Carlos Alexandre Azevedo pôs fim a sua vida no
sábado (16.02.2013), aos 40 anos de idade. Ele foi provavelmente a vítima mais
jovem a ser submetida à violência por parte dos agentes da ditadura. Tinha
apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede
do Dops paulista. Carlos era filho do jornalista Dermi Azevedo, que acaba de
lançar um livro sobre sua participação na resistência à ditadura.
Luciano Martins Costa
O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado
(16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de
depressão e apresentava quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista
e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades,
repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses
após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação
na resistência contra a ditadura militar. 'Travessias torturadas' é o título do
livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo
literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser
submetida a violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um
ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops
paulista. Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais,
Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a
militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da
igreja católica.
Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando
a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava
abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da
residência da família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o
marido. Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do
menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando
ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a
ser torturado com pancadas e choques elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em
busca de um recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros
três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve
reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas
nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma.
Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o
som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos
jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é
especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa
do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e
democracia.
Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos
direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado
em entidades civis e organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da
violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada,
principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um
grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a
ditadura tentou se legitimar.
A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores
insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais
degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série
controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo
suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi
Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de
uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando
os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da
família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os
agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e
escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani.
Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de
luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da
ditadura.
Luciano Martins Costa – 18.02.2013
Comentário para o programa radiofônico do OI, 18/2/2013
IN Observatório de Imprensa, Ed. 733 - http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/morrer_aos_poucos