terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Paz na Colômbia: um caminho é traçado em Havana


Após encerrar 2012 com avanços no primeiro período de diálogos entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP) e o governo iniciaram uma nova etapa com expectativas de chagar em acordos concretos.

Luisa María González 
As 21 jornadas iniciais de diálogos encaminhadas para edificar a paz colombiana conseguiram progressos, enquanto ambos empreenderam o novo ciclo com solicitações para acelerar o processo. Para a Colômbia, a solução para o conflito armado que já dura há mais de meio século com um saldo superior a cinco milhões de vítimas, depende dos diálogos. 
A situação qualificada em reiteradas ocasiões como “drama humano”, inclue cerca de 3,5 milhões de desalojados, 15 mil desaparecidos e milhares de mortos e mutilados por minas.
Os direitos das vítimas é um dos seis pontos que conforma a agenda, acordados mediante um processo de conversas exploratória que durou meses e concluiu com a assinatura de um Acordo Geral para guiar o diálogo e fixar prioridades. 
Os seis assuntos estabelecidos incluem o desenvolvimento rural, as garantias para a participação cidadã, o fim Fo conflito armado, a solução ao problema das drogas ilícitas, os direitos das vítimas e os mecanismos de verificação e referenda do que foi discutido na mesa. 
Cuba volta a ser o lugar da reunião das equipes de diálogo, que começou em 19 de novembro, cujas primeiras jornadas de 2013 destacou-se o tema da terra, somando os desejos de conseguir mais rapidez ao processo.


Por avanços concretos com mais rapidez 
O desejo de conseguir mais ritmos nos diálogos tem sido expresso tanto pelas Farc como pelo governo, um indicio da vontade comum de continuar os avanços e concretizar acordos. 
O chefe da delegação da guerrilha, Iván Márquez, pediu maior pressa na alise profunda e integral do Acordo Geral, pensando nos interesses das maiorias nacionais, ao mesmo tempo que culminou ao governo de Juan Manuel Santos apresentar soluções rápidas, tangíveis e apartadas da demagogia. 
O grupo governamental “deve demonstrar vontade para avançar, colocando na mesa propostas claras que indiquem ao país que o governo não prolongará indefinidamente o tempo das soluções ao grave problema do latifúndio e das desapropriações de terra com métodos violentos ou disfarçados de legais”, apontou. 
No caso da equipe do governo, o chefe da delegação Humberto de la Calle, instou a conseguir maior ritmo, porque ao começar um ano novo precisa caminhar para frente para manter o apoio da cidadania. 
“As pessoas querem ver um processo eficaz, digno, rápido, sério. Esta é uma fase de conseguir resultados para um acordo sobre o fim do conflito, isso é o que nos traz a mesa. Nosso chamado é esse novo ritmo e buscar, rapidamente, acordos”. 
De la Calle esclareceu que não entrará na discussão o tema do modelo de desenvolvimento econômico ou a eliminação da propriedade privada, mas que mantém pontos da agenda acordados pelas partes, pois entendem que eles radicam a possibilidade de acabar com o conflito.


Tema agrário na palestra
Desde o começo dos diálogos de paz, o tema da terra foi central por sua relevância como origem do conflito armado e sua solução constitue condição indispensável para estabelecer uma paz sólida e duradoura. 
As Farc anunciaram a adoção de uma posição preliminar em torno ao assunto, para resolver a injustiça estrutura latifundiária da posse da terra. 
O documento titulado “Dez propostas para uma política de desenvolvimento rural e agrário integral com enfoque territorial”, propõe a realização de uma reforma rural e agrária integral, socioambiental, democrática e participativa. 
Entre eles destaca-se a transformação das relações rurais para contribuir com a democratização real do poder territorial, de sociedade, do Estado e do modelo econômico em seu conjunto, assim como o bem-estar da população. 
O ministro da Agricultura, Juan Camilo Restrepo, para comparecer nos diálogos e sustentar um projeto legislativo sobre as terra e precisar se levarão em conta as conclusões dos possíveis acordos para o estabelecimento da paz estável e duradoura. 
As Farc consideraram um contrassenso que enquanto se coloca a discussão da política de desenvolvimento agrário integral como fundamental para a paz, o governo insiste em provar uma legislação de terras que “persiste na determinação de entregar maiores concessões para os latifundiários”.
De acordo com o integrante da guerrilha Jesús Jesús Santrich, eles estão difundindo os anseios do povo para fazer ouvir, porque “até agora o único que se escuta é a grande imprensa reivindicando os interesses das transnacionais”. 
Em resposta ao pedido dos guerrilheiros, Restrepo afirmou que corresponde aos porta-vozes participantes no diálogo “reagir, opinar e dar declarações diante das propostas”. Em comunicado, sustentou que a política agrária do governo é avançada, audaz e nova e “fará respeitando o direito privado, a ptopriedade e os direitos adquiridos de boa fé”. 
Por sua vez, Humberto de la Calle mencionou que foram impulsionadas soluções muito concretas para recuperar e transformar o campo. Igualmente, mostrou-se a favor da participação da sociedade colombiana suas contribuições nos diálogos de paz. 
Ele assegurou que o governo colombiano quer o fim do conflito como o primeiro passo para avançar na construção de uma paz estável, um cenário no qual cabem as Farc como partido político legal.



Luisa María González - Jornalista da Prensa Latina – 20.01.2013
Tradução da redação do Portal Vermelho (originalmente in Prensa Latina)




A Colômbia continua conversando


Só o fato de o diálogo entre o governo e as FARC prosseguir já seria uma boa notícia. Alguns detalhes, porém, indicam que existe razão para reforçar um pouco mais o otimismo dos otimistas, e para preocupar um pouco mais os preocupados. É que chegou o momento de debater um dos pontos mais delicados da pauta de temas aceitos pelas duas partes: a questão da terra. A primeira conversa, em Havana, está prevista para o dia 8 de janeiro.

Eric Nepomuceno
O ano de 2012 terminou e as negociações entre o governo colombiano e as FARC – as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a guerrilha mais longeva da América Latina – continuam. Só o fato de o diálogo prosseguir já seria uma boa notícia. Alguns detalhes, porém, indicam que existe razão para reforçar um pouco mais o otimismo dos otimistas, e para preocupar um pouco mais os preocupados. É que chegou o momento de debater um dos pontos mais delicados da pauta de temas aceitos pelas duas partes: a questão da terra. A primeira conversa, em Havana, está prevista para o dia 8 de janeiro. 
O otimismo pode ser reforçado porque o governo do presidente Juan Manuel Santos parece mesmo disposto a encarar de frente a necessidade de implantar profundas reformas que levem a uma nova política rural. E a preocupação reforçada se deve exatamente a isso: qualquer passo rumo a uma reforma agrária mexerá nos interesses daqueles que estão dispostos a ir às últimas consequências para assegurar a manutenção de um sistema que permite que 1,5% de proprietários tenham 52% das terras cultiváveis no país. Convém lembrar que uma das razões fundamentais para a guerra que dura décadas na Colômbia diz respeito exatamente à terra. Tanto assim, que é este o primeiro ponto da agenda de negociações entre as FARC e o governo.
Em novembro agora, foi realizado em Bogotá um grande encontro, reunindo mais de 1.300 participantes de todas as classes e segmentos sociais, além, claro, dos chamados empresários do campo – os grandes proprietários. E deu para perceber claramente que a questão é muito delicada, e que esse debate irá longe. 
Os poderosos pecuaristas, por exemplo, não estão nada dispostos a dialogar com os pequenos proprietários, em geral agricultores. O desequilíbrio de forças é gritante: calcula-se que cerca de cinco milhões de hectares são destinados, na Colômbia, à agricultura, enquanto a pecuária ocupa quase 39 milhões. Essa concentração extrema responde exatamente às distâncias que separam pequenos agricultores e imensos complexos de pecuária. 
Os obstáculos para as negociações entre guerrilha e governo são muitos e muito difíceis de superar, e todos sabem disso na Colômbia, a começar, é claro, pelos negociadores. Os setores mais recalcitrantes da direita colombiana acham um absurdo tratar temas como distribuição de terras com guerrilheiros. E outro absurdo é tratar com milhares de pequenos agricultores, vítimas da violência, que não só querem sua terra de volta como serem compensados. Falar em reforma agrária, então, nem pensar.
Seja como for, o que está acontecendo agora na Colômbia é que os dois lados – grandes empresários rurais e pequenos agricultores – conseguiram conversar. Os que se recusam a discutir propriedade privada e economia de mercado e os que querem que se ponha um limite claro à concentração da terra estão conversando, e isso é inédito no país que há décadas padece uma epidemia de violência. 
Dessa conversa insólita saíram subsídios para a negociação política que
acontece em Havana, entre representantes do governo e da guerrilha. Pode parecer pouco. Talvez seja pouco. Mas é muito mais do que se conseguiu nas tentativas anteriores de se chegar a um acordo de paz.
Falta muito, é verdade. A começar pela negativa do setor pecuário, que se recusou terminantemente a participar, como coletivo, desse grande encontro realizado em Bogotá. O presidente colombiano criticou os representantes do setor, e disse que achava ‘irracional’ essa recusa, já que justamente os pecuaristas são um dos lados mais afetados pela guerra. 
Talvez Juan Manuel Santos tenha se esquecido de um detalhe: muitos dos grandes pecuaristas são aliados ou diretamente cúmplices dos paramilitares que espalham o terror pelo interior da Colômbia, expulsando pequenos agricultores e incorporando suas parcas terras às imensas extensões dedicadas ao gado. O próprio presidente do grêmio pecuarista, José Félix Lafaurie, é suspeito de financiar grupos paramilitares. Não há nada de irracional, portanto, em sua recusa ao diálogo. 
Para a guerrilha, o destino da Colômbia passa pela questão da terra. Para os grandes latifundiários, também. O problema é que cada lado tem sua própria visão de destino que pretende para a Colômbia. 
Governo e guerrilha estão dialogando. Os latifundiários da pecuária acham isso perda de tempo. Se negam a aceitar que o governo de Juan Manuel Santos parece ter entendido que, sem diálogo, não se chega a lugar algum.
O tema da terra é o primeiro da agenda, e talvez o mais crucial. Depois dele, restam outros quatro pontos: a participação política da guerrilha desarmada, o fim do conflito, a questão das drogas e a reparação às vítimas. 
Há, sim, muito caminho pela frente. E, pelo menos por enquanto, parece haver muita disposição para caminhar.


Eric Nepumuceno – Jornalista e escritor – 31.12.2012
IN Carta Maior – http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21457