Banqueiros importantes querem ganhar muito
dinheiro. Eles também querem ficar fora das cadeias.Os líderes políticos podem esbravejar quanto quiserem, mas sem uma ameaça
crível de pobreza e de tempo atrás das grades, os banqueiros não têm por que
cumprir a lei.
Simon
Johnson
Um dos princípios fundamentais de
um sistema judicial é o seguinte: não minta para um juiz nem falsifique
documentos apresentados a um tribunal ou você irá para a cadeia. Descumprir um juramento de dizer a verdade é
perjúrio e mentir em documentos oficiais é, a um só tempo, perjúrio e fraude.
São transgressões criminais graves, a não ser que você esteja no coração do
sistema financeiro americano. Ao contrário, figuras importantíssimas parecem
ser bem recompensadas por seus crimes.
Como argumentou Dennis Kelleher,
da Better Markets, o recente acordo a que chegaram os processos envolvendo as
denominadas "assinaturas robotizadas" - em que cinco grandes bancos "aceitaram"
firmar acordos para pôr fim à responsabilidade legal a que estavam sujeitos
devido a sua prática de retomada fraudulenta de imóveis financiados - é uma
rendição total ao setor financeiro.
Em primeiro lugar, não fora
formulada nenhuma acusação penal grave - o que significa que ninguém será
acusado de crime e ninguém irá para a cadeia. Em termos de afetar os incentivos
que balizam as ações de executivos, isso é a única coisa que importa.
Até mesmo a terminologia usada
para formular a discussão é errônea. Kelleher, um advogado com vasta
experiência de trabalho em firmas de advogacia e no setor público, define a
coisa como ela é: "Assinaturas robotizadas é conduta criminal em larga
escala, sistemática e fraudulenta". Alternativamente, como salienta
Kelleher, poderíamos chama isso de "mentir, enganar e roubar".
Em segundo lugar, as penalidades cíveis nesse acordo - uma
forma de multa - são minúsculas em comparação com o tamanho das companhias
envolvidas. Como disse secamente Shahien Nasiripour, um dos melhores
repórteres na cobertura desse assunto: "Nenhuma das cinco instituições
bancárias disse que espera incorrer em um encargo substancial devido ao
acordo". Em outras palavras,
de uma perspectiva empresarial, as penalidades são uma ninharia.
Terceiro,
essas multas são, de todo modo, pagas pelos acionistas das companhias, e não
por seus executivos ou membros de conselhos de administração (todos eles
cobertos por seguros). Nos raros casos em que multas foram aplicadas
a pessoas físicas, suas seguradoras cobriram a maior parte da conta ou as
penalidades foram relativamente triviais em comparação com os ganhos monetários
resultantes da prática de seus crimes - ou as duas coisas.
Como se tudo isso não fosse
suficientemente ruim, as notícias
indicam que os bancos poderão usar dinheiro do governo para depreciar o valor
das hipotecas, o que equivale subsidiá-los para que paguem suas próprias
irrisórias multas.
O governo Obama e seus aliados
têm se empenhado em propagandear que o acordo com os bancos - mediante o
pagamento de aproximadamente US$ 20 bilhões -, terá um impacto significativo
sobre o mercado imobiliário. Nada, porém, poderia estar mais longe da verdade.
Como enfatiza Kelleher, os EUA têm "mais de 10 milhões de casas
"underwater" (quando a dívida no financiamento excede o próprio valor
da casa)." US$ 20 bilhões não fazem diferença alguma nisso: por exemplo,
significariam um milhão de casas com um perdão de US$ 20 mil da dívida em cada
caso.
Na realidade, o acordo firmado
pelo governo Obama com as financiadoras de casas é coerente com sua prática
anterior em todas as suas políticas relacionadas ao setor financeiro, que têm
sido péssimas. Mas são também incompreensíveis. Por que o governo continua a
fazer de tudo para agradar os maiores banqueiros nessas circunstâncias?
Eu honestamente não acredito que
a postura do governo reflita alguma forma de corrupção - pagamentos feitos a
pessoas físicas ou até mesmo em benefício de campanhas políticas. E, nesse
caso, sequer parece refletir o poder de pressões de grandes agentes
financeiros. Esse poder certamente explica por que as reformas financeiras
Dodd-Frank promulgadas em 2010 não foram mais vigorosas e por que há agora
tanta oposição à implementação eficaz dessa legislação - por exemplo, há
atualmente uma grande briga em torno da "regra Volcker", que limitaria
o "proprietary trading" (operações financeiras com recursos próprios)
de megabancos. Mas as atividades criminais das financeiras habitacionais são
uma outra questão.
De
fato, o que está em jogo, nesse acordo envolvendo os financiamentos
habitacionais, são violações fundamentais e sistêmicas do Estado de Direito:
perjúrio e fraude numa escala que abrange toda a economia. O Departamento de Justiça, sem
dúvida, dispõe de todo o poder de que necessitaria para processar plenamente os
responsáveis por esses crimes. E
apesar disso, as mais altas autoridades policiais americanas abstiveram-se
sistematicamente - e, agora, completamente - de cumprir plenamente seu papel.
A
principal motivação para a indulgência do governo em face dos graves crimes
cometidos é, evidentemente, o temor às consequências da tomada de medidas duras
contra banqueiros individuais. E talvez as autoridades governamentais tenham razão em ter medo,
dada a enorme escala dos bancos em questão em relação à economia. Com efeito, esses bancos são maiores, agora,
do que antes da crise, e - como James Kwak e eu documentamos pormenorizadamente
em nosso livro "13 Bankers" -, são muito maiores do que 20 anos
atrás.
Banqueiros importantes querem
ganhar muito dinheiro. Eles também querem ficar fora das cadeias.Os líderes políticos podem esbravejar quanto
quiserem, mas sem uma ameaça crível de pobreza e de tempo atrás das grades, os
banqueiros não têm por que cumprir a lei. Para eles, tudo é negócio
- e você pode ser o otário em política pública tão facilmente quanto pode ser o
otário em um contrato de empréstimo individual.
A
mensagem para os executivos do banco hoje é simples: faça seu banco ficar tão
grande quanto possível - e depois continue a fazê-lo crescer. Se você conseguir
tornar-se suficientemente grande, você e seus funcionários não serão apenas
grandes demais para falir - mas também grande demais para serem levados à
cadeia.
O governo Obama acaba de fazer
todo mundo de otário - exceto os banqueiros.
Simon
Johnson – Ex-economista
chefe do FMI, é cofundador de um respeitado blog de economia,
BaselineScenario.com, professor na MIT Sloan, membro sênior do Instituto
Peterson de Economia Internacional, e coautor, com James Kwak, de "13
Bankers" (13 banqueiros) – 23.02.2012
Tradução: Sérgio Blum.
IN “Valor Econômico” – http://www.valor.com.br/opiniao/2538532/grande-demais-para-ir-para-cadeia
IN “Valor Econômico” – http://www.valor.com.br/opiniao/2538532/grande-demais-para-ir-para-cadeia