quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Imprensa de republiqueta


Nossos jornalões engoliram a lorota, transigiram no rigor democrático sem perceber que se precisarem denunciar Hugo Chávez num próximo surto autoritário não poderão mostrar-se tão intransigentes em defesa da liberdade de expressão.

Alberto Dines
Foi pronta a reação da grande imprensa brasileira ao impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo.
Pronta e pífia: no dia seguinte, sábado (23/6), já apareciam aqueles editoriais chochos, resignados e malandros, considerando legal a destituição votada pelo Congresso do país vizinho [ver no link editoriais da Folha, do Estado e do Globo].
Este “legalismo” desconsidera o espírito das leis, comprometido apenas com as formalidades e o faz de conta. Não leva em conta que o Estado de Direito exige também o pleno cumprimento dos ritos e o respeito à liturgia.
O Congresso paraguaio fez um justiçamento sumário, estilo banana republic, e a imprensa do poderoso vizinho se comportou com os paradigmas de uma republiqueta. O Legislativo fingiu que oferecia ao chefe do Executivo o direito de defesa e iniciava o devido processo, mas na realidade maquiava a arbitrariedade com apressados artifícios.

Princípios democráticos
Nossos jornalões engoliram a lorota, transigiram no rigor democrático sem perceber que se precisarem denunciar Hugo Chávez num próximo surto autoritário não poderão mostrar-se tão intransigentes em defesa da liberdade de expressão.
Lugo era incompetente como administrador e canhestro como estrategista, mas isso não dá aos seus adversários o direito de derrubá-lo. O seu esquerdismo era tão consistente quanto a sua religiosidade. Mas foi eleito e empossado. Nas próximas eleições seria escorraçado.
Nossa grande imprensa está precisando renovar a sua fé nos princípios democráticos e com eles reexercitar seus instintos. Só assim poderá fazer as escolhas corretas em situações de emergência. 

Alberto Dines – Jornalista e professor – 26.06.2012




Imprensa brasileira e os problemas da vizinhança

Os principais jornais brasileiros não querem a Venezuela no Mercosul. Esses mesmos jornais nunca aceitaram bem a ideia de um mercado comum regional no sul do continente americano. Preferiram sempre o alinhamento automático com a porção mais ao norte.

Luciano Martins Costa
Os principais jornais brasileiros não querem a Venezuela no Mercosul. Esses mesmos jornais nunca aceitaram bem a ideia de um mercado comum regional no sul do continente americano. Preferiram sempre o alinhamento automático com a porção mais ao norte.
Para a imprensa brasileira, a Venezuela passou a ser a morada do demônio desde que o presidente Hugo Chávez Frías reagiu a uma tentativa de golpe de Estado, em 2002, e decidiu permanecer no poder enquanto encontrasse fundamentos legais para isso. Apelando para plebiscitos e referendos, ele tenta se reeleger pela terceira vez consecutiva no próximo mês de outubro, ao mesmo tempo em que luta para sobreviver a um câncer.
Na terça-feira (3/7), a imprensa brasileira registra que o ingresso da Venezuela no Mercosul foi uma iniciativa do governo brasileiro, segundo o ministro das Relações Exteriores do Uruguai.

Estopim conveniente
A revelação de que a aceitação da Venezuela como membro pleno do bloco regional vinha provocando tensões entre o governo uruguaio e parlamentares da oposição indica que a declaração do ministro das Relações Exteriores em Montevidéu tinha como plateia preferencial a política interna uruguaia, mas sua tentativa de se justificar diante da oposição local acabou ganhando destaque na imprensa brasileira.
Como o Brasil tem uma posição quase hegemônica na política e na economia da região, fecha-se o círculo de uma crise que a imprensa gostosamente alimenta.
O estilo boquirroto de Hugo Chávez e sua permanente disposição para fazer provocações ao governo dos Estados Unidos, por meio de acordos mais ou menos inócuos com o Irã, declarações grandiloquentes contra o capitalismo e intervenções canhestras na política internacional, provocam incômodos até mesmo em seus parceiros mais moderados.
Para o Brasil, o ingresso da Venezuela no bloco pode ser interessante do ponto de vista econômico e até mesmo geopolítico, pois, integrado e cada vez mais dependente de relações regionais, o país de Chávez tenderia a se tornar mais disciplinado, a despeito dos discursos radicais de seu líder.
Tudo isso se depreende de notícias e artigos coletados na imprensa brasileira, mas essa observação depende do garimpo diário nas páginas dos jornais. Para o leitor menos atento, ficam as impressões das manchetes.
Por outro lado, observe-se o comportamento da mesma imprensa brasileira diante da crise provocada no Paraguai pela destituição do presidente Fernando Lugo em processo sumário de impeachment.
Inicialmente, os jornais brasileiros, brandindo a bandeira do legalismo, deram a entender que questionavam a decisão do Congresso paraguaio – ainda que tenham alimentado publicamente ampla antipatia pelo ex-bispo Lugo. Mas as manifestações de preocupação com a possibilidade da volta dos golpes de Estado às práticas políticas da região logo deram lugar a editoriais chochos e complacentes, sinalizando que, se dependesse da imprensa brasileira, o golpe parlamentar estaria absorvido, como destacou Alberto Dines neste Observatório.
Agora, a manifestação do chanceler uruguaio é usada como estopim pela imprensa para acender nova crise, revertendo a direção do vento e mudando o rumo dos debates em torno do golpe branco que derrubou Lugo.

O articulador do golpe
Ao colocar em cena a Venezuela de Hugo Chávez, a imprensa aumenta os decibéis das discussões, deliberadamente, para abafar as sutilezas que precisam ser levadas em conta na análise da situação política regional.
Como não pode atacar as decisões econômicas que colocam o Brasil e, quase por consequência, toda a região em situação mais ou menos tranquila diante da crise mundial, trata-se de fazer ferver a panela das discussões ideológicas, onde há muito material para controvérsias – simplesmente porque nesse caso não há notícias, mas declarações, que podem ser selecionadas a critério dos editores.
Mas sempre se pode achar em meio ao opiniário alguma informação mais esclarecedora. Observe o leitor, por exemplo, a reportagem colocada no pé da página da Folha de S.Paulo que noticia a declaração do chanceler uruguaio sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Trata-se de uma entrevista do empresário paraguaio Horácio Cartes, acusado de haver articulado a derrubada de Fernando Lugo e apontado como pré-candidato a presidente do Paraguai.
Folha anota que Cartes já foi vinculado ao narcotráfico em um daqueles telegramas do Departamento de Estado americano vazados pelo Wikileaks.
Esse é o detalhe que deveria recolocar a questão paraguaia no noticiário, mas o leitor dificilmente vai ter essa oportunidade.

Luciano Martins Costa – 03/07/2012
Comentário para o programa radiofônico do OI, 3/7/2012





Apologia ao golpe de Estado paraguaio

de acordo com a cláusula democrática do Mercosul, prevista no Protocolo de Ushuaia, “a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados partes do Protocolo”. Portanto, a suspensão do Paraguai está de acordo com parâmetros do bloco econômico sul-americano.

Francisco Fernandes Ladeira
Um dos acontecimentos internacionais mais comentados nos últimos dias foi a destituição, sob a alegação de “mau desempenho das suas funções”, do presidente do Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo.
Logo após a queda de Lugo, a maioria dos governantes sul-americanos prontamente apontou que, na realidade, houve um “golpe de Estado” em Assunção. “O governo do Equador não reconhecerá outro presidente do Paraguai que não seja o senhor Fernando Lugo”, assegurou Rafael Correa. “Houve uma ruptura da ordem democrática na República do Paraguai. Em minha opinião, parece uma paródia de julgamento o que aconteceu contra Lugo porque não há no mundo um julgamento político sem a possibilidade de defesa”, disse Cristina Kirchner. Evo Morales afirmou que Lugo foi vítima de um “golpe congressual”. Opinião análoga foi compartilhada por José Mujica, que classificou a destituição do ex-bispo de “golpe de Estado parlamentar”. Por sua vez, Hugo Chávez chamou o novo presidente paraguaio, Frederico Franco, de “usurpador”.
De acordo com o editorial de um partido político da esquerda brasileira “Lugo, um ex-bispo católico ligado ao movimento camponês, foi deposto para que os interesses de multinacionais imperialistas, ávidas pelos lucros da exportação de commodities, continuassem a prevalecer no nosso vizinho Paraguai”. Segundo informações divulgadas pelo WikiLeaks, um “despacho sigiloso da embaixada dos EUA em Assunção, dirigido ao Departamento de Estado, em Washington, já informava, em 28 de março de 2009, a intenção da direita paraguaia de organizar um ‘golpe democrático’ no Congresso para destituir Lugo”.

Escalada na violência no campo
Por outro lado, a mídia hegemônica brasileira mostrou-se favorável ao “golpe de Estado” na nação vizinha. Como bem observou Alberto Dines, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, a “reação da grande imprensa brasileira ao impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo foi pronta e pífia: no dia seguinte, sábado (23/6), já apareciam aqueles editoriais chochos, resignados e malandros, considerando legal a destituição votada pelo Congresso do país vizinho”. Para Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, “a lei foi cumprida. A democracia continua em pleno funcionamento. Os poderes instituídos e o povo do Paraguai reconhecem o novo presidente”. Em um noticiário da Rede Globo, Arnaldo Jabor teceu o seguinte comentário: “Na América Latina, existe [...] autoritarismo disfarçado de democracia. Assim vive a Venezuela do Chávez, a Bolívia cocaleira do Morales, a Argentina de Cristina Botóx e o Paraguai [...]. O Paraguai, é uma caricatura desse esquerdismo direitista latino. [...] O bispo sem batina foi ‘impichado’ pelo Congresso, como está previsto pela Constituição do Paraguai. Agora, a polêmica: foi golpe ou impeachment legal? Os tiranetes latinos já gritam ‘golpe’. Mas golpe de quem? Da esquerda ou da direita?”
Já a cobertura realizada pela Rede Bandeirantes merece ser destacada. A princípio, a emissora da família Saad apresentou uma postura moderada. “Embora formalmente correto, dentro da Constituição, oimpeachment de Lugo, no mínimo deixa dúvida sobre sua legitimidade política. Na verdade, o presidente foi deposto por seus adversários. Esquerdista, o ex-bispo acabou trombando com as velhas e persistentes aristocracias paraguaias”, asseverou Boris Casoy no dia da deposição de Fernando Lugo.
Todavia, no decorrer dos dias, os telejornais da Bandeirantes não se intimidaram em demonstrar o seu apoio à retirada de Lugo do poder. Na quarta-feira (27/06), o Jornal da Band destacava que a queda do presidente paraguaio teve repercussão altamente favorável entre os “brasiguaios” (termo utilizado para designar os brasileiros – e seus descendentes – que migraram para o Paraguai em busca de terras baratas). Ainda segundo o noticiário noturno, Fernando Lugo, primeiro presidente de esquerda na recente história paraguaia, era apontado por brasiguaios e grandes latifundiários como um aliado dos trabalhadores rurais sem-terra. Para os fazendeiros brasiguaios, enquanto permaneceu no cargo Lugo estimulou ocupações, o que teria provocado uma escalada na violência no campo.

Atrocidades escamoteadas
Em seu comentário no Jornal da Noite de quinta-feira (28/6), Joelmir Betting demonstrou todo o conservadorismo da emissora paulista: “O Paraguai não ‘rasgou’ a Constituição na troca de presidente pelo Congresso. Quem tem ‘rasgado’ a Constituição é a Venezuela. Pois agora o Mercosul recepciona festivamente a Venezuela e afasta o Paraguai feito ‘cachorro morto’. [...] O bloco não é uma representação diplomática e muito menos ideológica. É uma associação comercial, uma integração econômica cujo o tratado vem sendo sistematicamente rasgado pela Argentina [...], sem punição no bloco; ou seja, três pesos e três medidas. Ainda vão acabar colocando a culpa nos trezentos e cinquenta mil brasiguaios abandonados pelos dois governos, mas não a partir de agora pelo novo presidente paraguaio.”
Ora, pelo que consta, Chávez (como todos os governantes progressistas da América do Sul) chegou ao poder pela via democrática e está sustentado por uma Constituição recém-construída e aprovada pela ampla maioria dos venezuelanos. Em contrapartida, na “democracia paraguaia” houve um controverso processo de impeachment (sem possibilidade de defesa para o acusado e sem debate público) que derrubou ilegitimamente um presidente democraticamente eleito. Não obstante, de acordo com a cláusula democrática do Mercosul, prevista no Protocolo de Ushuaia, “a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados partes do Protocolo”. Portanto, a suspensão do Paraguai está de acordo com parâmetros do bloco econômico sul-americano.
Diante dessa realidade, cabe aqui uma questão capciosa: por que, para a mídia brasileira, governos eleitos pelo voto popular, mas contrários aos interesses estadunidenses, são considerados antidemocráticos; e, por outro lado, as atrocidades de regimes aliados à Washington (Arábia Saudita, Bahrein e Colômbia, por exemplo) são escamoteadas? Não é por acaso que o acrônimo PIG – partido da imprensa golpista – tem sido cada vez mais utilizado em nosso país.


Francisco Fernandes Ladeira - Professor de História e Geografia em Barbacena, MG – 03.07.2012