é preciso considerar que os critérios de
julgamento dos eleitores são muito variados. E que todos eles são igualmente
legítimos.
(...)
É preciso atentar que o percentual
bastante alto de oferta de informação política esbarra em duas dificuldades: O
custo para ter acesso a essa informação e o aparato indispensável para
entendê-la.
Adriano Codato
“Fui absolvido pelas urnas”. A frase, declamada
pelos políticos que foram denunciados pelo Ministério Público por improbidade
administrativa e que conseguiram gloriosamente reeleger-se no último dia 3, dá
o que pensar. Apesar de todas as reportagens, depois de tantas matérias, logo
quando se procurou incentivar o voto consciente e informado, por que isso
acontece e acontece assim?
Comentaristas de noitadas eleitorais na TV,
oráculos de revistas semanais e profetas de rádio jornal tendem a concordar em
um ponto: o povo, infelizmente, ainda não sabe votar direito. Por mais que
ensinemos. Ora se menciona o abominável incentivo do clientelismo
(bolsa-família e outras pragas “assistencialistas”), ora se discute a
inextinguível capacidade de manipulação dos políticos diante dos seus fiéis. A
terminologia varia de veículo para veículo, mas o sistema de razões acaba
sempre voltando ao mesmo ponto. Os reeleitos, por sua vez, acham essas lições
irrelevantes. E, de boa ou má-fé, realmente acreditam que a voz do povo é a voz
de Deus e da sua infinita capacidade de perdoar.
Para tentarmos entender esse fenômeno, eu
arriscaria duas hipóteses. Hipóteses são, recordem-se, conjecturas, suposições,
enfim, palpites sobre que fatores poderiam esclarecer um problema. A ordem em
que os fatores explicativos são apresentados aqui não tem necessariamente a ver
com a importância que eles assumiriam na realidade. Uma compreensão menos
apressada e menos improvisada das causas da recondução de políticos que
estiveram por semanas na pauta dos jornais exigiria, talvez, uma pesquisa caso
a caso.
Em primeiro lugar é preciso considerar que os
critérios de julgamento dos eleitores são muito variados. E que todos eles são
igualmente legítimos (já que há a tentação em achar os nossos mais sábios, mais
ponderados, mais racionais).
Pode-se avaliar um político por seus compromissos
com causas, programas e ideias. Simplificando, esse seria o “voto ideológico”.
Ele tem a ver com visões de mundo. Por comodidade incluímos aqui o “voto
ético”, ou seja, aquele que se preocupa com a honestidade, a honradez do
representante. Em geral, essas duas orientações aparecem juntas sob um rótulo
um tanto pomposo: “voto consciente”. O voto consciente é orientado pelo que na
literatura de Ciência Política chamamos de valores pós-materialistas: a
preocupação com níveis de corrupção, a preservação do meio ambiente, os
direitos das mulheres, a necessidade de aumentar o envolvimento dos cidadãos
nas decisões do governo, etc. Esses valores alimentam uma taxa considerável de
participação política e uma expressiva capacidade de reflexão e crítica por
parte dos membros da comunidade. Eles são típicos de sociedades onde os níveis
de desenvolvimento econômico são altos.
Por outro lado, pode-se avaliar um político por sua
capacidade de trazer ou não benefícios públicos para sua base. Por oposição,
esse seria o “voto pragmático”. O candidato é medido em função do seu potencial
de realizações. Isso vale tanto para o seu desempenho no passado (“obras”) como
para a expectativa depositada nas suas ações no futuro (“promessas”). A escolha
eleitoral é guiada aqui por valores materialistas: renda, emprego, segurança,
inflação, etc. Simplificando, este seria o voto mais racional. O eleitor é
capaz de distinguir seus interesses e, em razão disso, recomendar o candidato
que pareça bancar melhor seus objetivos concretos: uma escola, uma creche, um
ônibus escolar.
Pois bem. Pesquisa recente do cientista político
Emerson Cervi, da UFPR, demonstrou que a taxa de sucesso na reeleição de um
político da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) está diretamente ligada ao
seu comprometimento em obter recursos junto ao executivo estadual para realizar
políticas no seu reduto eleitoral. Quanto mais localizada sua produção
legislativa, maiores seus percentuais de votos regionalizados e, assim, mais
seguras são as chances de ser reconduzido ao cargo. (O fato de o candidato a
deputado estadual mais votado ter sido um dos personagens do drama de
escândalos da ALEP coloca não um, mas dois problemas a serem investigados: por
que ele foi tão bem votado; e por que, apesar das denúncias, ele foi tão bem
votado).
A segunda hipótese que eu formularia para entender
o baixo impacto eleitoral da série de reportagens da RPC/Gazeta do Povo sobre
os “diários secretos” com nomeações de funcionários fantasmas na Assembleia
Legislativa, e mesmo da repercussão muito localizada (no tempo e no espaço) do
movimento “O Paraná que Queremos” contra o esquema de desvio de recursos
envolvendo diretores e deputados, tem a ver com a confusão entre oferta de
informação e habilidade para processá-la.
Salvo engano, nunca antes na história deste estado
uma investigação jornalística foi tão insistente e tão eficiente. Tão
profissional e tão pedagógica. É natural então que os setorialistas de política
se perguntem o que deu errado (ou melhor, porque não teve enfim os resultados
que se esperava).
É preciso atentar que o percentual bastante alto de
oferta de informação política esbarra em duas dificuldades. O custo para ter
acesso a essa informação e o aparato indispensável para entendê-la, ou o que o
cientista político A. Downs chama de “conhecimento contextual” (que não tem
nada a ver com cultura formal).
Tomar decisões eficientes (no caso, votar “bem”)
não é uma questão de vontade. É preciso estar informado, isto é, possuir dados
atualizados sobre os fatores que influenciam determinados processos, casos,
acontecimentos; e é preciso pôr essa informação no seu devido contexto, isto é,
interpretá-la. Essa interpretação está ligada à capacidade do eleitor em
estabelecer relações causais (“isso determina aquilo”). Informação sem
conhecimento contextual é praticamente inútil – tanto é que posso ser muito bem
informado sem entender realmente nada.
Tanto a obtenção de conhecimento contextual quanto
de informação objetiva tem um custo bastante elevado em termos econômicos e em
termos de tempo despendido (é preciso ter tempo para escrever este artigo e
tempo para lê-lo). Por isso eles não estão disponíveis de maneira idêntica a
todos. Essa assimetria faz com que a capacidade de julgar politicamente os
políticos fique comprometida. (Se eles são culpados ou não é uma questão da
Justiça).
Conclusão: possivelmente as duas explicações
contribuem para perceber porque os personagens comprometidos com os escândalos
da Assembleia saíram politicamente intactos das últimas eleições. Falta
determinar o peso de cada uma dessas explicações ou, caso queira, matutar
outras tantas hipóteses para resolver esse problema. Só assim, creio, podemos passar
do “absolver” para o “entender”.
Adriano Codato – Professor de Ciência Política
na Universidade Federal do Paraná – 22.10.2010
IN “Gazeta do Povo”, Curitiba - PR, p. 2, 24 – http://ufpr.academia.edu/AdrianoCodato/Blog?page=2