terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A turnê mundial de Yoani Sánchez


Como viajar é um direito universal reconhecido pela Declaração das Nações Unidas de 1948, só podemos nos alegrar pelo fato de a principal figura da oposição cubana poder expressar suas convicções pelo mundo. No entanto, é inevitável destacar certos aspectos obscuros da personalidade e da vida de Yoani Sánchez, que são objeto de controvérsia e que esta monumental turnê parece confirmar.

 Salim Lamrani 
Depois de cinco anos de espera, Yoani Sánchez conseguiu, por fim, a autorização para viajar ao exterior. Depois da reforma migratória vigente desde 14 de janeiro de 2013, que permite a todos os cubanos deixar o país sem outra formalidade além da obtenção de um passaporte e um visto, a mais famosa opositora do governo de Havana inicia no Brasil uma turnê mundial que a levará a vários continentes. O cineasta Dado Galvão a receberá em Recife, onde participará da apresentação do documentário Conexão Cuba Honduras 1.
Sua turnê se parece com a de um chefe de Estado ou a de uma estrela da música, e os recursos dedicados a ela são impressionantes. De fato, “uma programação muito intensa” espera a jovem opositora de 37 anos 2. Tem conferências previstas no México, onde será a convidada de honra da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que terá sua reunião semestral em Puebla; nos Estados Unidos, com encontros em Nova York, onde será recebida na redação do New York Times; Washington e Miami, Argentina, Canadá, Peru, Espanha, Itália, Alemanha, República Checa, Países Baixos e Suíça 3.
Como viajar é um direito universal reconhecido pela Declaração das Nações Unidas de 1948, só podemos nos alegrar pelo fato de a principal figura da oposição cubana poder expressar suas convicções pelo mundo. No entanto, é inevitável destacar certos aspectos obscuros da personalidade e da vida de Yoani Sánchez, que são objeto de controvérsia e que esta monumental turnê parece confirmar.
Yoani Sánchez não é uma opositora comum. Após viver dois anos na Suíça, decidiu voltar a Cuba e integrar o universo da dissidência. Em 1997, criou o blog Generación Y – traduzido para, pelo menos, 18 idiomas! –, no qual fustiga de modo virulento o sistema e o governo cubanos. Sua nova atividade tem sido coroada com êxito. No período de alguns anos, Sánchez recebeu diversas distinções, todas financeiramente remuneradas. No total, a blogueira recebeu uma remuneração de 250 mil euros, isto é, um montante equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial, e a 1.488 anos de salário mínimo em Cuba 4.
A isso se soma o salário mensal de seis mil dólares concedido pela Sociedade Interamericana de Imprensa, que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, e que decidiu nomeá-la vice-presidente regional por Cuba de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação 5. O jornal espanhol El País também decidiu nomeá-la correspondente em Havana, e lhe paga um bom salário 6.


 
Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado, Aécio Neves e Álvaro Dias fizeram questão de aparecer ao lado da cubana (Foto: Agência Estado).


O governo dos EUA, cujo objetivo abertamente expresso é uma mudança do regime em Cuba por meio do financiamento de uma oposição interna, fez de Yoani Sánchez sua prioridade. Considera, em documentos confidenciais publicados pelo Wikileaks, que “Yoani Sánchez pode desempenhar um papel a longo prazo em uma Cuba pós-Castro” 7.De fato, a opositora cubana está em estreita relação com a diplomacia norte-americana em Cuba, como é assinalado em um telegrama classificado como “secreto” por seu conteúdo sensível. A administração Obama valoriza muito a blogueira cubana, como demonstra a reunião secreta ocorrida no apartamento da opositora com a subsecretária de Estado norte-americana Bisa Williams durante sua visita a Cuba, entre 16 e 22 de setembro de 2010 8.
Michael Parmly, antigo chefe da diplomacia norte-americana em Havana, que se reunia regularmente com Yoani Sánchez em sua residência pessoal, como indicam documentos confidenciais da SINA, manifestou sua preocupação a respeito da publicação dos telegramas diplomáticos dos EUA pelo Wikileaks: “Me incomodaria muito se as inúmeras conversas que tive com Yoani Sánchez fossem publicadas. Ela poderia pagar pelas consequências por toda a vida” 9. A pergunta que imediatamente vem à mente é a seguinte: “Quais são as razões pelas quais Yoani Sánchez estaria em perigo se sua atuação, como ela afirma, respeita o marco da legalidade?”
Desde então, Yoani Sánchez não é uma simples dissidente. Seria interessante que a principal figura da oposição cubana aproveitasse sua turnê mundial para esclarecer algumas zonas obscuras de sua trajetória pessoal e revelasse quais são os poderosos interesses que se escondem por trás de sua pessoa.


1. Voz de América, "Yoani Sánchez viaja ao Brasil em 17 de fevereiro", 6 de fevereiro de 2013.
2. Yoani Sánchez, 17 de fevereiro, https://twitter.com/yoanisanchez
3. EFE, "A blogueira cubana falará no Brasil sobre liberdade e direitos", 17 de febrero de 2013.
4. Yoani Sánchez, "Prêmios", Generación Y.
5. El Nuevo Herald, "Yoani é nomeada para comissão da SIP", 9 de novembro de 2012.
6. El País, "Artigos escritos por Yoani Sánchez", http://elpais.com/autor/yoani_sanchez/a/ (site acessado em 17 de fevereiro de 2013).
7. Jonathan D. Farrar, "Os Estados Unidos e o papel da oposição em Cuba", United States Interests Section, 9 de abril de 2009, telegrama 09HAVANA221. http://213.251.145.96/cable/2009/04/09HAVANA221.html (site acessado em 18 de dezembro de 2010).
8. Joaquin F. Monserrate, "GOC sinaliza 'prontidão para ir em frente", United States Interests Section, 25 de setembro de 2009, telegrama 09HAVANA592, http://213.251.145.96/cable/2009/09/09HAVANA592.html (site acessado em 18 de dezembro de 2010)
9. Michael Parmly, "Consenso On Line : Um fórum imparcial em Cuba", United States Interests Section, 28 de junho de 2007, telegrama 07HAVANA622, http://wikileaks.org/cable/2007/06/07HAVANA622.html (site acessado em 15 de setembro de 2011); Stéphane Bussard, "Meu reencontro com o autor dos telegramas sobre Cuba", Le Temps, 30 de dezembro de 2010.

Salim Lamrani – graduado pela Universidade de Sorbonne, professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Descartes e na Universidade París-Est Marne-la-Vallée e especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos – 17.02.2013





Suplicy defende Yoani e a liberdade de expressão

Senador petista afirmou - Eu defendo a Revolução Cubana, mas quero que ela se mova na direção de se prover efetiva liberdade de ir e vir, liberdade de opinião, de imprensa, de formação de partidos políticos. Aí sim, eu creio que Cuba estará caminhando na direção melhor.
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Agência Senado
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) fez uma defesa veemente da liberdade de expressão e da blogueira cubana Yoani Sanchez, dissidente do regime, que está em visita ao Brasil. O parlamentar mandou um recado para as pessoas que têm protestado de maneira agressiva contra Yoani Sánchez.
Ele explicou que os manifestantes não compreenderam que a vinda da dissidente ao Brasil, com a nova lei de imigração cubana, pode ser "um sinal fantástico" para o presidente norte-americano Barack Obama finalmente acabar com o bloqueio econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos há mais de 50 anos.
Em pronunciamento no Plenário nesta terça-feira 19, Suplicy lembrou que a dissidente, que descreve o cotidiano do seu país em textos na internet, jamais usa palavras ofensivas. O senador informou que depois de ser recebida com hostilidade por alguns grupos, a jornalista quase foi impedida de falar.
Suplicy citou Rosa Luxemburgo (1871-1919) ao lembrar que "liberdade só é liberdade [quando é válida também] para quem pensa diferente", e defendeu o direito de Yoani Sánchez de criticar a Revolução Cubana, movimento armado que levou Fidel Castro ao poder em 1959. Suplicy ressaltou também que a própria blogueira luta contra o embargo norte-americano.
O parlamentar afirmou que ainda foi acusado de traição por alguns militantes por sugerir o diálogo com Yoani Sánchez.
- Jamais sou um traidor com respeito às ideias que defendo desde que ingressei na vida pública – rebateu.
O senador lembra que sempre defendeu os ideais do socialismo, que ele diz encontrar tanto na obra de Karl Marx como na própria Bíblia, nos ensinamentos de Jesus Cristo, ao pregar a igualdade e a justiça.
- Eu defendo a Revolução Cubana, mas quero que ela se mova na direção de se prover efetiva liberdade de ir e vir, liberdade de opinião, de imprensa, de formação de partidos políticos. Aí sim, eu creio que Cuba estará caminhando na direção melhor - afirmou.


Agência Senado – 20.02.2013



Para mais informações sobre as opiniões dessa blogueira vale ler a conversa esclarecedora que teve com este mesmo Salim Lamrani, disponível em:


sábado, 23 de fevereiro de 2013

Morrer aos poucos


Carlos Alexandre Azevedo pôs fim a sua vida no sábado (16.02.2013), aos 40 anos de idade. Ele foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida à violência por parte dos agentes da ditadura. Tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Carlos era filho do jornalista Dermi Azevedo, que acaba de lançar um livro sobre sua participação na resistência à ditadura.

Luciano Martins Costa
O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura militar. 'Travessias torturadas' é o título do livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.


Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar.
A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.



Luciano Martins Costa – 18.02.2013
Comentário para o programa radiofônico do OI, 18/2/2013
IN Observatório de Imprensa, Ed. 733 - http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/morrer_aos_poucos

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

OEA recebe denúncias por atraso no pagamento de precatório no Brasil


Os denunciantes, em geral, alegam que a legislação brasileira não possui um meio efetivo para fazer com que o Estado cumpra as decisões judiciais e pague as condenações definitivas. Assim, sustentam que as sentenças que condenam o Estado ao pagamento de valores aos credores não têm eficácia alguma.

Adriana Aguiar
A reclamação sobre a demora no pagamento de precatórios no Brasil começa a ganhar força internacionalmente. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) admitiu a análise de pelo menos três casos. As denúncias de que a demora acarretaria violação aos direitos humanos, além de chamar atenção internacional para o problema, poderá resultar em recomendação ao país para que haja alteração legislativa que force os governos ao pagamento das condenações judiciais sofridas.
Além da denúncia feita por um grupo de 1.378 credores de Santo André, município de São Paulo, aceita pela OEA em janeiro do ano passado, há ainda dois casos de credores já admitidos. Um é contra o Estado do Rio de Janeiro, aceito em 2012 e outro contra o Estado do Rio Grande do Sul, de 2011. O mérito dessas reclamações ainda não foi analisado.
No caso de Santo André, os autores são funcionários públicos do município que tiveram em 1998 o direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de receber os respectivos precatórios. Até hoje, no entanto, não obtiveram seus créditos.
A viúva e a filha de funcionários públicos, que já morreram, são as credoras do Rio Grande do Sul – cujos precatórios foram expedidos em 1997 e 1998, mas ainda não pagos – que tiveram a denúncia aceita pelo órgão internacional. Os precatórios, nesses casos, resultam de condenações do poder Público por diferenças que teriam que ter sido pagas na pensão por morte de seus familiares. Uma delas aguarda o pagamento de cerca de R$ 138 mil e outra de R$ 27 mil.
Em maio do ano passado, a OEA ainda aceitou a denúncia de uma credora relativa a um precatório expedido em 2009, ainda não pago. O título resulta de uma condenação do Estado do Rio de Janeiro de R$ 49 mil por danos morais pela morte do filho da credora em um hospital penitenciário. A credora, além de reclamar pela demora no pagamento, pede mais esclarecimentos sobre a morte do filho, em 1999, na época com 22 anos.
Os denunciantes, em geral, alegam que a legislação brasileira não possui um meio efetivo para fazer com que o Estado cumpra as decisões judiciais e pague as condenações definitivas. Assim, sustentam que as sentenças que condenam o Estado ao pagamento de valores aos credores não têm eficácia alguma. Por isso, argumentam que, com a morosidade em pagar os títulos públicos, o Brasil deveria ser advertido internacionalmente por violar a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Os credores ainda pedem que os valores devidos sejam pagos, acrescidos de indenização por danos morais.
O advogado Felipe Néri, que assessora as credoras contra o Estado do Rio Grande do Sul na OEA, afirma que resolveu levar a denúncia à Corte Interamericana porque o Estado não tem assegurado esses pagamentos em um prazo razoável.
Segundo o advogado Fernando Stábile, que defende os credores contra o município de Santo André, a situação do Brasil é uma novidade para a OEA, pois o país possui uma situação singular em relação a outras nações, na qual o poder público, mesmo condenado pelo Judiciário, obtém moratórias que postergam esses pagamentos. “Existe violação aos direitos humanos porque não há garantia de cumprimento dessas decisões judiciais. As pessoas são privadas de seus créditos pelo tempo. Muitas já morreram sem receber”, afirma Stábile.
O efeito de uma condenação na Corte Interamericana seria político, segundo Stábile, já que o Brasil poderia ficar conhecido internacionalmente por violar os direitos humanos desses credores, ao deixar de honrar suas dívidas. “Uma retaliação desse tipo, com certeza criaria saias justas para o Brasil”, diz. Além de poder ocorrer uma recomendação para se alterar a legislação relativa ao tema. O advogado relembra que a Lei Maria da Penha, por exemplo, ganhou força para ser editada após uma retaliação ao Brasil pela Corte Interamericana.
Para o presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos (Precatórios) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Flávio Brando, uma condenação desse tipo afetaria a confiança dos empresários estrangeiros e investidores em geral, pois poderiam não querer colocar dinheiro em um país que viola os direitos humanos.
O Brasil, por sua vez, tem argumentado na Comissão que seria inadmissível aceitar essas denuncias por não haver violação aos direitos consagrados na Convenção Americana. A defesa do Brasil na OEA, porém, admite que não pagou os precatórios. “Mas que isso se deve a circunstâncias desfavoráveis e insuperáveis por não ter recursos suficientes”.
A Comissão Interamericana, ao admitir a análise das denúncias tem concluído que “a legislação brasileira não contempla recursos judiciais efetivos e adequados para assegurar o pagamento dos precatórios devidos pelos Estados”. E que passa a aceitar essas denúncias “porque já se esgotaram todos os recursos de jurisdição interna”.
Ainda não há data para que o mérito desses recursos sejam analisados pela comissão, cujo processo de admissão das denúncias também foi demorado. O caso do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, reconhecido no ano passado, foi apresentado à comissão em 2001.
Procurados pelo Valor, a assessoria de imprensa do município de Santo André, do Estado do Rio Grande do Sul e do Estado do Rio de Janeiro não retornaram até o fechamento da reportagem.


Adriana Aguiar – 11.01.2013
IN Valor Econômico – http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/1/11/oea-recebe-denuncias-por-atraso-no-pagamento-de-precatorios-no-brasil

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Obstáculos para o ensino superior


Em 2005, a previsão era, em 2010, formar 16.295 doutores. Foram 11,3 mil. Sem consertar o ensino médio, o superior continuará com dificuldades.

Carlos Henrique de Brito Cruz
O presidente da CAPES, Jorge Guimarães, comentou aqui ("O ensino superior no país está crescendo", de 28 de fevereiro) uma análise minha sobre a mudança de tendência na evolução da educação superior no país, a partir de 2005. Com dados anuais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), observei notável redução na taxa de crescimento do número de concluintes após 2005.
Guimarães levanta a importância de considerar os concluintes em cursos de ensino à distância (EAD), além dos de cursos tradicionais.
Bom ponto. Parece-me mais correto, entretanto, considerar o ensino à distância separadamente -pelo fato de ele ser diferente da modalidade presencial.
Diferente não é melhor nem pior, significa que atende a uma clientela diferente, com objetivos diferentes. Entre os cursos à distância, há poucos de engenharia e medicina. Nem o Ministério da Educação computa concluintes de EAD junto com os presenciais (o INEP apresenta em tabelas de seções diferentes).
Os cursos presenciais demandam infraestrutura predial e laboratorial, investimentos em professores e permanência de estudantes.
A adição dos concluintes em EAD, no entanto, não muda a reversão na taxa de crescimento. De 1995 a 2005, o número de concluintes em universidades públicas cresceu 8,3% ao ano. De 2005 a 2010, a variação foi de -0,4% ao ano ( -2,2% sem os concluintes de EAD).
Houve menos concluintes em 2010, comparado com 2005, mesmo com o EAD.
O crescimento no ensino privado também perdeu força; no total, juntas entidades públicas e privadas, a taxa de crescimento até 2005 era de 10,9% ao ano e caiu para 6,3% ao ano de 2005 a 2010.
Quanto à baixíssima probabilidade (0,7%) de um jovem paulista com ensino médio completo poder cursar uma boa universidade federal em São Paulo, Guimarães menciona realizações importantes, mas ainda insuficientes, como a criação da UFABC.
A resposta do MEC ao apontar para as vagas do sistema unificado federal fora de São Paulo basicamente diz aos jovens paulistas: "Vão embora de São Paulo para estudar em outros Estados".
Ela não satisfaz, dada a dimensão da colaboração do contribuinte paulista com a arrecadação federal. O fato é que o número de concluintes nas universidades federais no Estado de SP em 2010 representou apenas 13% dos concluintes nas estaduais paulistas em 2010.
Na pós-graduação, persiste a queda de crescimento anual. O Plano Nacional de Pós-Graduação da Capes, de 2005, previa em 2010 a titulação de 16.295 doutores. O resultado foi 11,3 mil, 31% abaixo da meta.
Por que tudo isso aconteceu? Que políticas precisam ser revisadas para recuperar a taxa de crescimento necessária ao desenvolvimento do Brasil?
Para que o ensino superior se desenvolva em quantidade e qualidade, é essencial aumentar a frequência ao ensino médio no país, assim como a sua qualidade. Não adianta tapar o sol com a peneira: sem consertar o ensino médio, o ensino superior -presencial e à distância, público e privado, de graduação e de pós-graduação- enfrentará dificuldades crescentes.


Carlos Henrique de Brito Cruz – Diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp e presidente da Fapesp – 05.04.2012



Ministério da educação de base


NA VERDADE, O MEC É O MINISTÉRIO DO ENSINO SUPERIOR E ESCOLAS TÉCNICAS; POUCA IMPORTÂNCIA É DADA À EDUCAÇÃO DE BASE


Cristovam Buarque
Durante os meses em que fui ministro do presidente Lula, recebi centenas de parlamentares em audiências. Apenas um deles fez um pedido relacionado ao ensino fundamental. Poucos falaram sobre as escolas técnicas. Quase todos trataram do ensino superior.
Na verdade, o MEC (Ministério da Educação) é um Ministério do Ensino Superior e das Escolas Técnicas. As ações educacionais de base para crianças e adolescentes estão sujeitas à falta (e à desigualdade) de recursos dos Estados e municípios.
O ministro comemora as suas realizações e assume responsabilidades apenas no que se refere ao ensino superior. Ele não assume a responsabilidade pelo analfabetismo e pelo atraso educacional.
Os governos FHC e Lula aumentaram o número de alunos no sistema superior e criaram novas escolas técnicas, mas o Brasil não saiu da vergonhosa tragédia de sua educação de base. E tanto a ampliação do sistema universitário quanto a do ensino profissional estão fracassando por falta de base educacional de seus alunos.
Temos uma história de apoiar o ensino superior, menosprezando a educação de base. Temos um programa "Universidade para Todos", mas não temos um programa ambicioso para "Todos Alfabetizados". Não há também o "Todos com Ensino Médio de Qualidade".
Assumimos o ensino superior como questão nacional e deixamos a educação de base como questão local, Estadual ou municipal.
A prova é que, em 2009, o governo federal cobriu apenas 3% dos gastos diretos com a educação de base, chegando a 13% se incluirmos o ensino profissional.
Graças ao programa Bolsa Escola, que não é mais administrado pelo MEC, foi possível avançar na universalização da matrícula, mas não na frequência, na assistência e na permanência -e ainda menos no aprendizado.
Lula sancionou a lei do Senado para o piso salarial do professor, mas o valor é mínimo e até hoje não é cumprido pela maioria dos Estados e municípios.
O Brasil precisa de um ministério que se dedique à educação de base, como no passado fez com a saúde, com a cultura e com o esporte.
Para cada setor da sociedade, temos um ministério. Só na área econômica, são cinco. Mas não há qualquer autoridade nacional responsável pela educação de base.
Em diversos países, além do ministério da educação de base, há outro dedicado apenas ao ensino superior. Sugeri isso ao presidente Lula antes da sua posse. Hoje, com 38 ministérios, é difícil justificar mais um. Mas é possível concentrar o MEC na educação de base, migrando a Secretaria de Ensino Superior para o MCT, que passaria a ser o Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Inovação.
A principal justificativa para isso é político-administrativa. O ministro dedicado apenas à educação de base terá de concentrar a sua atenção nesse setor. Há também uma justificativa do ponto de vista estratégico: criar no Brasil um sistema nacional do conhecimento, que será eficiente quando todos receberem uma boa educação de base.
Esse é um passo necessário e decisivo para transformar o setor que mais emperra o avanço civilizatório do Brasil, propiciando o salto para economia baseada no conhecimento e quebrando a desigualdade social por meio da igualdade no acesso à educação de base.
Esse é o objetivo do projeto de lei do Senado 518/2009.



Cristovam Buarque –  Professor da UnB (Universidade de Brasília) e senador pelo PDT-DF – 05.02.2012
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/24101-ministerio-da-educacao-de-base.shtml

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Mudança de regras – quais?


Se o conteúdo material das políticas de governo praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa de corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de corruptores privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que se encontra a vida social e política do país, no momento, venha a resultar em ganhos civilizatórios universalmente aceitos.

Wanderley Guilherme dos Santos
Os programas da bolsa-família, luz para todos e de apoio à agricultura familiar, entre outros, não exigiram modificações prévias na legislação eleitoral ou partidária. O mesmo se diga do “minha casa, minha vida” e de todos os demais implantados nos últimos dez anos. O substancial aumento do salário mínimo também ocorreu à distância das regras de formação de partidos e das cláusulas do código eleitoral. Não são estes os obstáculos reais à melhoria nos serviços públicos.
Tal como se propala mundo a fora, o mal estar de grandes segmentos da sociedade decorre da convicção de que as autoridades contratadas, via eleições, para administrar os recursos das comunidades, não estão oferecendo serviços à altura do acordado. Pior, estariam se apropriando ilegalmente de parte desses recursos públicos. Daí a suposição de que exista um conjunto de normas partidárias e eleitorais capaz de propiciar uma limpeza em regra nos costumes. Embora tal conjunto, se acaso existisse, não garanta tipo ou qualidade das políticas públicas que venham a instituir, alguns imaginam que pelo menos os recursos públicos não seriam mal administrados ou seqüestrados de forma pecaminosa.
Não conheço e sou cético quanto à existência de tão eficientes regras partidárias e eleitorais. Em todo caso, elas não se aplicariam ao outro lado das transações espúrias, isto é, aos corruptores. Talvez no futuro, mas não agora, as sociedades disponham de filtros aptos a só deixarem vir ao mundo cidadãos virtuosos. Nesse quesito, e por enquanto, é forçoso reconhecer que o Brasil hospeda sensacional taxa de corruptores, alguns operando por meios persuasivos, outros por assédios agressivos. Do jovem motoqueiro insinuando uma gorjeta ao policial que o multa por excesso de velocidade ao indignado cidadão que esbraveja contra as instituições políticas, mas, enquanto feliz proprietário de um estabelecimento comercial, oferece modesta propina para que o fiscal ignore as insatisfatórias condições de segurança de incêndio de seu negócio – são raríssimas as exceções à cultura prevalecente no Brasil, segundo a qual é quase sempre possível esconder uma ilegalidade promovendo outra. E não há talvez brasileiro que nunca tenha sido objeto de ameaçadora pressão corruptora por parte dos profissionais liberais – médicos, advogados, dentistas, analistas, etc. – a cujos serviços recorre com freqüência, deixando de cobrar-lhes recibos e tornando-se cúmplice de crimes fiscais. Pois, neste caso, são os corruptores e corruptos que se consideram iguais na demanda por ética na política, e até justificam a violência niilista de alguns grupos em passeatas intimidantes pelas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades.
Se o conteúdo material das políticas de governo praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa de corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de corruptores privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que se encontra a vida social e política do país, no momento, venha a resultar em ganhos civilizatórios universalmente aceitos. Enquanto isso, o mundo da matéria, da economia e da sobrevivência marcha inexoravelmente, ainda quando as bússolas dos passageiros se encontrem em adiantado estado de desorientação. O cotidiano nacional se alimenta de opiniões volúveis e de ideologias desesperançadas. Mas em breve se há de fazer um levantamento de estoque e o registro dos restos a pagar.


Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político – 02.08.2013

Ecuador: aborto, economía, democracia y fe se conjugan en debate electoral


Lasso, Gutiérrez y Noboa prometen una reducción de impuestos e incentivar la inversión extranjera como mecanismos para fortalecer la economía y el comercio.
Correa, Acosta y Wray (los tres de izquierda), por ejemplo, han defendido, cada uno con matices, el aborto terapéutico y en ciertos casos de violación, algo que no aceptan los otros cinco, que dicen "defender la vida" desde su concepción.

Infolatam
El aborto, el matrimonio entre homosexuales, la economía, el comercio, la minería, el modelo de democracia y hasta la fe se conjugan en el debate electoral de Ecuador, que el 17 de febrero celebrará unos históricos comicios presidenciales y legislativos.
También la libertad de expresión y el combate a la inseguridad forman parte de las propuestas de los ocho candidatos presidenciales que se han inscrito para disputar el poder, incluido el actual mandatario, Rafael Correa, que va por la reelección.
Además de Correa, en la lid por el sillón presidencial están el exbanquero Guillermo Lasso, el izquierdistaAlberto Acosta, el expresidente Lucio Gutiérrez, el magnate bananero Alvaro Noboa, el pastor evangélicoNelson Zavala y los independientes Norman Wray yMauricio Rodas.
Correa, Acosta y Wray (los tres de izquierda), por ejemplo, han defendido, cada uno con matices, el aborto terapéutico y en ciertos casos de violación, algo que no aceptan los otros cinco, que dicen “defender la vida” desde su concepción.
En esa misma medida se encuentra el debate sobre el matrimonio entre homosexuales, con los tres primeros en defensa de las libertades y la diversidad, frente a los cinco que pregonan la protección de la familia en su concepción tradicional.
Sin embargo, el más radical opositor a la discusión sobre el aborto y el matrimonio gay ha sido Zavala, quien incluso, en su lucha por el rescate de los “valores cristianos”, ha insinuado que si llega a la Presidencia prohibiría ciertos espectáculos de rock y vetaría al cantante estadounidense Marilyn Manson.
Acosta, por su parte, ha sido radical en la oposición a la minería a gran escala que ha abierto el Gobierno de Correa, del que otrora fue aliado político, pero con el que rompió, justamente, por estar en contra del “modelo extractivista” que dice que aplica el mandatario.
Para Acosta, tanto la extracción petrolera como la minería deberían ser sustituidas por actividades menos dañinas con el ambiente, como el turismo y una agricultura sustentable, en un país considerado entre los de mayor biodiversidad del planeta.
Por su parte, Lasso, Gutiérrez y Noboa prometen una reducción de impuestos e incentivar la inversión extranjera como mecanismos para fortalecer la economía y el comercio.
Los tres critican a Correa por haberse salido de la órbita de Washington y privilegiar relaciones con países como Venezuela e Irán.
Coinciden también en que, si llegan a la Presidencia, recuperarán y potenciarán su relación con Estados Unidos y firmarán con ese país acuerdos de libre comercio, a los que ha sido reticente Correa al considerar que podrían perjudicar a la producción nacional.


Infolatam – 12.02.2013
IN Infolatam – http://www.infolatam.com/2013/02/12/ecuador-aborto-economia-democracia-y-fe-se-conjugan-en-debate-electoral/






Dilemas de Rafael Correa


há temas importantes que o governo nunca enfrentou. A ausência de uma reforma agrária, o problema da distribuição da água ou a democratização dos meios de comunicação são temas pendentes na agenda de Correa. Além disso, a economia continua dolarizada e o país segue subordinado às determinações do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA. 

Juliano Medeiros
Os setores progressistas de todo o mundo olham para a América Latina com apreensão. As incertezas quanto ao estado de saúde do presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías, e os desdobramentos dessa situação para o futuro do processo de transformações, por ele iniciado em 1999, são um fator de preocupação para as forças populares em todo o planeta. Especialmente na América Latina, onde Chávez subverteu a perversa lógica de subordinação nacional à que estavam submetidos os países da região, liderando o primeiro governo comprometido com os interesses nacionais e populares em décadas, a influência de seu legado é mais fortemente sentida. Não há dúvidas de que outras experiências surgidas no decorrer da última década são tributárias da novidade que Chávez simbolizou.
Entre essas experiências, está o governo de Rafael Correa, no Equador. Foi em meio às incertezas envolvendo o futuro da Revolução Bolivariana na Venezuela que começou na última semana a campanha eleitoral para eleger (ou reeleger) o presidente, o vice-presidente e 137 deputados à Assembleia Nacional equatoriana. Na corrida ao Palácio de Carondelet concorrem oito candidatos: o atual presidente, Rafael Correa; o ex-banqueiro Guillermo Lasso; o ex-presidente Lucio Gutiérrez, deposto por protestos populares em abril de 2005; o empresário e candidato derrotado por Correa em 2006, Álvaro Novoa; o pastor evangélico Nelson Zavala; o cientista político liberal Maurício Rodas; o advogado Norman Wray e o economista e ex-ministro de Minas e Energia de Corrêa, Alberto Acosta.
As últimas pesquisas apontam amplo favoritismo de Correa: com 60,6% das intenções de voto e 72% de aprovação a seu governo, o presidente deve vencer as eleições já no primeiro turno. Guillermo Lasso, em segundo lugar, tem o apoio de 11,2% dos eleitores, seguido por Lúcio Gutiérrez (4,5%), Alberto Acosta (3,5%) e Álvaro Novoa (1,8%). Os demais não alcançam 1%.
O que explica tamanho apoio ao atual governo? A chamada “Revolução Cidadã” iniciada por Rafael Correa consiste num conjunto de reformas que busca enfrentar problemas históricos do Equador, como a dívida externa, o controle sobre os recursos naturais estratégicos e medidas sociais de caráter emergencial para diminuir drasticamente as profundas desigualdades sociais que marcam o país.
Já no início de seu governo, em 2007, Correa criou a Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público, cuja atribuição foi a realização da auditoria oficial da dívida pública do país – tanto interna quanto externa – e seus impactos sociais, ambientais e econômicos. O presidente determinou a suspensão dos pagamentos dos títulos da dívida externa e submeteu o relatório final da comissão à justiça nacional e internacional. Após o reconhecimento de sua validade jurídica, Correa anunciou a proposta de aceitar somente algo entre 25% e 30% do valor dos títulos da dívida externa comercial. Aqueles detentores de títulos que não concordassem com a proposta teriam que recorrer à justiça, apresentando as suas petições contra o Equador. Face às provas contundentes de ilegalidade da dívida, 95% dos credores aceitaram a proposta. Depois de confrontado o problema da dívida pública equatoriana, os investimentos em saúde e educação quadruplicaram, demonstrando a efetividade da auditoria.
Além disso, os números divulgados num balanço oficial apresentado pelo governo no final do último ano são realmente impressionantes. O Equador esperava fechar 2012 com um crescimento do Produto Interno Bruto de cerca de 5% (contra o crescimento de 1% do Brasil) depois de ter se situado no ano de 2011 entre os países com maior crescimento em toda a região.
O nível de desemprego caiu no ano passado a uma taxa de 4,2%, a mais baixa na história do país. Pela primeira vez, a pobreza extrema está em um dígito (9,4%), o que é praticamente a metade do valor observado no início do governo de Correa, quando 16,9% da população estavam na miséria absoluta. A essa política soma-se a eliminação do trabalho infantil, que retirou mais de 450 mil meninos e meninas dessa situação nos últimos cinco anos. Isto foi reconhecido pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) quando colocou o Equador como um dos campeões na redução da pobreza em 2011, assim como na atenção a mais de 130 mil pessoas com deficiências. Essas iniciativas vêm acompanhadas de medidas assistenciais a idosos e apoio a mães solteiras chefes de famílias, mediante o chamado “Bônus de Desenvolvimento Humano” outorgado a cerca de 1,8 milhão de beneficiários. Parecido com a Bolsa Família brasileira, esse bônus é entregue sob a condição de que as mães enviem seus filhos à escola e garantam seu adequado crescimento através de programas de alimentação infantil para evitar a subnutrição crítica.
Paralelamente, o governo toma iniciativas no sentido de enfrentar a atual correlação de forças, tanto na política externa – rompendo relações com o governo da Colômbia quando dos ataques ao acampamento das FARC na fronteira com o Equador ou asilando Julian Assange em defesa da liberdade de informação – quanto interna, aprovando uma Constituição que prevê a institucionalização de vários avanços, submetida e aprovada em referendo popular por mais de 82% dos equatorianos.
Porém, nem só de acertos vive a Revolução Cidadã. Uma tensão latente opõe governo e movimentos sociais indígenas e urbanos. A implementação de um modelo de desenvolvimento cada vez mais centrado na exploração dos recursos naturais tem sido questionada, principalmente, por setores progressistas que até pouco tempo atrás apoiavam o governo.
Com investimentos milionários em oito centrais hidroelétricas, o Equador pretende deixar de importar eletricidade da Colômbia e do Peru a partir de 2016. Além disso, com um megaprojeto de U$12 bilhões na Refinaria do Pacífico, também quer exportar derivados de petróleo. Mas os planos oficiais de extração de recursos naturais têm contado com a oposição do principal movimento social do país: o movimento indígena. O novo processo de licitação internacional para a exploração do petróleo em larga escala na Amazônia equatoriana tem sido fortemente questionado. Não é primeira nem a mais importante polêmica entre Correa e os movimentos sociais.
Em março, os conflitos envolvendo os megaprojetos de mineração anunciados pelo governo equatoriano aprofundaram a ruptura entre Correa e parte do movimento indígena. Naquele mês, o governo inaugurou a mina a céu aberto “Progresso”, firmando o primeiro contrato com a empresa Ecsa para sua exploração. O início das atividades da mina se deu após intensos protestos e sob a acusação de o governo não ter consultado previamente as comunidades afetadas.
A resposta veio dias depois, com a grande Marcha pela Água, a Vida e a Dignidade, que percorreu o país desde o sul da Amazônia equatoriana, passando pelas principais cidades andinas, até chegar a Quito, colocando em evidência o tema da defesa da natureza e da soberania nacional.
Mais recentemente, o enfrentamento entre o governo e os movimentos sociais tem sido em torno da recente licitação para que empresas estrangeiras façam investimentos em 13 campos de petróleo no sudeste da Amazônia equatoriana. Irritado, Correa afirmou: “Basta desse infantilismo de ‘não ao petróleo’, ‘não à mineração’(…)”, defendendo o “aproveitamento responsável” dos recursos naturais não renováveis que o país possui”. No centro da polêmica, está a disposição da Constituição equatoriana que estabelece que toda a decisão do Estado que afete o ambiente terá que ser objeto de consulta com a comunidade local.
Correa defende que tal consulta não significaria consentimento prévio. Segundo ele, “não podemos ser mendigos sentados sobre um saco de ouro”, como disse em várias ocasiões aos que se opõem à exploração mineira, quando já há evidências de grandes reservas de cobre, ouro e outros minerais a serem exploradas. Questionando os que criticam as iniciativas na área da exploração mineral, o governo afirma que os maiores depredadores são a expansão da fronteira agrícola e a mineração clandestina irresponsável.
Mas as críticas dos movimentos sociais não se resumem à questão ambiental. Em agosto de 2012, Correa defendeu a urgência de reformar a Constituição para sanear, segundo ele, o “hipergarantismo” que impede a governabilidade do país. Os movimentos questionam como uma Constituição considerada uma das mais avançadas em termos de direitos possa ser considerada um empecilho exatamente por assegurar garantias e direitos nunca antes previstos.
Ao mesmo tempo, há temas importantes que o governo nunca enfrentou. A ausência de uma reforma agrária, o problema da distribuição da água ou a democratização dos meios de comunicação são temas pendentes na agenda de Correa. Além disso, a economia continua dolarizada e o país segue subordinado às determinações do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA.
É desse processo de crítica ao modelo de desenvolvimento levado a cabo pelo atual governo que nasce a candidatura de Alberto Acosta, ex-ministro de Minas e Energia de Rafael Correa e principal candidato à esquerda da coalizão Alianza País. Representando uma coalizão de movimentos sociais e partidos socialistas e comunistas unidos na “Unidade Plurinacional das Esquerdas”, a candidatura de Acosta simboliza não somente uma justa crítica aos limites do governo de Correa, mas uma plataforma efetivamente mais avançada para transformar profundamente a realidade do Equador. Com menos de 4% de apoio, porém, as pesquisas demonstram que a sociedade equatoriana não está preparada para uma saída radical aos séculos de atraso a que foi historicamente submetida. Razão pela qual Correa deve mesmo capitalizar a grande maioria do apoio dos setores populares e progressistas.
Nos vinte anos que antecederam a chegada de Rafael Correa ao poder, nada menos que 14 presidentes haviam sido depostos (média próxima a um presidente a cada ano e meio). A estabilidade política é uma conquista das elites que hoje podem negociar livremente, mas também é um avanço que favorece as forças populares na organização de um projeto efetivamente alternativo. O problema é onde entram Correa e sua “Revolução Cidadã” nisso tudo. Longe de ser uma experiência a serviço da “estabilização burguesa” como acusam os setores mais extremados da opositora Unidade Plurinacional das Esquerdas, o processo liderado por Correa é cheio de contradições e limites, embora mostre muito mais disposição para enfrentar os problemas históricos de seu país em comparação com outros governos da região. Pressionado entre “razões de Estado” que a legalidade burguesa impõe e a necessidade de rupturas, Correa se equilibra, ora acertando, ora errando. Faz um bom governo, bem posicionado na geopolítica regional e com inquestionáveis avanços sociais.
Mas para ele, tal como para os demais governantes que representam experiências democráticas e populares, o dilema é o mesmo: até onde é possível ir sem romper com os limites dessa legalidade? Como construir uma alternativa real de poder popular? Que fazer para fortalecer as organizações da sociedade civil? Se Correa não tiver em seu horizonte a necessidade de enfrentar essas questões, de pouco terá servido chegar até aqui.


Juliano Medeiros – Membro da Direção Nacional do PSOL e da Fundação Lauro Campos – 19.01.2013
IN Correio da Cidadania –http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8016:submanchete190113&catid=72:imagens-rolantes