ser destacada. A princípio, a
emissora da família Saad apresentou uma postura moderada. “Embora formalmente
correto, dentro da Constituição, oimpeachment de Lugo, no mínimo deixa
dúvida sobre sua legitimidade política. Na verdade, o presidente foi deposto
por seus adversários. Esquerdista, o ex-bispo acabou trombando com as velhas e
persistentes aristocracias paraguaias”, asseverou Boris Casoy no dia da
deposição de Fernando Lugo.
Todavia,
no decorrer dos dias, os telejornais da Bandeirantes não se intimidaram em
demonstrar o seu apoio à retirada de Lugo do poder. Na quarta-feira (27/06), o Jornal da Band destacava
que a queda do presidente paraguaio teve repercussão altamente favorável entre
os “brasiguaios” (termo utilizado para designar os brasileiros – e seus
descendentes – que migraram para o Paraguai em busca de terras baratas). Ainda
segundo o noticiário noturno, Fernando Lugo, primeiro presidente de esquerda na
recente história paraguaia, era apontado por brasiguaios e grandes
latifundiários como um aliado dos trabalhadores rurais sem-terra. Para os
fazendeiros brasiguaios, enquanto permaneceu no cargo Lugo estimulou ocupações,
o que teria provocado uma escalada na violência no campo.
Atrocidades escamoteadas
Em seu
comentário no Jornal
da Noite de quinta-feira (28/6), Joelmir Betting demonstrou
todo o conservadorismo da emissora paulista: “O Paraguai não ‘rasgou’ a
Constituição na troca de presidente pelo Congresso. Quem tem ‘rasgado’ a
Constituição é a Venezuela. Pois agora o Mercosul recepciona festivamente a
Venezuela e afasta o Paraguai feito ‘cachorro morto’. [...] O bloco não é uma
representação diplomática e muito menos ideológica. É uma associação comercial,
uma integração econômica cujo o tratado vem sendo sistematicamente rasgado pela
Argentina [...], sem punição no bloco; ou seja, três pesos e três medidas.
Ainda vão acabar colocando a culpa nos trezentos e cinquenta mil brasiguaios
abandonados pelos dois governos, mas não a partir de agora pelo novo presidente
paraguaio.”
Ora,
pelo que consta, Chávez (como todos os governantes progressistas da América do
Sul) chegou ao poder pela via democrática e está sustentado por uma
Constituição recém-construída e aprovada pela ampla maioria dos venezuelanos.
Em contrapartida, na “democracia paraguaia” houve um controverso processo de impeachment (sem
possibilidade de defesa para o acusado e sem debate público) que derrubou
ilegitimamente um presidente democraticamente eleito. Não obstante, de acordo
com a cláusula democrática do Mercosul, prevista no Protocolo de Ushuaia, “a
plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o
desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados partes do
Protocolo”. Portanto, a suspensão do Paraguai está de acordo com parâmetros do
bloco econômico sul-americano.
Diante
dessa realidade, cabe aqui uma questão capciosa: por que, para a mídia
brasileira, governos eleitos pelo voto popular, mas contrários aos interesses
estadunidenses, são considerados antidemocráticos; e, por outro lado, as atrocidades
de regimes aliados à Washington (Arábia Saudita, Bahrein e Colômbia, por
exemplo) são escamoteadas? Não é por acaso que o acrônimo PIG – partido da
imprensa golpista – tem sido cada vez mais utilizado em nosso país.
Francisco
Fernandes Ladeira - Professor de História e Geografia em
Barbacena, MG – 03.07.2012
IN “Observatório de
imprensa”, Ed. 701 – http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed701_apologia_ao_golpe_de_estado_paraguaio